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Edward Macrae

 Edufba entrevista Edward Macrae no Espaço do Autor do mês de setembro

Edward Macrae nasceu em São Paulo. Em 1960 foi estudar na Inglaterra. Ingressou na University Of Sussex onde concluiu o bacharelado em Social Psychology em 1968, e em 1971 obteve o título de mestre em Sociology Of Latin America, na University of Essex (1971). De volta ao Brasil em 1976, obtém o título de doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), com a tese O Militante Homossexual no Brasil da Abertura, uma densa etnografia a respeito dos movimentos sociais GLS na década de 70, defendida em 1986. Atualmente, é professor Associado ao Departamento de Antropologia e Etnologia e é pesquisador associado ao Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas-CETAD, ambos da Universidade Federal da Bahia, onde ministra cursos de pós-graduação em torno de temas relacionados a socioantropologia das drogas. É autor de mais de 40 artigos e livros sobre temas como sexualidade, movimentos sociais, o uso socialmente integrado de substâncias psicoativas, redução de danos associados ao uso de drogas, uso religioso de ayahuasca e Cannabis sativa, entre outros assuntos.

EDUFBA: Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional e acadêmica.

Edward Macrae: Minha educação se deu em grande parte na Grã Bretanha. Formei-me em psicologia social pela universidade de Sussex em 1968. Em 1971 recebi o titulo de Mestre em Sociologia da América Latina na universidade de Essex. Depois disso, voltei a São Paulo, minha cidade natal, onde passei vários anos trabalhando como professor de inglês. Em 1977 resolvi retomar meus estudos acadêmicos e me inscrevi inicialmente no curso de mestrado em antropologia da Unicamp, mas acabei apresentando o resultado de minha pesquisa na forma de tese de doutorado no programa de pós-graduação em antropologia da USP, em 1985. Nessas duas universidades tive a oportunidade de ser orientado primeiramente por Peter Fry e posteriormente por Eunice Ribeiro Durham. Entre outros estudos, o primeiro havia se notabilizado pelas suas pesquisas antropológicas pioneiras no Brasil sobre a homossexualidade e a segunda era uma referência nacional no tema de movimentos sociais. Nessa época tanto o jornal alternativo Lampião da Esquina quanto o recém criado Grupo de Afirmação Homossexual Somos começavam a reivindicar um espaço para a questão homossexual nas discussões políticas que se deslanchavam a partir da chamada “abertura democrática” que se esboçava no regime ditatorial vigente. Aproveitei o engajamento do meu orientador com a redação do jornal alternativo e me inseri na incipiente militância gay, tendo como intenção tanto aprofundar uma discussão política que se mostrava pertinente à minha orientação sexual quanto desenvolver um estudo acadêmico sobre um tema que somente então começava a se apresentar como possível na universidade.

A minha tese se chamava originalmente O Militante Homossexual no Brasil da “Abertura”. Mas, após defender a tese, decidi reescrevê-la e a editei como livro, desta vez com o título “A Construção da Igualdade - identidade sexual e política no Brasil da abertura”. Passei também a me dedicar à pesquisa em torno de outro tema, também um tanto “maldito” na época: a questão do uso de drogas ilícitas como a maconha e seus derivados, por parte de indivíduos bem integrados na sociedade e que não correspondiam aos estereótipos vigentes de “drogados” ou “dependentes. Em 1995, ingressei na UFBA como professor de antropologia. Desde então, meus estudos têm privilegiado essa questão, mas recentemente, devido à importância que o tema da sexualidade vem ganhando, senti a necessidade de revisitar meu antigo livro, fazendo uma necessária revisão estilística e adicionando outros artigos que eu havia escrito na época

 

EDUFBA: Você vivenciou muitas experiências para a realização do seu novo livro “A Construção da Igualdade”. Qual foi a que mais te marcou?

Edward Macrae: Quando realizava a pesquisa para minha tese, a homossexualidade ainda era sujeita a grande estigmatização e acredito que só me foi possível apresentar esse projeto de pesquisa devido ao prestigio acadêmico e pessoal do meu orientador que me protegeu de muita estigmatização existente, mesmo nos meios acadêmicos. Assim como meus companheiros de militância, eu sentia dificuldade em assumir minha orientação sexual em público. O trabalho de acompanhar e relatar as atividades do grupo “Somos” me foram de grande valia em aprender a enfrentar tabus e entender a importância de me assumir publicamente enquanto homossexual. Tive também a oportunidade de conhecer ou confrontar diferentes atores políticos, alguns de grande compreensão e estimulo, como Eduardo Matarazzo Suplicy e outros que já se mostravam funestos, como Michel Temer, então Secretário da Segurança de São Paulo, com quem tive uma áspera conversa a respeito da violência exercida pelos policiais a ele subordinados.

 

EDUFBA: Nos dias atuais, os movimentos homossexuais estão mais fortalecidos do que antigamente, ou não?

Edward Macrae: O movimento homossexual passou por um período de declínio no início da década de 1980, quando o surgimento de um comércio voltado para o publico gay se apresentou como outro foco de sociabilidade, mais prazeroso para muitos que estranhavam as exigências da militância. Porém, o surgimento da epidemia de aids, devolveu-lhe a importância quando grupos gays se mostraram muito eficazes em promover tanto o respeito pelos direitos já adquiridos pelos homossexuais, quanto como importantes agentes de disseminação de informação sobre maneiras de se prevenir e tratar da infecção pelo HIV. Hoje homossexuais masculinos e femininos, assim como pessoas trans, já começam a ser aceitos como parte da população com direito ao respeito por parte da sociedade e das administrações públicas em geral.

 

EDUFBA: Na época da Ditadura esses movimentos, tanto feministas como homossexuais outros de minorias foram reprimidos. Para você, essa repressão existe ainda hoje?

Edward Macrae: Infelizmente ainda persistem bolsões de intolerância, geralmente centrados em movimentos religiosos fundamentalistas de diferentes denominações. Persistem também posturas machistas, mas essas vêm sendo colocadas em questão especialmente pela nova geração que começa a frequentar as universidades ou a participar de diversos movimentos políticos e culturais populares. É também preocupante o crescimento de grupos intolerantes de extrema direita que tentam impedir de forma bastante agressiva a livre discussão pública de temas relacionados a gênero e orientação sexual.

 

EDUFBA: Como você acha que seu livro “A Construção da Igualdade” pode contribuir para os estudos das Ciências Sociais?

Edward Macrae: Relendo o livro percebo que mesmo passados cerca de trinta anos desde sua escrita ele continua bastante atual na sua descrição e discussão das dificuldades encontradas pelo primeiro movimento gay brasileiro, especialmente ao tentar equacionar a liberdade individual quase irrestrita exigida pelos seus integrantes com as necessidades práticas da militância política. Inúmeros movimentos sociais, especialmente os voltados para questões identitárias, têm vivenciado dilemas e dificuldades muito similares às relatadas no livro. Acredito, portanto, que “A Construção da Igualdade” possa dialogar muito bem com outros estudos de movimentos sociais mais recentes.

 

EDUFBA: Deixe uma mensagem para seus leitores.

Edward Macrae: O livro trata das dificuldades encontradas por um grupo político que buscava tratar todos os seus integrantes como se fossem iguais, ignorando suas várias idiossincrasias. Portanto, como pensamento final, gostaria de enfatizar a importância de se manter uma postura flexível ao tratar de questões identitárias, lembrando que apesar dos indivíduos exibirem muitos aspectos em comum com outros em situação social ou cultural similar, o ser humano tem a característica de ser instável e imprevisível. Isso torna muito difícil e perigosa qualquer tentativa de enquadrá-lo rigidamente em uma determinada categoria identitária, por mais obvia que pareça essa pertença.

 

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