Início / Diálogos / Aline D'Eça

Aline D'Eça

Para fechar o mês de março, mês das Mulheres, a EDUFBA traz uma das autoras mais promissoras da nova geração. Trata-se da jornalista Aline D'Eça, que lançou no fim ano passado, uma das publicações de maior destaque da editora, o livro Filhos do Cárcere. A obra nos proporciona um encontro com o rejeitado mundo prisional, numa escrita envolvente nos faz percorrer o dia-a-dia do Complexo Penal Feminino em Salvador, a partir dos filhos e filhas de mulheres prisioneiras que ali estão cumprindo penas. Na entrevista, Aline falou de sua trajetória, planos, além do papel da mulher na sociedade. Acompanhe a partir de agora. EDUFBA - Fale um pouco da sua trajetória na universidade e do período que antecedeu sua escolha pelo curso de Jornalismo. Aline D'Eça - Desde a infância sempre quis colocar em palavras os meus sentimentos e as minhas impressões sobre o mundo. Escrever era a minha forma de expressão e, muitas vezes, de escape. Através de poemas, contos e anotações em diários e agendas, fui aperfeiçoando essa habilidade. Mas não tinha certeza do que queria profissionalmente. A escolha pelo jornalismo aconteceu pouco antes de iniciar o último ano do ensino médio. Percebi que poderia, nessa profissão, aliar a minha vocação para a escrita com outras características da minha personalidade: a curiosidade e capacidade de observação. Ingressei no curso de jornalismo, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2002, cheia de expectativas, como é comum aos jovens que acabam de vencer a exaustiva fase do vestibular. Percebi, entretanto, que o curso oferecia um conteúdo muito mais voltado às teorias e pesquisas do campo da comunicação que propriamente sobre a prática jornalística. Apesar de ter sido uma boa aluna, a vida acadêmica não me seduziu. Meu intuito era tornar-me jornalista. Por esta razão, eu considero que a minha trajetória na faculdade foi rápida. Comecei a estagiar em jornalismo já no quarto semestre, e concluí o curso no final de 2006. EDUFBA - Quando começou seu interesse pela pesquisa sobre o livro Filhos do Cárcere? Quais fatores influenciaram sua decisão? Aline D'Eça - O livro-reportagem Filhos do Cárcere foi o meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo, escrito ao longo do ano de 2006 e aprovado com nota máxima pela banca examinadora. Eu costumo dizer que o meu interesse por produzir o trabalho surgiu já no primeiro semestre da faculdade, quando, na disciplina Oficina da Comunicação Escrita, ministrada pelo professor e jornalista Paulo Leandro, pude aprender que poderíamos ir além das perguntas básicas e “dar uma cor local” à matéria jornalística, contextualizando os fatos e favorecendo aspectos que despertassem no leitor os seus sentidos sensoriais. Redigindo diversas reportagens, descobri o que considero o mais sedutor do trabalho do jornalista: fazer com que o leitor enxergue através da matéria aquela realidade que ele não vê. Mais tarde, no quarto semestre, tive contato, na disciplina Agência de Notícias ministrada pela professora Antoniella Devanier, com um novo tipo de jornalismo, e, a partir daquele momento, fascinou-me a ideia de elaborar reportagens no estilo do jornalismo literário, gênero jornalístico caracterizado pela prática da reportagem de profundidade que tem como proposta a confecção de textos mais envolventes, criativos, humanizados e em sintonia com a responsabilidade social. Nesse mesmo período, veio o convite para estagiar na assessoria de comunicação do Ministério Público da Bahia, e ali aprendi a utilizar o jornalismo para denunciar o desrespeito aos direitos sociais. Redigi muitas matérias relativas às questões que envolviam violações dos direitos de crianças e adolescentes, me identificando muito com a temática infantil. As situações de exclusão social sempre me chamaram a atenção. E o contato com uma prisão, em uma visita de inspeção realizada pelo MP na Penitenciária Lemos Brito, foi suficiente para aguçar a minha curiosidade a respeito do sistema prisional. E, pesquisando sobre aquele mundo, descobri que crianças são geradas e nascem no contexto prisional. Ali estava um desafio: escrever sobre o cotidiano e as relações de família, sobre um mundo que poucos conhecem ou querem conhecer. O desafio e a curiosidade foram, portanto, as minhas maiores motivações para escrever o livro. EDUFBA - Do período que você lançou a publicação, para cá, alguma coisa mudou no panorama relatado em seu livro? Aline D'Eça - Alguns anos se passaram, e, infelizmente, não tive mais o contato diário que tinha com o mundo prisional. Mas, por relatos de conhecidos, tenho conhecimento de que pouca coisa mudou. Houve até uma iniciativa de criar um berçário na Penitenciária Feminina, para evitar que os bebês fiquem nas celas com as presidiárias, mas, ao que me consta, ele nunca funcionou. EDUFBA - Você tem algum projeto em andamento? Qual? Aline D'Eça - Estou estudando novos rumos. Alguns leitores já cobram a publicação de um novo livro, mas, possivelmente, o próximo não será jornalístico, mas literário. Pretendo reunir textos, poesias e contos que escrevi ao longo da vida em uma publicação. Mas o jornalismo é minha paixão, não pretendo me afastar dele. EDUFBA - Como você encara a formação do jovem jornalista hoje? A universidade tem cumprido seu papel na formação desses jovens? Aline D'Eça - Considero que eu não sou a pessoa mais adequada para falar sobre o ensino de jornalismo, uma vez que não estou na vida acadêmica. Posso, porém, avaliar a minha experiência como aluna de jornalismo. Como afirmei anteriormente, acho que a faculdade esteva muito mais comprometida em formar pesquisadores que em capacitar para a vida prática do jornalismo, para a realidade que o jornalista encontrará na profissão. O embasamento teórico e filosófico é muito importante, mas as disciplinas práticas não deveriam ser tão depreciadas. O estudo sobre o jornalismo literário, por exemplo, que deveria ser valorizado com o objetivo de formar profissionais que valorizem a humanização de seu trabalho e mantenham uma postura crítica em relação ao sensacionalismo, aconteceu, no meu caso, fora das salas de aula, por iniciativa própria, pois a universidade não me forneceu esse alicerce. EDUFBA - De que forma você vê o jornalismo baiano e a participação da mulher no atual cenário? Aline D'Eça - As mulheres vêm a cada vez mais, em diversos campos profissionais, ocupando espaços antes restritos aos homens e, o que é melhor, sendo destaque. Mas, apesar disso, ainda precisam lutar muito para conseguir salários mais justos e ocupar cargos diretivos. Isso porque, para os homens, as oportunidades aparecem com mais facilidade. Apesar de se capacitarem mais, como comprovam diversas pesquisas, as mulheres ainda têm que correr muito em busca de oportunidades. No jornalismo não é diferente. Hoje vemos muitas jornalistas ocuparem posições importantes nas diversas áreas de atuação da profissão: como repórteres, produtoras, chefes de redação, assessoras de imprensa, dentre outras. Podemos notar, atualmente, com mais facilidade, a presença de mulheres no jornalismo esportivo, por exemplo, antes dominado por homens. Porém, ainda há espaços muito fechados à atuação de uma profissional. É o caso do jornalismo investigativo. Infelizmente, ainda existem poucas jornalistas atuando nesse campo jornalístico. Mulheres gostam de desafios, são detalhistas, são perspicazes e têm como aliada a intuição. Acredito que o jornalismo investigativo só tem a ganhar com elas. EDUFBA - Gostaria de deixar alguma mensagem para as mulheres nesse mês tão especial? Aline D'Eça - Neste momento tão singular, acho que as mulheres já não precisam de mensagens; elas têm grandes exemplos. Estamos revertendo séculos de desvalorização. As mulheres são, hoje, chefes de família (a maioria dos lares é sustentada por elas), e o mais alto cargo do país é ocupado por uma mulher. Há ainda o que duvidar do nosso poder, do nosso valor, da nossa capacidade?

Acompanhe as Novidades

Cadastre seu e-mail em nossa newsletter

Siga a Edufba
nas redes sociais

instagram