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Adriana Caúla

Edufba: Conte um pouco sobre sua vida e trajetórias acadêmica e profissional.
 
Adriana Caúla: Cursei arquitetura e urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ). Durante esse período, dividia meu tempo entre atividades acadêmicas, iniciação à pesquisa e estágio profissional. Após a minha formatura, em 1997, ingressei no curso de Especialização, Comunicação e Imagem, na PUC-Rio, desenvolvendo pesquisa sobre as imagens das cidades do futuro, e trabalhei em escritório de arquitetura e urbanismo, me dedicando a concursos de projetos e desenvolvimento de projetos de urbanização de favelas, habitação popular e equipamentos públicos. Em 1999, entrei para o mestrado em urbanismo, no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (Prourb/UFRJ), com projeto de pesquisa sobre cidades utópicas dos Quadrinhos e Urbanismo e continuei envolvida em projetos de urbanização de favelas no Rio de Janeiro. No fim do mesmo ano de minha defesa, em um momento delicado para aqueles que trabalhavam nas favelas do Rio, apresentei o projeto propondo ampliar minha pesquisa sobre as cidades utópicas ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Ppgau/UFBA), sendo selecionada para o doutorado em Arquitetura e Urbanismo.
 
Em 2003 cheguei à Salvador e à UFBA, em uma positiva confluência com o apoio de bolsa Capes, acolhida generosa de minha temática pelos corpos docente e discente do Ppgau e demandas de consultoria em urbanização das áreas de invasão no estado da Bahia, junto a escritórios soteropolitanos. Os dois primeiros anos do doutorado foram especialmente produtivos, marcados por transbordamento e intensa comunicabilidade entre práticas acadêmicas e profissionais. No ano seguinte, passei por significativa experiência com o estágio-doutoral em Paris (França), sendo acolhida por dois laboratórios: Laios CNRS e LAA Ensaplv. A liberdade de trânsito pelas diversas instituições francesas que me foi permitida, seguindo cursos com temas variados no CNRS, EHESS, INHA, Nanterre, Paris I etc, foi estimulante e muito enriquecedora. Meu retorno à Salvador foi marcado pela intensificação da atividade de pesquisa e atuação acadêmica como professora substituta na Escola de Arquitetura da UFBA. A acolhida pelo Ppgau de minha pesquisa foi determinante para o desenvolvimento da tese, tendo recebido reconhecimento ao ser agraciada com o Prêmio Capes de Teses, na área de Arquitetura e Urbanismo, em 2009.
 
Desde os tempos de graduação, busquei reunir a maior amplitude de experiências, muito guiada por minha natureza curiosa. Mantive profissionalmente postura similar, aliando, de forma indissociável, minha atuação como arquiteta urbanista, nos escritórios os quais integrei, à de docente, iniciando na minha faculdade de formação (FAU/UFRJ), depois no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Unipli, em Niterói, na Faculdade de Arquitetura da UFBA e, desde 2014, na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF). Percebo como essa abertura me proporcionou e proporciona trocas com pares de minha área e de outras áreas próximas ou distantes, mas que se tocam ou se entrelaçam.
 
Edufba: Apesar de derivar de uma tese de mais de dez anos, é impressionante a atualidade do livro. Quais fatores você acredita que tornam a obra tão condizente com a atualidade?
 
AC: Acredito que a atualidade se dá principalmente pela temática central: as utopias. As utopias estão presentes ao longo de toda a história e em todas as culturas. São expressões de ruptura com o vivido, com o momento e com ideias e valores, sejam recebidos ou adotados livremente. Passamos, especialmente no século XXI, por grandes transformações e situações críticas que parecem se intensificar a cada momento. Estou respondendo a essa entrevista, cumprindo quarentena em meio à pandemia de covid-19, assim como a maioria da população, e parecemos estar imersos em uma utopia (trágica) escrita por Margareth Atwood, George Orwell, José Saramago e Aldous Huxley. São esses momentos desafiadores como o nosso, exigentes por mudanças e revisões de posturas, relações e paradigmas, momentos de grandes crises que provocam em nós um desejo criador e crítico, responsáveis pela criação de utopias, ou pelo anseio a elas, transformando o existente.
 
Edufba: A obra é dividida em três blocos de discussões. De que forma você selecionou e elencou essas questões, uma vez que a obra se amplia, sem limitações, para qualquer área?
 
AC: Na verdade, a organização da pesquisa foi um grande desafio desde sempre. A tese se apresenta como uma caixa contendo sete volumes, sem qualquer ordenamento e com leitura livre. Após dez anos, busquei por um “ordenamento” que fizesse sentido como livro e exercitei minha proposta inicial: uma montagem livre, a partir do meu olhar e meu desejo, revisitando meus escritos. Como a obra possui e é transpassada por várias narrativas, optei pelo agrupamento por processos, os quais nomeei blocos: utopias, utopografias e cartografias. Mas acredito que, noutro momento, montaria de forma diferente - ao entregar o arquivo final a vocês da Edufba, já pensava em outras possibilidades.
 
Edufba: A frase que antecede o sumário do livro é uma citação de Oswald de Andrade sobre a importância da antropologia. Para você, qual a relevância desse campo no fazer e nos estudos da arquitetura?
 
AC: Na verdade, é sobre a importância da antropofagia. Defendo a importância da postura antropofágica em nossos estudos de arquitetura e urbanismo “devorando” tantas influências, modelos e técnicas externas e fomentando a criatividade e inventividade de nossa cultura.
 
Edufba: A facilidade em caminhar por áreas diversas é um fator importante para sua performance acadêmica?
 
AC: Acredito que sim. Consegui, ao longo da minha trajetória, dedicar-me à prática profissional em experiências bem variadas, assim como manter-me na academia de maneira transbordada. Digo transbordada por ter a maior parte de minha formação na área de arquitetura e urbanismo, mas com temáticas de pesquisa que traziam interlocuções com outras áreas. Os escapes para comunicação social, artes e antropologia também foram fundamentais para um caminhar livre, afinal me abriram olhares diversos aos meus objetos de pesquisa.
 
Edufba: Como arquiteta e professora, de que forma você percebe a interdisciplinaridade para a formação e o desenvolvimento da arquitetura?
 
AC: A interdisciplinaridade é fundamental. A formação em arquitetura e urbanismo é ampla e congrega disciplinas distintas (desde cálculo e física, passando pela geometria, chegando a história, teoria e arte). Percebo o quanto as trocas, impulsos e provocações que ocorrem entre tantas disciplinas tornam essa área tão rica e estimulante. Além disso, a multiplicidade em nossa formação nos permite justamente transitar por disciplinas tão distintas (mas complementares) e, acima de tudo, sermos capazes de trabalhar de forma ampliada.
 
Edufba: Deixe uma mensagem para os seus leitores e leitoras.
 
AC: Convido a todos a lerem e percorrerem o livro. Leiam generosa, crítica e divertidamente. Permitam-se ser provocadas(os) e reajam criativamente. Agradeço à Edufba e sua dedicada equipe pela atenção a suas(seus) autoras(es) e pela seriedade com seus projetos.

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