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Nelson Pretto

"Escolas que se constituam em ecossistemas de informação, comunicação e aprendizagem. Escolas que tenham professores fortalecidos, professores intelectuais e ativistas. Como eu gosto muito de dizer, professores com um jeito hacker de ser." Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da UFBA, foi o entrevistado de outubro do Espaço do Autor e conversou sobre os temas tratados por ele em seu livro "Uma escola com/sem futuro", que completa 16 anos desde seu lançamento.

Nelson Pretto é formado em Física pela Universidade Federal da Bahia (1977), mestre em Educação também pela UFBA (1984) e doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (1994).

João Bertonie

1. Conte-nos sobre sua trajetória profissional, acadêmica e pessoal. De onde surgiu o seu interesse pela educomunicação?

Desde pequeno sempre fui fascinado pela televisão, rádio e todas essas tecnologias associadas à comunicação. Toda minha formação para a educação passou sempre muito perto da relação da própria educação com a comunicação. Entrei aqui na UFBA para fazer licenciatura em Física. E imediatamente comecei a dar aulas. Depois, o meu mestrado foi sobre a concepção da ciência nos livros didáticos do ensino fundamental (e virou um livro editado aqui pela EDUFBA em conjunto com a Editora da Unicamp). O livro didático no mundo todo, e no Brasil mais especialmente, era um verdadeiro meio de comunicação, pois estamos falando na década de 1980, e a internet ainda engatinhava, na verdade era a Bitnet e só a gente na universidade tinha acesso a ela. Assim, o livro é que levava as informações e os conhecimentos formais para as escolas, professores e alunos. Hoje, não, com a rede disponível – quando ela está disponível, claro! - as informações abundam. Por conta desse trabalho fui trabalhar no INEP em Brasília e ai sim minha relação com a comunicação se intensificou. Conto detalhes desse período no meu novo livro (“Uma dobra no Tempo – um memorial (quase) acadêmico”, que está sendo lançado, agora em outubro, pela EDITUS, a editora da Universidade Estadual Santa Cruz – UESC. Aliás, uma editora muito banaca, com uma política de Acesso Aberto também, como é a Edufba, e isso e muito bom. A diretora é um ex orientanda do nosso grupo de pesquisa aqui na Faced/UFBA e ficamos muito contente com o seu trabalho).

Depois disso fui fazer o meu doutorado na USP, na Escola de Comunicações e Artes, sob a orientação de Ismar de Oliveira Soares, que podemos dizer que é o pai da educomunicação. Assim, meu envolvimento com esse campo chamado educomunicação é meio lateral, não como o foco do meu trabalho de pesquisa.

 

2. Em seu livro, “Uma escola sem/com futuro”, resultado da pesquisa realizada para a sua tese de doutorado, o senhor aponta um distanciamento entre educação e comunicação. Dezesseis anos depois, esta distância continua?

É curiosa essa pergunta pois, de certa forma, essa distância ainda existe, mas claro que não como era naquele período. Hoje, com a rede internet conectando tudo – lembre que sempre eu falo isso potencialmente, pois se não tivermos políticas públicas decentes para a inclusão digital, essa conectividade é apenas potencial, pois somente aqueles que tem recursos podem ter acesso a todos os recursos oferecidos pela rede! –, mas com a internet, e principalmente com o acesso pelo celular, que hoje já representa 78% da forma como a população se conecta à internet, a própria comunicação mudou muito. São as mídias Ninja, são as coberturas colaborativas que vão colocando em questão os grandes meios de comunicação. E aí, voltamos ao campo da educação: precisamos que essa relação se intensifica, que esses equipamentos (computadores, celulares etc) entrem nas escolas como máquinas de processamento de dados, de produção de conteúdos e não de consumo de informações. Foi isso o que defendi como tese no meu doutorado e que virou esse livro Uma escola sem/com futuro, e que agora tem a sua 8ª edição publicada aqui pela EDUFBA e licenciado de forma livre, em Creative Commons, que possibilita qualquer um poder copiar, distribuir, remixar de forma a fazer o conhecimento produzido pela universidade (publica, repito!) circular a vontade. Esse é o nosso papel!

 

3. O senhor atenta para a construção de uma “nova escola”. O que seria isso?

Não é bem uma nova escola. Nós queremos na verdade são muitas educações, que considerem de forma intensa os valores e saberes locais. Escolas que se constituam em ecossistemas de informação, comunicação e aprendizagem. Escolas que tenham professores fortalecidos, professores intelectuais e ativistas. Como eu gosto muito de dizer, professores com um jeito hacker de ser. Falo um pouco mais de tudo isso no livro que acabei de mencionar, que é Uma Dobra no Tempo, que foi escrito a partir do meu memorial para minha progressão para professor titular aqui da UFBA.

Então, não é uma única nova escola, mas são outras escolas, múltiplas, plenas de produção de culturas e conhecimentos. Ela só é única no sentido de que tem que ser para todos, sem distinção.

 

4. Ao falar sobre a inserção da tecnologia das escolas, o senhor comentou que os alunos não aguentam mais ver Sociedade dos Poetas Mortos, Ilha das Flores e O Nome da Rosa. O senhor acredita que as mídias digitais e eletrônicas têm sido mal aproveitadas no ambiente escolar? O que os profissionais da educação podem fazer para mudar esta realidade?

Esse tipo de uso insistente de somente esse tipo de vídeos e filmes está lentamente passando, pois com a riqueza disponível na internet, estamos passando já para uma outra fase, e espero, com uma diversidade muito maior de uso dessas produções audiovisuais. Mas, claro, precisamos de políticas públicas que apoiem isso. O nosso projeto Ripe (Rede de Intercâmbio de Produção Educativa) buscou tratar disso de forma mais efetiva. De novo, tudo isso só é possível se tivermos as escolas conectadas, com banda larga de qualidade, equipadas com tecnologias e com uma arquitetura que favoreça o uso de tudo isso… E isso é algo que precisa ser feito com urgência. As escolas precisam se transformar em verdadeiras laboratórios hacker, centrados na produção, fortalecendo a criatividade e não a reprodução. Para que tudo isso se viabilize, necessário mais do que tudo ter um professor fortalecido.

 

5. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

Fortaleçam a nossa editora… A Edufba tem feito um trabalho sensacional, junto com outras editoras de universidades públicas, como a EDITUS, produzindo livros de boa qualidade editorial e gráfica e adotando um corretíssima política de acesso aberto, colocando, posterior ao seu lançamento, essas produções disponíveis em nosso repositório institucional, favorecendo e estimulando a circulação e a democratização da informação. Esse é um magnifico trabalho que precisa ser fortalecido, como uma política institucional da UFBA e, não apenas uma ação isolada da Edufba.

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