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Jairnilson Silva Paim

Neste mês de setembro a EDUFBA entrevistou o professor Jairnilson Silva Paim, autor dos livros “Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica” e “Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI”. O autor é especialista e um dos principais teóricos sobre o desenvolvimento da reforma sanitária brasileira e da saúde coletiva, através da  contextualização e seus fundamentos.

Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em 1972, Jairnilson Silva Paim é professor Titular de Universidade Federal da Bahia e Professor Honoris Causa da Universidade Estadual de Feira de Santana. Realizou mestrado, defendendo dissertação sobre “Reforma Sanitária: planejamento em saúde”. Em 2007, realizou, o doutorado em Saúde Pública, com a tese “Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica”. Na UFBa ensina,  nível de graduação,  Política de Saúde. A nível de pós-graduação, Seminário Avançado de Teoria da Planificação. Foi também coordenador do Projeto Análise de Políticas de Saúde no Brasil (2003-2017) e do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS).

Nessa entrevista ele fala um pouco da sua trajetória e da questão da mudança social e institucional no campo da política da saúde, suas ideias sobre as idas e vindas da legislação e normatização do SUS em diversas conjunturas.

1. Conte brevemente sobre suas trajetórias profissionais e acadêmicas.

A minha trajetória é fundamentalmente acadêmica. Formei-me em médico e logo em seguida fiz o mestrado, mas antes de concluí-lo passei na seleção para Auxiliar de Ensino do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA, em 1974. Portanto, sou servidor público em tempo integral e dedicação exclusiva nesta Universidade há 43 anos onde fiz concurso público para Professor Assistente, com defesa de tese (na época era assim, apesar de já ter o mestrado), depois passei para Adjunto e, em 1999, fiz concurso público também para Professor Titular no Instituto de Saúde Coletiva. Conclui um doutorado “temporão” em 2007 (alguns pensavam que era para eu me aposentar com melhores condições...), mas continuo trabalhando por mais uma década e enquanto for possível.

2. Você se define como militante dos projetos políticos em relação a saúde. O que considera mais importante dentro Movimento Sanitário?

A minha militância nunca foi partidária, embora tenha amigos e companheiros em diversos partidos com os quais se faz necessário para realizar a democracia, assegurar direitos, incluindo o direito à saúde, e apostar na emancipação das pessoas. O movimento sanitário, desde a sua origem, defende a democratização da saúde, como parte da democratização da vida social, daí o conceito ampliado de saúde que concebeu, contemplando a sua determinação social, cultural e ambiental. Ao formular a ideia, a proposta e o projeto da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) e do Sistema Único de Saúde (SUS), em especial, o movimento sanitário aposta num elevado padrão civilizatório para a sociedade brasileira.

3. Quais os desafios da reforma sanitária brasileira para os próximos anos?

A RSB não se restringe a uma reforma no sistema de saúde, pois implica uma “totalidade de mudanças” que passa pela reforma urbana, reforma agrária, reforma universitária, reforma tributária, além de uma reforma democrática do Estado para torná-lo efetivamente público. Entre seus desafios despontam a preservação e a radicalização da democracia, a garantia do financiamento público para o cumprimento dos direitos sociais assegurados pela Constituição, a regulação e controle do setor privado (operadoras, empresas e prestadores de serviços), e a valorização dos trabalhadores do SUS. É claro que se trata de uma luta contra a corrente dominante. Hoje, no Brasil, a palavra reforma embute outras conotações, pois na realidade expressa retrocesso, restauração, reacionarismo, seja em termos de política, economia, cultura, valores e costumes. E essas contrarreformas propostas por um governo sem votos, como a trabalhista, a previdenciária, a do ensino médio e a dos planos de saúde, entre outras ameaças, são acionadas na perspectiva de uma inversão semântica para confundir o cidadão médio que nem sempre está atento aos significados e aos contextos. Como sempre foi lema do movimento sanitário “saúde é democracia e democracia é saúde”, o maior desafio para os próximos anos é reconquistar a democracia e aprofundá-la para melhorar a vida de mais de duzentos milhões de brasileiras e brasileiros, com um novo projeto de nação e uma inserção, não subordinada nem dependente, do país no mundo.

4. Fale um pouco do SUDS e CEBES, sua dimensão política e como atuam.

O SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde) foi uma estratégia-ponte para a organização e a implantação do SUS, pois antes deste o sistema de saúde brasileiro era descoordenado, insuficiente, mal distribuído, inadequado, centralizado, ineficiente, autoritário, corrupto e ineficaz. Temos muito que desenvolver no que diz respeito ao SUS, mas ele é incomparavelmente mais estruturado e efetivo do que aquilo que havia na época da ditadura.

Quanto ao Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) trata-se de uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos e suprapartidária, que formula proposições para o setor saúde, defende o direito à saúde e os direitos humanos  mobiliza sujeitos individuais e coletivos em torno do projeto da RSB. Foi fundado em 1976, edita livros e a revista Saúde em Debate desde então, sendo a primeira entidade que propôs em 1979 o SUS no documento denominado “A Questão Democrática na Área da Saúde”, apresentado na Câmara dos Deputados, quase uma década antes da Constituinte.

5. Na atual conjuntura brasileira muito se debate a normatização do SUS, em contrapartida aos planos particulares de saúde. O que o senhor pensa sobre essa questão?

Na conjuntura atual o quadro é mais grave do que uma mera normatização do SUS. Pela primeira vez, desde a Constituição de 1988, aparece um ministro da saúde que defende a redução do SUS e a ampliação dos planos privados. Considera que a Constituição não cabe no orçamento. O governo a que pertence está modificando radicalmente a Constituição da República, com a conivência do Congresso, para que os direitos sociais sejam constrangidos em função dos interesses do mercado, dos rentistas  e dos empresários. A Emenda Constitucional 95, aprovada em dezembro de 2016, congela até 2036 os recursos para a saúde e de outros setores importantes do orçamento público. A população vai crescer, os idosos vão duplicar, as doenças crônicas e as causas violentas vão prevalecer no perfil de mortalidade e de morbidade, os riscos e as vulnerabilidades vão aumentar, os custos dos serviços de saúde e dos medicamentos vão se elevar e os recursos reais serão os mesmos atuais.

6. Segundo os últimos rankings e pesquisas, o Brasil se encontra em posições baixas no quesito saúde. Quais mudanças sociais e institucionais precisam acontecer para se melhorar essa condição?

O Brasil avançou muito depois do SUS na melhoria dos indicadores de saúde e na oferta de serviços. Atingiu ou ultrapassou a maioria dos Objetivos do Milênio estabelecidos pelo ONU. Dispõe de um dos sistemas de saúde mais inclusivos do mundo, com a maior estratégia de atenção primária do planeta, com uma cobertura superior a 100 milhões de habitantes. Entretanto, é o único país do mundo no qual a legislação estabelece um sistema de saúde universal, mas em que o gasto público é inferior ao gasto das famílias. Portanto, não é possível ignorar que o maior problema do SUS tem sido o subfinanciamento. Claro que há também problemas de gestão, de pessoal, de infraestrutura, de organização, de modelos de atenção, etc., mas o país não tem saída para a saúde sem encarar a questão de um financiamento estável, suficiente e regular.

7. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

A mensagem, apesar dos pesares, é de esperança. Não aquela esperança de quem cruza os braços e espera. Como ensinou Paulo Freire, “movo-me na esperança enquanto luto e se luto com esperança, espero”.

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