Gedalva da Paz
Edufba: É um prazer tê-la conosco na nossa seção Diálogos. Fale um pouco sobre a sua vida e trajetórias acadêmica e profissional.
Gedalva da Paz: O prazer é todo meu. Sou grata por esse momento. Antes da graduação fui auxiliar de professora, professora de escola comunitária e acompanhava crianças no reforço escolar. Trabalhei no CECUP - Centro de Cultura Popular, na coordenação de escola comunitária cadastrada na AEC - Associação de Educação Católicas e AEEC - Associação de Educadores de Escolas Comunitárias. Também realizei o mesmo trabalho na Arquidiocese de Salvador, o que me deu experiência e conhecimento na formação acerca de professores leigos. Tive também uma experiência como professora de escola particular, trabalhando com alunos(as) com necessidades especiais, no Centro de Educação Alternativa, durante cinco anos. Concomitante a esse trabalho, exerci a função de coordenadora pedagógica em Simões Filhos, em escola de ensino fundamental no noturno. Minha experiência como formadora pedagógica começou logo depois da graduação, com escolas populares, comunitárias e públicas. Durante a trajetória de formação continuada de professores(as), senti algumas fragilidades emocionais e insatisfação por parte do grupo de professores(as). Então associei o curso de Análise Bioenergética à formação continuada de professores(as), espaço no qual dei enfoque não só às temáticas pedagógicas, mas às questões de cunho pessoal e emocional, através das escutas e das narrativas realizadas pelos professores(as). E como funcionária pública que sou há vinte e seis anos, exerci a função de professora do ensino fundamental, diretora escolar, vice-diretora, subcoordenadora da Coordenação Regional, coordenadora da Coordenação da Educação Municipal de Jovens e Adultos de Salvador e da Coordenação de Ensino e Apoio Pedagógico do município de Salvador.
Edufba: O seu livro infantil “Maria Eduarda Agotiné” narra a história de uma menina preta, empoderada e orgulhosa de sua raça, que dá nome à obra. Existe algum motivo para a escolha de um nome tão marcante para a personagem e o livro?
GP: Sim, um nome forte mesmo, que representa todas as Marias, mulheres fortes e lutadoras, e que significa soberana e Eduarda, guardiã de riquezas. Então a junção é uma menina soberana, feliz, rica e protegida pela família e sua ancestralidade. Além de gostar muito e ter tido uma aluna com esse nome. O sobrenome é uma alusão a grande mulher da nossa história não contada negra Na Agotimé, Rainha do Daomé, hoje Benin, que tem um forte legado no culto da Casa de Minas. Rainha esquecida e não estudada no Ensino Fundamental e na Educação Infantil.
Edufba: Por ser uma mulher negra, de que forma as suas memórias de infância contribuíram na criação narrativa desse livro e na construção da personagem Maria Eduarda Agotiné?
GP: Fui uma criança negra esperada, amada e muito protegida por minha família. Afeto não me faltou, mas não tinha o mesmo posicionamento de uma educação antirracista, empoderada como Agotiné e nem pude fazer as peraltices que ela faz. Mas...
Edufba: Um dos destaques do livro “Maria Eduarda Agotiné” é a sua capacidade de interagir com as(os) jovens leitoras(es) em atividades que geram reflexão sobre a importância da representatividade negra na nossa sociedade. Como foi o processo de elaboração dessa interatividade dentro da obra?
GP: Acredito na urgência da reflexão a respeito das questões étnicas para fazer frente ao racismo. Assim, por meio da interatividade se promove a reflexão durante a leitura e a imersão das crianças na ludicidade. Apostei neste recurso, pois à medida que escrevia, imaginava como eu gostaria de estar ao lado do leitor promovendo esta reflexão. A inclusão afetuosa dos corpos de suas famílias e da criança leva-a a valorizar, conhecer e se orgulhar da sua ancestralidade. A interatividade também pode proporcionar a autoestima e o empoderamento do protagonismo infantil. Logo, a interatividade garantiu a mim a realização do desejo de promover esta leitura reflexiva, interativa, prazerosa e de aprendizagem.
Edufba: Diante de uma sociedade ainda contaminada pelo racismo, qual a importância da existência de livros voltados para o público infantil, abordando o valor da cultura negra e sua representatividade dentro da sociedade, como vemos em “Maria Eduarda Agotiné”?
GP: Eu, como criança negra, não tinha essa referência de representação que pudesse me fortalecer e me empoderar para o enfrentamento das gozações, perversidades e do racismo recreativo. Acredito que ter um livro como Maria Eduarda Agotiné possibilita a inclusão de corpos negros infantis, das famílias das crianças, de suas histórias também serem ouvidas, das pesquisas e das representatividades de personagens negras que fizeram a história e não nos contavam e agora podemos nos orgulhar e sentir mais potência para a luta, fortalecimento da auto estima e empoderamento, contando história de êxitos, de afeto, conquistas bem-sucedidas e nossa ancestralidade de reis e rainhas que somos. É imprescindível, urgente e necessário. Não podemos mais continuar no ceticismo que o racismo não existe ou que vivemos em uma democracia racial. É célere os aprendizados decoloniais, antirracistas, práticas de educação transdisciplinar que incluam corpos e marcar identitárias e as histórias das ancestralidades no currículo escolar reescrito cotidianamente. Ainda podemos certificar nas palavras da escritora Conceição Evaristo, também citada no livro, que “Gosto de dizer ainda de dizer que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo” político, democrático e de direitos.
Edufba: Finalizando a nossa entrevista, que mensagem gostaria de deixar para os seus leitores e leitoras?
GP: Desejo imensamente que as crianças possam ter direito de ir e vir, serem incluídas em suas diversidades e tenham a oportunidade de entender sua negritude e empoderamento infantil com os direitos irrefutáveis de ler e escrever. Aprendam a se defender do racismo e identificá-lo, mas não percam a graciosidade da infância, a capacidade de imaginar, sonhar, criar e brincar. Que nossas crianças negras e não negras tenham o direito de ser criança e viver.
Maria Eduarda Agotiné
A obra é um misto das experiências pessoais da autora em sala de aula e uma homenagem às mulheres negras. São mencionados nomes de rainhas, escritoras e militantes, devido à importância da representatividade na formação das crianças negras. A cultura negra é abordada na perspectiva da decolonidade, o corpo no processo da construção cultural, a identidade étnico-racial, as memórias, ancestralidades, tradições e a racialidade enquanto fulcro de cognição e socialização do nosso saber. Além disso, preza pela participação interativa das crianças por entender que esse protagonismo também faz parte de uma educação democrática, emancipatória e transdisciplinar.