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Ivan dos Santos Messias

O Espaço do Autor deste mês de agosto conta com uma conversa com Ivan dos Santos Messias, autor de "Hip-hop, educação e poder: O rap como instrumento de educação". Em seu livro, Messias analisa as práticas educacionais do movimento hip-hop na cidade de Salvador e os esforços de grupos culturais na tentativa de inserir a arte na vida pública e na educação da população de bairros economicamente enfraquecidos. Ivan dos Santos Messias é formado em Letras Vernáculas e Língua Inglesa pela Universidade Católica de Salvador e é mestre em Cultura e S0ciedade pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, ele é professor universitário, lecionando Literatura Ocidental, Metodologia Científica e Análise do Discurso no Programa de especialização Lato-senso do Centro de Estudo, Pesquisa e Desenvolvimento Humano (Cepex/Unibahia).

João Bertonie

1. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica. De onde surgiu o seu interesse pelo uso do rap como instrumento de educação? Minha trajetória profissional está ligada ao ativismo político-cultural por movimentos sociais. Aos 16 anos, ensinei catequese para adolescentes, na Igreja Católica no bairro de Plataforma. Ingressei na Universidade Católica aos 18, cursei Letras com inglês; ensinei em escolas particulares em Salvador e Santo Amaro, cursos pré-vestibulares nos bairros para a população economicamente enfraquecida: Steve Biko, Coequilombo, Malcom X, Cabricultura, MCPS, associações de moradores, Sindoméstico - geralmente voluntariado.  Atualmente, 2015, leciono no curso de Pós-graduação Cepex-Unibahia: Literatura Ocidental, Metodologia Científica, Análise do Discurso. Sou revisor de teses, dissertações e livros; tradutor de textos em língua inglesa. Adentrei o mestrado na Universidade Federal da Bahia em 2007. Conheci o Hip Hop através do cinema no filme Colors, em 1988. Nasci no Parque São Bartolomeu, Salvador-Bahia, onde promovíamos concurso de beleza, dança, redação, poesia e festas de hip hop. Editava e distribuía gratuitamente um jornal chamado Comunitário, por conta própria, nos anos 90.  Tudo funcionava bem; reuníamos centenas de pessoas. Tudo sem financiamento, sem captação de recursos, nem apoio dos poderes públicos, era espontâneo, todos colaboravam com algo. Era fértil, bonito. A partir da experiência na produção cultural de bairro, resolvi escrever, 10 anos depois, sobre experiências de educação, sobre cultura rap ou hip hop que presenciei. Coordenei um projeto financiado pelo Governo do Estado da Bahia, chamado “As raízes negras do hip hop e do samba de roda de Santo Amaro” (2007). Nunca pertenci organicamente ao movimento hip hop, embora promovesse atividades afins e outras manifestações culturais.   2. Sua pesquisa se concentra em áreas economicamente enfraquecidas da cidade de Salvador. De que forma a cultura hip hop inserida na sala de aula dialoga com os jovens que ali vivem? A música do hip hop criou bons comunicadores, pessoas que se esforçam para educar a população Thaide da TV Bandeirantes, Negro Davi do Sindlimp, Dj Branco da Rádio Educadora e outros nomes; são exemplos de que o hip hop é estilo que promove gente de boa índole, inteligente, civilizada. O hip hop parece agressivo, mal educado, feio, porque denuncia com acidez as desigualdades sociais. A escola não se utiliza de música para educar, qualquer música: evangélica, instrumental, pagode, reggae, rock metal. A música traz consigo a história dos povos, seus costumes e conflitos sociais, precisa ser melhor estudada. Professores rejeitam outros estilos que não MPB, as preferências musicais da juventude são excluídas.  O hip hop tem imagens e temas rejeitados em sala. Evitam-se diálogos. Observem que o rap tem uma mensagem básica: narra a vida trágica de alguém e depois conclui: “não vale a pena lançar-se no crime”. Os bairros tornaram-se violentos, assustadores já vivi tempos melhores, jovens estão, sim, sendo exterminados pelas guerras de gangues, é uma pena, poderiam se armar de poesia, teatro. Vamos ensiná-los a atirar melhor com  caneta no papel, com grafite. É feio e assustador ver poças de sangue, promovidas principalmente pelo comércio de drogas ilícitas, promovidas pela carência, pela sede conquista, de poder sobre o outro.  Poderes negativos. O hip hop traz a mensagem contrária, dialogando com essa realidade na qual está inserida parte da juventude. Nossa crítica não deveria culpar apenas o Estado, mas também nossa atitude tímida, preguiçosa, enquanto ativistas. Se o estado evita cumprir seu papel de provedor de bens sociais. Educadores e ativistas poderiam realizar mais, com ou sem apoio de partidos, com ou sem captação de recursos. Profissionais de todas as áreas devem envolver-se em mutirões, onde possível, em programas de assistência à pobreza: aulas, cursos, atividades lúdicas, para construirmos outro Brasil. Como está, só levaremos goleadas do sucesso e poder de outras nações. Como está, continuaremos invejando outros povos e consumindo “produtos”, porque nos tornamos incapazes de inventá-los.   3. Como o hip hop pode ser utilizado pelos educadores nestes bairros periféricos? O hip hop pode ser utilizado para produzir leitores, bons profissionais, cientistas, políticos. São muitos os caminhos. As igrejas evangélicas utilizam pagode, funk, hip hop, sertanejo para congregar, atrair, ajudar, curar pessoas. Também por isso são vitoriosas na ocupação de cargos em todas as dimensões sociais e políticas. É uma metodologia eficiente. Os educadores podem usar tais ritmos na produção de peças teatrais, concursos de poesias, redação, atividades de matemática, física, educação física, desenho, literatura, etc; O resultado seria melhores estudantes, mais pesquisadores, melhores profissionais. É muito fácil. Conter o hip hop nas rádios e televisão é frear a educação do país, frear a possibilidade de termos escolas produzindo saberes, e as empresas precisam do saber das novas gerações. As empresas precisam investir no fomento à cultura de um modo geral. Isso abre portas. Mas, ao contrário, estamos estagnados em muitos setores. O empreendedorismo cultural no Brasil é introspectivo, tímido, específico. Então não devemos reclamar da competência norte-americana, lá investem forte em muitas áreas, inclusive no hip hop, que vai aos cinemas e todos os agentes culturais: empresas e estado ganham dinheiro e prestígio mundial.   4. Na construção do seu livro, você recorreu a pensadores diversificados, como Foucault, Nietzsche e Bourdieu. Quais reflexões trazidas por estes filósofos a respeito das relações desiguais de poder você percebeu presentes em bairros como Novos Alagados e Cabrito de Baixo?  O livro hip hop confirma o pensamento nietzschiano as desigualdades não devem ser vistas apenas como produzidas pela “burguesia”; desigualdade é gerada no interior de qualquer sistema como viam Machado de Assis e Nelson Rodrigues. A desigualdade é um tipo de ação, uma cultura compartilhada por pessoas diferentes e “iguais”. A desigualdade se dá também entre os semelhantes. A investigação, a pesquisa científica precisa esforçar-se para analisar estes aspectos em vez de vestir-se de da moral bem-mal opositiva de classe. Até mesmo o sentido de oposição é diluído pela realidade, pelo empírico. Evidente que a luta de classes é um fato, mas existem outros fatos simultâneos que extrapolam essas fronteiras. E a minha intenção foi mostrar isto: a opressão é macro mas também microestrutural. É duro falar “mal” de si mesmo. O real é insuportável, precisa de ideologias, esquivar-se do espelho, das dores e tragédias. Ou seja, o Estado brasileiro não é único opressor dos pobres. O Estado comparado à supraestrutura é cada um de nós que reproduz seus poderes, como funcionários e simpatizantes, mas produz outras microforças já que somos criativos para além do ego. Porém, nem toda criatividade acolhe, inclui, respeita.  É como se a vida ainda fosse a luta de todos contra todos. Isso aniquila a dicotomia entre ricos e pobres, brancos e pretos, mau e bom absolutamente. A luta contra as desigualdades e em favor da dignidade e autoconservação se dá em todas as esferas: na família, nas ruas, na escola, no trabalho, nas instituições. E é isso que diz Bourdieu, Foucault, Nietzsche e outros pensadores excepcionais. Sem eles e sem meus professores tal análise não seria “silenciosa”.   5. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba. Solidariedade: esforço voluntário, mutirão para construirmos uma nação bonita, sadia, grandiosa para todos, sem excluir por classe, aparência, cultura. Há sim espaço para todas as pessoas - como as estrelas, podemos ser mais brilhantes, harmoniosos. Essa é a mensagem do livro hip hop, educação e poder.

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