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Edilece Souza Couto

A Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA), através de suas publicações, acompanha o ciclo de festas populares que ocorrem na Bahia nesta época do ano. Em fevereiro dois grandes eventos se destacam nesse calendário: a Festa de Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, e o Carnaval que se inicia no dia 6. Por esse motivo, trouxemos para o Espaço do Autor deste mês, um bate-papo com a professora Edilece Souza Couto, autora do livro Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940). Conversamos, nesta entrevista, sobre a obra, sua trajetória profissional, os festejos tradicionais da cidade soteropolitana e sua relação com a religião, e também sobre os seus projetos futuros. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Daniele Marques

04/02/2013

1.     Você é graduada em História. Como surgiu o interesse em se especializar no estudo histórico da religião?

Muitos cursos de História têm, em suas grades curriculares, a disciplina História das Religiões. Na universidade que estudei não havia. Nasci e vivi no sul da Bahia até os 23 anos, ou seja, até concluir o curso de História. Frequentava igrejas, participava de novenas, quermesses e festas, acompanhava a saída e a chegada de romeiro e ouvia histórias de fenômenos religiosos. Esse universo me fascinava e tinha interesse em investigar as crenças dos leigos. Na primeira oportunidade, em um curso de especialização, escrevi a monografia sobre uma festa religiosa. Foi o começo dos meus estudos de religiões e a definição da minha área de formação acadêmica. 2.     Em 2010 foi lançado o livro Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940). Como foi o processo de concepção desta obra? O livro, com pequenos ajustes, é o resultado do meu doutorado. No mestrado estudei uma festa religiosa do Sul da Bahia, a Puxada do Mastro de São Sebastião, que mistura catolicismo com elementos da cultura indígena. Resolvi mudar o enfoque. Queria analisar o entrelaçamento entre rituais católicos e afro-brasileiros nas festas religiosas de Salvador. Tinha a pretensão de escrever sobre o calendário festivo do verão, porém isso era impossível nos limites de tempo do curso. Assim, optei por estudar a primeira festa, de Santa Bárbara, que tem uma organização essencialmente leiga, sem interferência do clero; uma festa aristocrática e com forte presença clerical: N. S. da Conceição da Praia; e um festejo que tivesse desaparecido: Sant’Ana, em cuja programação nasceu o presente da Mãe d’Água, que se transformou na maior manifestação pública das religiões afro-brasileiras na Bahia. 3.     Você fala no livro que Salvador é conhecida por ser uma cidade que mescla várias culturas (indígena, africana e européia) e também pelos seus encantos, exaltados por diversos poetas e escritores. Entretanto, nele você também relata seus desencantos.  Você pode citar alguns deles? Quando trato das sensações opostas de deslumbramento e desencanto dos escritores em relação a Salvador, me refiro a um período específico entre o final do século XIX e a primeira república. Os viajantes estrangeiros do século XIX, cujos relatos utilizo como fontes, e os poetas e escritores estrangeiros, radicados ou nascidos na Bahia, se mostraram encantados com o clima tropical, a fauna e a flora, o contraste geográfico entre as cidades alta e baixa. Porém, a mistura de elementos das culturas da península ibérica, africana e indígena incomodava, sobretudo, aos viajantes. Eles encaravam a miscigenação como um entrave ao progresso. Muitos escreveram sobre aspectos que consideram atrasos do período colonial, como as ruas de traçados irregulares e sujas, a falta de transporte público, higiene e saneamento, a deficiência dos poucos estabelecimentos de ensino, os problemas ocasionados com o fim da escravidão, como a falta de condições de trabalho, moradia e educação para os libertos. Tudo isso era considerado um impedimento para que a Bahia e o Brasil entrassem no rol da civilização. 4.     As festas católicas de Salvador possuem elementos carnavalescos, misturando o sagrado e o profano. Você acha que, nos dias atuais, existe maior tolerância por parte da Igreja, ou esta característica soteropolitana continua sendo tratada como pagã e digna de repressão, como nos primeiros anos da República? No início da República pelo menos três grupos – o clero, a elite branca e letrada e as autoridades civis - desejavam purificar as festas baianas, consideradas “resquícios de paganismo”, “feitiçaria” e “barbárie”. A Igreja Católica almejava a reforma na vivência religiosa dos baianos, a separação entre o catolicismo e outras crenças. A elite desejava o progresso e a civilização, a modernização na arquitetura e nos costumes baianos. Por sua vez, as autoridades civis elaboravam, aprovavam e faziam cumprir as novas regras, códigos de posturas e leis, inclusive as eclesiásticas. Atualmente muitas dessas intenções ainda estão presentes, porém a Igreja precisa manter seus fiéis e, por mais que não aceite certas práticas, é necessário ser tolerante. A devoção católica se expressa quase sempre em grandes eventos públicos, então é mais viável mantê-los, incentivando, ao mesmo tempo, a participação na missa e nos sacramentos. Além disso, as autoridades eclesiásticas e civis procuram entender e preservar os patrimônios. Sabem que as festas são patrimônios imateriais com diversas referências religiosas e culturais e isso diminui a descriminação e a repressão. 5.     Para quem você recomendaria a leitura do livro Tempo de festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940)? O meu desejo é que a leitura não seja restrita ao ambiente acadêmico, mas que o livro também chegue às mãos dos organizadores e participantes das festas religiosas, e também dos visitantes que se interessem pela vida cultural de Salvador. 6.     Quais são os seus próximos projetos? Continuo estudando o Cristianismo e religiões afro-brasileiras. No momento me dedico à pesquisa sobre as irmandades em Salvador no período republicano. Meu principal objetivo é compreender as mudanças ocorridas, principalmente os motivos dos processos de extinções, fusões, transformações em ordens terceiras e continuidades das associações leigas para o culto católico. 7.     Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. Salvador tem um extenso e diversificado calendário de festas religiosas, cívicas e carnavalescas. Na maioria delas é difícil separar as fronteiras entre fé, civismo, sagrado e profano. Ai está o encanto das nossas manifestações culturais e religiosas. Mas, para manter esse clima festivo com segurança e respeito às diferenças, é preciso conhecer suas permanências e mudanças no decorrer do tempo, sua História.

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