Fábio Macêdo Velame
Edufba: Conte um pouco sobre sua vida e trajetórias acadêmica e profissional.
Fábio Macêdo Velame: Minhas trajetórias acadêmicas e profissionais se entrelaçaram alimentadas pela minha militância negra no estado da Bahia. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela FAUFBA em 2003, mestre e doutor pelo PPGAU-FAUFBA com pesquisas sobre arquiteturas de terreiros de Candomblé e suas relações com a Cidade, construi uma carreira profissional como arquiteto urbanista voltada para apoio e ações em comunidades negras em Salvador e no estado da Bahia. Entre 2006 a 2008, integrei a equipe do Convênio entre o CEPAIA-IPHAN-FCP referente ao projeto de Reconhecimento do Patrimônio Cultural Material e Imaterial Afro-brasileiro da Fundação Cultural Palmares de levantamentos históricos, antropológicos e arquitetônicos de templos religiosos de matrizes africanas no Bahia com o objetivo de viabilização de seus processos de tombamento junto ao IPHAN.
Entre 2007 e 2008, participei do Projeto de Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador no Centro de Estudos Afro-brasileiros da UFBA – CEAO com o objetivo de viabilizar a regularização fundiária e criar um banco de dados para implementação de políticas públicas. Esse trabalho teve continuidade em 2009 na elaboração e planejamento dos Mapeamentos dos Terreiros de Candomblé do Recôncavo Baiano e Baixo Sul. Em 2010, realizamos o acompanhamento de projetos e obras de 53 templos religiosos de matrizes africanas de várias nações pelo convênio entre ACBANTU-SUCAB-SEPROMI, a Cartografia Étnico-Social da Rede de Comunidades Quilombolas de Laje dos Negros do Sertão Baiano e a Cartografia Étnico-Social de Templos Religiosos de Matrizes Africanas da Bahia pela Secretaria de Combate a Pobreza e Desenvolvimento do Estado da Bahia – SEDES, com objetivo de construir bancos de dados para projetos de habitação e equipamentos sociais.
Em 2011, realizamos o inventário arquitetônico dos Terreiros de Candomblé do Recôncavo Baiano nos município de Cachoeira e São Félix pela Fundação Pedro Calmon com o objetivo de regularização fundiária, registros e tombamentos pelo IPAC. Entre 2012 e 2013, realizamos as Cartografias Étnico-Sociais das comunidades Quilombolas de Maragojipe e Cachoeira através de um TAC entre MPF-FCP-IPHAN como contrapartida dos impactos do empreendimento do Polo Naval em São Roque do Paraguaçu, teve como objetivo instruir os processos de RTID para o INCRA para titulação das terras, reconhecimentos de patrimônios culturais afro-brasileiros, e produção de material didático em atendimento a Lei 10.630. Atuamos ainda no desenvolvimento de projetos arquitetônicos para comunidades terreiros e quilombolas no estado.
Em 2008, ingressei como professor permanente da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e, a partir dessas experiências profissionais na militância negra, começamos a construir a partir de extensões, ACCs, cursos, disciplinas e pesquisas o campo das ‘’Relações Étnico-Raciais, Estudos Africanos e Afro-brasileiros’’ na área de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, ação pioneira na UFBA frente ao cenário nacional. Em 2013, começamos de forma institucionalizada a militância negra dentro do currículo e do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, realizamos o 1ª. Curso de Arquitetura Afro-brasileiras abordando as arquiteturas dos quilombos, terreiros de candomblé, blocos afro, afoxés, maracatus e congadas, realizamos uma sequência de ACCs com o título ‘’Arquiteturas do Quilombo Salamina Putumuju’’, e criamos junto ao CNPQ o grupo de pesquisa EtniCidades: grupo de estudos étnico-raciais em arquitetura e urbanismo – FAUFBA, como o objetivo de desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão voltadas para as arquiteturas afro-brasileiras, cidades africanas: arquiteturas e urbanismo em África, diáspora africana no atlântico negro: cidades e arquiteturas diaspóricas nas Américas, estatuto da igualdade racial e cidade: políticas públicas para grupos étnico-raciais; e racismo e cidade: segregação étnico-racial, violência institucional e resistências urbanas.
A partir da criação do grupo EtniCidades: grupo de estudos étnico-raciais em arquitetura e urbanismo CNPQ-FAUFBA, em 2014 criamos a primeira disciplina optativa oficial no currículo de um curso de arquitetura e urbanismo no Brasil voltada para as questões étnico-raciais: Arquiteturas Afro-brasileiras: discursos, representações e projetos., e como professor permanente na pós-graduação em arquitetura e urbanismo PPGAU a partir de 2016 criamos as disciplinas Relações Étnico-Raciais em Arquitetura, Urbanismo e Cidade; Cidades Africanas: Arquitetura e Urbanismo Contemporâneo em África; e Diáspora Negra e Cidade: Arquiteturas Afro-Diaspóricas entre África e Américas. A partir de 2015, anualmente, realizamos o Seminário Salvador e Suas Cores que já em sua 6ª edição vem problematizando a produção da cidade, arquitetura e urbanismo no Brasil a partir do Negro, suas relações com a diáspora negra no mundo atlântico, e com o continente africano, com a vinda e participação de professores, arquitetos e urbanistas africanos.
Recentemente, em 2019 realizamos seminários abordando, ainda, Arquiteturas Indígenas, Aldeamentos Ciganos, Capoeira e Cidade, estabelecemos convênios para o desenvolvimento de projetos e obras de restauro em terreiros de candomblé tombados como patrimônio cultural pelo IPHAN, e junto a SEPROMI para Promoção da Igualdade Étnico-Racial, Combate ao Racismo e de Defesa dos Direitos dos Povos Tradicionais. Em 2020 realizamos a missão à África junto com universidade Públicas da Nigéria com pesquisa sobre arquitetura e cidades históricas da Nigéria como Oyo, Ilê Ifé, Ibadan, Oxobô, Ejibo. Atualmente, coordeno a área de arquitetura e urbanismo da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN, atuo como pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA – CEAO, e integro o grupo de pesquisa Patrimônio e Identidades: pesquisa multidisciplinar em relações étnico-raciais e estudos africanos do Pós-Afro da FFCH/UFBA, como líder do grupo EtniCidades desenvolvemos pesquisas com orientação de iniciação cientifica, e orientações de especializações, mestrados e doutorados com recortes nas relações étnico-raciais, estudos africanos e afro-brasileiros, além de ações extensionistas que articulam as comunidades negras com órgãos públicos como os tombamentos e registros de terreiros, festividades e territórios negros no IPHAN, IPAC e FGM, projetos de reformas de terreiros de candomblé, projetos de habitações em comunidades quilombolas, institucionalização de territórios negros como o Parque em Rede Pedra de Xangô. Meu caminho, Odú, ocorreu a partir da minha militância negra, que condicionou a minha carreira profissional e traçou a minha trajetória acadêmica.
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Edufba: Por que a escolha deste templo específico para dialogar com as questões da cultura e arquitetura local?
FV: O Omo Ilê Agboulá é um ícone da arquitetura afro-brasileira, fruto da diáspora negra no Novo Mundo, constituiu uma das pontes entre a África e o Brasil. Foi meu objeto de estudo no mestrado, cuja dissertação compôs o processo de tombamento no IPHAN. O Omo Ilê Agboulá é templo de culto aos Egum, os mortos, ancestrais africanos e afro-brasileiros, constituindo continuidade, permanência, resistência e existência de uma das poucas sociedades secretas africanas, a sociedade Egúngún, que sobreviveu a diáspora, escravidão e racismo no Brasil. Na África, os Egúngún, vinculados ao império de Oyo, na Nigéria, eram os ancestrais masculinos que representavam descendências nobres, reis, dinastias reais e famílias nobres, pais fundadores das cidades e linhagens, guerreiros, sacerdotes e outras lideranças que tinham conseguido, durante a vida, certo prestígio e poder.
O culto dos Egúngún na África, tinha um caráter plurifuncional, possuía funções constitucionais, políticas, judiciárias, de controle da moralidade pública e do comportamento social, controle religioso, assim como funções econômicas, sociais, militares e artísticas. Possuía ainda um caráter econômico, social e religioso do culto aos Egum, que tinham também as funções de receber as primeiras colheitas, realizar a bênção dos campos para a semeadura, cuidar dos moribundos e ir à residência das pessoas que estavam morrendo. Na Bahia, o culto aos Egúngún, passou a se chamar simplesmente de culto aos Egum e perdeu estas atribuições em virtude da escravidão, que desestruturou suas relações sociais, econômicas e políticas. Aqui o culto aos Egum passou por transformações, modificações e acréscimos, circunscrevendo-se atualmente à evocação dos ancestrais ilustres afro-brasileiros da sociedade e de alguns Egum africanos que foram preservados, para fornecer conselhos, orientações, caminhos para os vivos, os seus descendentes em seu fluxo de vida, em seus problemas cotidianos, eventuais, específicos de cada um ou de toda a sociedade.
O Omo Ilê Agboulá é o herdeiro dos terreiros de candomblé de Egum do século XIX e a matriz de todos os terreiros de Egum do século XX, no Brasil. Ele recebeu não apenas os rituais, as músicas, os fundamentos, ou seja, a tradição do culto aos Egum, mas também toda uma linhagem de ancestrais sejam eles africanos ou afro-brasileiros que pertenciam aos terreiros de Egum do século XIX. Atualmente, é referência para todos os demais membros dos terreiros de Egum no país, pois, embora sejam estes independentes, para lá os Ojés (sacerdotes do culto) sempre voltam quando têm algum problema com algum Egum ou Exu de Egum, procurando os sacerdotes mais velhos e experientes do Omo Ilê Aboulá para resolver os seus problemas.
O culto dos Egum na Bahia remonta ao início do século XIX. Nesse período, já existiam em Salvador diversos terreiros voltados especificamente à invocação e à adoração dos ancestrais. Assim se sucederam os terreiros de culto aos Egum no Brasil, nos séculos XIX e XX: terreiro de Vera Cruz, terreiro do Mocambo, terreiro da Encarnação, terreiro do Tuntum, terreiro do Corta Braço, terreiro da Quitandinha do Capim, terreiro do Matatu e terreiro da Preguiça, todos eles fundados no século XIX, entretanto nenhum deles existe mais. O terreiro Omo Ilê Aboulá, terreiro Ilê Olokotum, terreiro Ilê Obaladê, terreiro Ilê Omo Nilê, terreiro Ilê Marobó, terreiro Ilê Babá Adelorum, terreiro Ilê Babá Kiobê, terreiro Ilê Atilewa, terreiro Ilê Axipá, terreiro Ilê Babá Adebolá, terreiro Ilê Babá Lojadé, e terreiro Ilê Babá Onilá, todos esses foram fundados ao longo do século XX. Durante o século XIX e no início do século XX, os fiéis, os sacerdotes, os chefes de culto, ou seja, os membros de cada um deles freqüentavam-se, visitavam-se, relacionavam-se, trocando experiências, conhecimentos, unindo esforços de resistência, primeiramente ao cativeiro, à escravidão e, em seguida, às perseguições policiais. Organizaram-se constituindo uma irmandade, uma poderosa sociedade secreta com características bem definidas. A partir desse inter-relacionamento, foi que os antigos terreiros sucederam uns aos outros, fecharam-se as suas portas e todos eles vieram, na primeira metade do século XX, a se condensar no Omo Ilê Aboulá.
Hoje, no Brasil, o Omo Ilê Aboulá é a síntese direta e indireta dos terreiros de Egum do século XIX na Bahia, sendo a matriz de todos os terreiros dedicados exclusivamente ao culto dos Egum na atualidade. A partir de 1955, ocorreu o processo inverso do que ocorreu no final do século XIX e início do século XX, ou seja, ocorreu a reterritorialização do culto dos Egum em várias localidades de Ponta de Areia e povoados vizinhos. Começou a proliferação de terreiros de culto aos Egum, todos oriundos do Omo Ilê Agboulá, extrapolando inclusive os limites da Bahia, sendo que este processo se intensificou nestes últimos vinte cinco anos.
Hoje existem no Brasil doze terreiros de Egum. Em Ponta de Areia, na Ilha de Itaparica, existem seis: o Omo Ilê Agboulá, no bairro do Bela Vista, cujo Alabá é o Ojé Abá Balbino Daniel de Paula; o Ilê Olokotum, que é o antigo Ilê Oiá, no bairro do Barro Branco, sendo o seu Alabá o Ojé Abá Guegueu; o Ilê Obaladê, também localizado no Barro Branco, tendo como seu Alabá o Ojé Abá Eduardo; o Ilê Omo Nilê, localizado ainda no Barro Branco, sendo o seu Alabá o Ojé Abá Petú. No bairro da Misericórdia, existe o Ilê Marobó, tendo como Alabá o Ojé Abá Carneirinho; no bairro da Jurema, há o Ilê Babá Adelorum, cujo Alabá é o Ojé Tatu. Por ser herdeiro direto ou indireto dos terreiros de culto aos Egum do século XIX e a matriz dos terreiros do século XX, o Omo Ilê Agboulá constitui a referência afro-brasileira no culto aos ancestrais ilustres, os Egum no Brasil, e Egúngúm em África. O Omo Ilê Agboulá é prestigiado e respeitado por todos os outros templos de Egum no Brasil, pois os seus Ojés sempre regressam ao Omo Ilê Agboulá, nos períodos de festa, porque ele continua a ser a casa de todos os Ojés, independente dos seus terreiros de origem. O Omo Ilê Agboulá foi tombado como Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN em 2015.
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Edufba: Como você entende a importância cultural e religiosa ao realizar um projeto arquitetônico desse cunho?
FV: A pesquisa visava problematizar a relação entre cultura afro-brasileira e sua arquitetura, a partir da ancestralidade negra, tendo o culto aos Egum como umas das manifestações máximas da ancestralidade afro-brasileira. Essa abordagem se deu em uma perspectiva afrocentrada e afro-referenciada, buscando romper com categorias clássicas ocidentais eurocêntricas de análise e entendimento da arquitetura pautadas na forma, proporções, tecnologias e sistemas construtivos, relações de cheios e vazios, simetria e assimetria, luz e sombra, cores, texturas, dentre outras, a arquitetura vista como o obra de arte a ser contemplada, experimentada que nos leva a sensação do sublime. A pesquisa busca uma ruptura epistemológica, a partir da produção arquitetônica realizada pelo negro no Brasil, num exemplar que tem a ancestralidade africana e afro-brasileira como seus fundamentos.
Nesse viés, buscamos na comunidade de culto aos Egum, entender como a cultura negra condiciona a criação, desenvolvimento, organização e estruturação espacial da arquitetura a partir da cosmovisão (visão de mundo), ethos (ética e estética) próprias do culto aos Egum. Como a arquitetura do Omo Ilê Agboulá é constituída pelo processo histórico racializado enfrentado pela comunidade, o sistema dinâmico do fluxo de axé, as relações hierárquicas e de gênero, os diversos rituais voltados para os Egum, e as dimensões simbólicas vinculadas a ancestralidade e aos Egum. Como esses diversos elementos, que emergem de dentro das comunidade, se relacionam num movimento circular constituindo a arquitetura do culto aos mortos ilustres africanos e afro-brasileiros, os Egum.
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Edufba: Como arquiteto e professor, de que forma você percebe a interdisciplinaridade para a formação e o desenvolvimento da arquitetura?
FV: Essa pesquisa ao buscar rupturas epistemológicas, afro-centradas e afro-referenciadas, despindo-se de categorias tradicionais ocidentalizadas, necessita de um diálogo com outras disciplinas no sentido de buscar instrumentos e ferramentas teóricas e metodológicas que possibilitem uma reflexão arquitetônica a partir de outros valores e referenciais, ou seja, tendo o negro e sua cultura, em particular a cultura da sociedade de culto aos Egum, como elemento de compreensão dessas arquiteturas. Assim, para entender a arquitetura do Omo Ilê Agboulá e sua relação com a cidade, dialogamos com a história social e oral, a etnografia no campo da antropologia, a filosofia das religiões e da arte, onde e quando formas, materiais e técnicas da arquitetura ocidental deram lugar às memórias, narrativas, mitos, ritos, danças, cantigas, opás, orikis, itãns, símbolos, e axé. Portanto, um novo olhar sobre a arquitetura, sobretudo aquelas produzidas pelos povos e comunidades tradicionais no Brasil precisam fundamentalmente da interdisciplinaridade, porque elas exigem um “deslocamento’’ do olhar.
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Edufba: De que forma você entende a relação entre o conhecimento técnico da arquitetura e a sensibilidade com as questões exteriores a ela (cultura, comunidade, religião, costumes etc)? E qual a importância do equilíbrio entre esses fatores ao elaborar um projeto?
FV: Desde a modernidade, a cultura ocidental tende a separar, fragmentar e hierarquizar as variáveis que compõem e constituem a arquitetura. Seja no projeto e na análise arquitetônica, com a primazia em um determinado momento da “função”, em outro momento da “técnica”, e em outro período a “forma”, dentre outras variáveis, uma servindo as outras a depender da conjuntura histórica e do espectro do sistema do capitalismo em seus momentos e transformações. Ao nos debruçarmos sobre a arquitetura dos povos e comunidades tradicionais – dentre elas as comunidades quilombolas, os povos de terreiros de candomblé, as aldeias indígenas, os acampamentos ciganos, os assentamentos de comunidades de fundo e fecho de pasto, as comunidades de pescadores, marisqueiros e ribeirinhos etc – percebemos que não há uma dicotomia entre homem e natureza, mas uma imbricação entre terra, homem e arquitetura, constituindo uma coisa só num movimento circular. Essas arquiteturas nos ensinam que existem outros processos que compõem a arquitetura e que devem estar presentes na sacola de ferramentas projetuais dos arquitetos, no qual eles precisam se transportar para outros universos, conectando-se com os mesmos, para que juntos possam realizar projetos no qual a arquitetura tenha o papel de dignificar a existência humana e não o homem ser um mero espectador do espetáculo formal da arquitetura.
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FV: A arquitetura do Omo Ilê Aboulá vai muito além do que foi dito e apresentado neste trabalho, porque a arquitetura de um templo de culto aos ancestrais é como as roupas e indumentárias, o Opá, dos Egum. O opá guarda sob ele o segredo da morte, pois ela e seus elementos não devem e não podem ser conhecidos. De forma alguma nenhuma pessoa deve sequer procurar saber o que existe sobre as tiras de pano do opá, não se pode nem tocá-las, ninguém sabe o que há sob os seus panos. Sob o opá está tudo e todos e, ao mesmo tempo, nada e ninguém, a saudade e a alegria, o fim e a imortalidade, está a morte e a vida. Cada construção, elemento natural e espaço que compõem a arquitetura do Omo Ilê Aboulá também guardam e zelam seus segredos, são opá de tijolos. São segredos guardados com grande rigor através do silêncio e do olhar.
Aquelas construções, assim como os membros da sociedade dos Egum, que cuidam dela, ora falam grandes histórias ora se calam. Elas cuidam de grandes segredos, de saberes, conhecimentos, poderes, de edificar e habitar um mundo, um mundo diferente onde os mortos podem voltar para socorrer e cuidar de seus filhos. Como o opá, esta arquitetura vence o tempo, enfrenta a morte, encara de frente Ikú, e guarda sob os seus panos de tijolos em retribuição àqueles que o bordaram, que o teceram, a sua memória. Sempre zelam por suas histórias, suas proezas, seus feitos, por suas atitudes, palavras e gestos, fazendo com que todos que virão se lembrem deles. Ambos possuem a mesma obrigação: garantir a memória e a imortalidade da sociedade e do indivíduo que pertence ao culto dos Egum, pois os seus filhos têm como obrigação cultuá-los e realizar os seus desejos. Mas, para quem quer conhecer essa arquitetura particular, sugiro ir em uma festa de culto aos Egum no Omo Ilê Agboulá, quando essa arquitetura com as cantigas das Erelu, com o som dos atabaques dos Alabés, com as folhas do Akoko no chão, com o aroma do Orum no barracão, e as luzes a refletirem nos espelhos do Opá dos Egum, fazem a arquitetura atingir seu esplendor estético, uma beleza particular afro-brasileira que tem na ancestralidade e amor aos Egum sua beleza fundamental.