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Maria Thereza Ávila Dantas Coelho e Milton Júlio de Carvalho Filho

O Espaço do Autor apresenta com exclusividade a entrevista concedida pelos organizadores do livro Prisões numa abordagem interdisciplinar, Maria Thereza Ávila Dantas Coelho e Milton Júlio de Carvalho Filho.

Maria Thereza Ávila Dantas Coelho é professora adjunto da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Possui graduação em Psicologia, Mestrado e Doutorado em Saúde Pública pela UFBA e atuou como psicóloga por treze anos no Sistema Prisional, através da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia. É pesquisadora e Coordenadora do SAVIS – Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde, Violência e Subjetividade. É autora de artigos sobre sistema prisional.

Milton Júlio de Carvalho Filho é professor adjunto da UFBA. Atua como professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, PPGA-UFBA, onde desenvolve pesquisas sobre violências e cidades. É Cientista Social, com Mestrado em Sociologia da Educação e Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Pesquisa sobre Violência Urbana e especialmente sobre Sistema Prisional Brasileiro. É Coordenador do SAVIS – Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde, Violência e Subjetividade e integra o Grupo de Pesquisa Panoramas Urbanos, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, onde pesquisa sobre a violência e sua relação com as cidades. É autor de artigos sobre prisões, principalmente sobre egressos do sistema prisional, sempre na perspectiva da pesquisa etnográfica.

      Por Camila Fiuza

1- Conte-nos sobre suas trajetórias acadêmicas.

Thereza Coelho: Fiz a minha graduação em Psicologia e o mestrado e doutorado em Saúde Coletiva, na UFBA. Na década de 90, comecei a ensinar disciplinas de Psicologia, inicialmente como professora substituta na Universidade Católica do Salvador e na própria UFBA. Participei também, nessa década, de um programa de extensão, que se chamava Programa de Psicanálise na UFBA, que reunia psicanalistas e professores ligados à Psicanálise. No período de2000 ainício de 2009, fui professora da UNIFACS, onde desenvolvi atividades de ensino e pesquisa. Lá fui membro de comitê de ética em pesquisa e coordenei um grupo de pesquisa em desenvolvimento social e saúde. Fui também supervisora de estágio e orientadora de pesquisa nas áreas de saúde, clínica e jurídica. No início dos anos 2000, também dei aulas em duas especializações da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, que foram Pesquisa em Saúde Mental e Psicologia Hospitalar. Em 2008 dei aulas na Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva com área de concentração em Saúde Mental, onde, a partir do ano seguinte, passei a atuar também como preceptora. No início de 2009 ingressei então na UFBA como professora adjunta, no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, para compor a equipe de implantação dos Bacharelados Interdisciplinares. Já nesse ano, criei junto com colegas o grupo de pesquisa SAVIS - Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde, Violência e Subjetividade, coordenado por mim e pelo professor Milton Júlio. No período de2009 a2011 fui, então, vice-coordenadora do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, integrei-me a outros grupos de pesquisa e, a partir de 2011, passei a compor a equipe de professores permanentes da nova pós-graduação Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, implantada neste Instituto.

Milton Júlio: Iniciei a minha carreira acadêmica há mais de vinte anos. Tenho titulação na área de Ciências Sociais (2000) e de Ciências Econômicas (1982). Nessas áreas dirigi a minha produção para pesquisas sobre violência, cidades, sistema prisional, educação, políticas públicas e culturas urbanas. Com a especialização em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)(2001), o Mestrado em Educação (1998) e principalmente com o Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia), realizado na PUC-SP (2006), tornei-me pesquisador das práticas e das experiências etnográficas sobre a cidade. Ao longo da minha trajetória de pesquisa, desenvolvi diversas investigações sobre criminalidade, sistema prisional, emancipação de homens presos, violência em Centros de grandes cidades, a noite dos centros urbanos, culturas urbanas periféricas, cartas de presos, desaparecidos, infância na cidade. Essas pesquisas renderam artigos e livros. Já a minha trajetória como docente iniciou-se primeiro na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), posteriormente na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), na Universidade Católica do Salvador (UNEB) e finalmente na UFBA onde integro, como professor adjunto, o grupo de professores do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, curso que atualmente coordeno. Leciono também na Pós-Graduação em Antropologia. Nessas instituições lecionei e leciono componentes curriculares relativos aos estudos das sociedades, das políticas públicas, da antropologia urbana, educacional, jurídica e dos estudos etnográficos sobre violência, interligando assim pesquisa e ensino. Na UFBA, desde 2009, integro dois grupos de pesquisa diferentes, mas complementares: o SAVIS e o grupo Panoramas Urbanos. O primeiro desenvolve pesquisas sobre a violência de modo geral e o segundo é especificamente voltado para pesquisas sobre cidades.

 

2- Como e quando surgiu a ideia de organizar o livro Prisões numa abordagem interdisciplinar?

A ideia de organizar este livro surgiu em novembro de 2009, quando os professores Milton Júlio e Luiz Lourenço organizaram o I Seminário Estudos Prisionais, com o tema Sistema Prisional Brasileiro: Diagnósticos e Perspectivas. O seminário contou com a participação de pesquisadores de diversos grupos de pesquisa e unidades da UFBA e nos fez refletir acerca da carência de publicações sobre o tema, no Brasil, face a sua relevância. Ele nos fez pensar, então, sobre a necessidade de reunirmos em uma coletânea os trabalhos daqueles que estavam desenvolvendo pesquisas sobre as prisões.

 

3- Qual foi o ponto de partida que os motivaram a estudar um tema tão complexo e ao mesmo tempo interessante?

Maria Thereza: Desde sempre me interessei por questões ligadas à justiça nas relações entre as pessoas. A presença de profissionais ligados ao campo do Direito em minha família e a minha experiência como psicóloga no sistema prisional certamente contribuíram para o meu interesse pelo universo das prisões. O desenvolvimento e a orientação de trabalhos de pesquisa e a supervisão de estagiários no ambiente prisional fortaleceram esse interesse também. Na realidade, as prisões evocam muitas outras prisões. Temas ligados à liberdade e aos direitos humanos sempre me interessaram.

Milton Júlio: O tema prisões não surgiu em minha vida, mas foi buscado por mim. Sempre tive um extremo interesse por temas relativos à liberdade, a identidade, a emancipação, as rupturas de vida. Busquei ser voluntário da Pastoral Carcerária, a princípio em Salvador e depois em São Paulo, justamente para me aproximar desse universo, como pesquisador. É incrível pensarmos que a medida restritiva de liberdade ainda se impõe aos sujeitos infratores da lei, mesmo depois de a sociedade conhecer todas as suas mazelas e saber que a prisão, não reduz a criminalidade e nem recupera o infrator, mas pelo contrário, muitas vezes o torna um delinquente habitual. Homens e mulheres saem das prisões todos os dias com fraturas identitárias às vezes irrecuperáveis e isso não reduz a criminalidade. Entender todo esse processo de desperdício de recursos e de vidas é muito importante para pensarmos outros modelos de sociedade.

4- Maria Thereza, como você descreve a experiência dos 13 anos do seu trabalho de psicologia no Sistema Prisional na Bahia? Como essa experiência a ajudou no processo de construção do livro?

Durante os 13 anos em que trabalhei no Sistema Prisional baiano, tive a oportunidade de conhecer e conviver de perto com o problema da criminalidade e com uma parcela da população em sua grande parte carente do atendimento a suas necessidades e direitos psicossociais mais básicos. Conheci e convivi com bons profissionais e com um sistema complexo, repleto de contradições e limitações. Aprendi que os pilares afetivos, econômicos, culturais e políticos dificultam muito o cumprimento da finalidade desse sistema, inviabilizando a sua missão maior, que é a reinserção social de quem foi preso, com sustentabilidade. As unidades prisionais estão superlotadas de presos, com uma equipe mínima de profissionais e técnicos, insuficiente para realizar o necessário trabalho com essas pessoas. Além disso, não possuímos políticas e programas públicos que possibilitem a reinserção social de ex-detentos. Essa experiência não só ajudou, como até mesmo impulsionou a minha participação na organização desse livro. Ela fortaleceu em mim o desejo de favorecer a discussão pública acerca das prisões.

 

5- Milton Júlio, o senhor pesquisa sobre o Sistema Prisional e possui livros e artigos sobre o tema. Como analisa as prisões na Bahia? Quais aspectos precisam ser melhorados no Sistema Carcerário do Brasil?

O Sistema prisional seja na Bahia, seja no Brasil apresenta uma situação extremamente precária e complexa. É inconcebível que, depois de tantas pesquisas e estudos, um sistema tão oneroso para o Estado seja mantido sem alterações socialmente úteis e adequadas, ao longo dos anos. As pesquisas sobre o ambiente prisional são desconsideradas pelos sucessivos Governos.  A Prisão é um depósito de homens e de mulheres vivos e não cumpre o seu objetivo social. Isso é pouco discutido no Brasil. Com tantos estudos divulgados, Estado e Sociedade, de modo geral, já tem conhecimento que a dita “ressocialização” prisional é falaciosa; que a terapêutica prisional não funciona, pois o aprisionamento não reduz a criminalidade; que as prisões estão superlotadas e com estruturas precárias e não emancipam o sujeito da condição de infrator; que os profissionais que atuam nas prisões não são devidamente valorizados, não tem capacitação constante e nem acompanhamento adequado; que a corrupção é um grande entrave dos estabelecimentos prisionais, entre outros problemas. Ainda assim, mantemos as prisões como estão. Quase não há avanços significativos de mudanças de cenário nessa área. O aprisionamento precisa ser tratado como política pública e ser avaliado como tal. Caso a sociedade brasileira trate o aprisionamento penal como política pública perceberá que já perdemos muitos recursos e que devemos ampliar o debate sobre penas alternativas e sobre outras modalidades de punição. Enquanto fingimos não ver o caos que é o sistema prisional, ele só tende a piorar, seja na Bahia ou no Brasil, em geral.

 

6- Como foi o processo de construção dessa obra? Quanto tempo durou a sua concepção?

A concepção desta obra se deu em 3 meses, entre novembro de 2009 e janeiro de 2010. Nesse período, amadurecemos a ideia, até que, em janeiro de 2010, nós estruturamos o projeto do livro e convidamos pesquisadores da UFBA e de outras Universidades, do Brasil e de Portugal, para participar deste projeto. O ano de 2010 foi dedicado, então, à produção e organização do material entregue pelos pesquisadores. Em 2011, enviamos o livro para a avaliação da EDUFBA e neste mesmo ano tivemos um parecer favorável à publicação da obra. Em 2012 o livro foi editorado e publicado no mês de maio.

 

7- Acompanhando os noticiários, que marcaram o início do ano, ao mostrar tragédias nos presídios do Maranhão, os espectadores perceberam que o problema que aflige a população carcerária tende a tomar proporções maiores e atingir toda a população local.  O estopim de todo caos foi a superlotação nos presídios. Para vocês, de que modo esta obra auxilia na discussão sobre o assunto e como Prisões numa abordagem interdisciplinar pode contribuir para a melhoria nos sistema prisional brasileiro?

Essa obra contribui por ser interdisciplinar. A maior parte da literatura da área é, ainda, de caráter disciplinar. A prisão é um objeto de pesquisa complexo e não pode ser entendida por uma única perspectiva. A interdisciplinaridade do nosso livro permite respeitar a complexidade do tema. Não pretendemos com o livro tornar eficiente esse modelo prisional datado do século XIX. Nenhum artigo vai nessa direção. Pretendemos, sim, esclarecer, fazer compreender esse sistema complexo em busca de uma renovação. Pretendemos ampliar o debate sobre o sistema prisional como política pública de Estado, que merece ser revista.

 

8- Para quem vocês indicam a leitura de Prisões numa abordagem interdisciplinar?

O livro se destina tanto a estudiosos, quanto a interessados no tema, além de gestores e trabalhadores que lidam com as questões abordadas pela obra.

 

9-Existem outros projetos em andamento? Quais são?

Temos participado de outros livros, organizados por colegas, e temos um projeto juntos, ligado indiretamente às prisões, que ainda não iniciamos. Estamos amadurecendo o projeto desta obra.

 

10-Deixem uma mensagem para os leitores da Edufba.

 Leitores, EDUFBA, leiam o livro Prisões numa Abordagem Interdisciplinar e conheçam, através de diferentes perspectivas, a complexidade do sistema prisional. Esse livro é para iniciados e para iniciantes no tema, e visa indicar os vários caminhos e temas pelos quais as prisões podem ser pensadas.

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