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Janio Roque Barros de Castro

Janio Roque Barros de Castro, autor do livro Da casa à praça pública: a espetacularização das festas juninas no espaço urbano, que integra a programação do nosso próximo Lançamento Coletivo, é o entrevistado do Espaço do Autor EDUFBA – Junho de 2012. Neste bate-papo, ele fala sobre o tema central de sua obra: a dinâmica atual das festas juninas no interior da Bahia, mais especificamente em Amargosa, Cruz das Almas e Cachoeira. Formado em Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Janio Roque Barros de Castro possui mestrado em Geografia e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia. Com extenso currículo na área acadêmica,  tem experiência na área de Geografia Urbana e Geografia Cultural com os seguintes temas: dinâmica e planejamento urbano, festas populares e manifestações culturais materiais e imateriais no/ do espaço urbano.

 Por Lorena Reis 01/06/2012

1 – O livro Da casa à praça pública: a espetacularização das festas juninas no espaço urbano é fruto de sua tese de doutorado. Como foi o processo de concepção desta pesquisa? Em primeiro lugar, desde criança sempre gostei e participei das festas juninas. Naquela época, os festejos juninos aconteciam nas casas, no entorno residencial e nas ruas. Com o passar dos anos pude observar as transformações que se processaram. O interesse pela temática surgiu quando comecei a me dedicar a estudar e pesquisar temáticas e abordagens da Geografia Cultural contemporânea. Instigava-me entender a inserção, a dinâmica espacial e as especificidades culturais dos festejos juninos espetacularizados no espaço urbano. A falta de pesquisas sistematizadas sobre a espetacularização das festas juninas na Bahia me estimulava; via nessa pesquisa um desafio interessante. Como analisar os festejos juninos a partir da leitura dos processos socioculturais urbanos na contemporaneidade? Resolvi encarar essa empreitada acadêmica. A pesquisa foi concebida, portanto, a partir de determinantes de natureza subjetiva (minha infância, meu interesse pelas festas populares de cidades do interior da Bahia) e acadêmica (a originalidade na abordagem dessa temática, até então muito estudada por pesquisadores da área de Ciências Sociais). 2 – O livro aborda, de maneira mais direta, o São João em três cidades do interior baiano: Amargosa, Cachoeira e Cruz das Almas. Por que a escolha destas cidades? No Mestrado, pesquisei a Romaria de Bom Jesus da Lapa; a relação entre a cidade e o Santuário. No Doutorado pretendia estudar cidades do Recôncavo baiano. Além disso, já conhecia as festas juninas dessas três cidades escolhidas. Outro aspecto que me chamou atenção é que as festas juninas nessas três cidades apresentam especificidades culturais interessantes. Amargosa com diferentes manifestações culturais exibidas nas cidades cenográficas, como o folguedo da “Burrinha”; Cachoeira com a riqueza do seu patrimônio cultural material e imaterial (importantes manifestações culturais como o Samba de roda do Recôncavo, tombado com patrimônio imaterial) e Cruz das Almas com a polêmica guerra de espadas, a pirotecnia transgressiva no espaço urbano. Além disso, Cachoeira foi umas das pioneiras na promoção dessa modalidade de festas juninas. O palco pode ser parecido, mas as festas juninas nessas três cidades apresentam peculiaridades que as diferenciam. 3 – Esta obra apresenta o viés mercadológico das festas privadas, de “camisa”. Em que aspectos estas festas contribuem para a manutenção dos festejos juninos no interior da Bahia? Nas festas de camisas, o viés mercadológico do ciclo junino é explícito. Na verdade, a única coisa que se nota nesses eventos que lembra as festas juninas é a sua composição estética (algumas bandeirolas discretas, símbolos juninos como fogueira, chapéus). Essas festas são eventos que acontecem durante o período junino e que atraem uma grande massa festiva, constituída, sobretudo, por jovens que querem se divertir, dançar, ficar. As mesmas pessoas que dançam forró tradicional na praça, que tomam licor e assam milho na fogueira das casas durante a noite podem se deslocar para as festas de camisa na tarde do dia seguinte. Não são, portanto, festas juninas de camisa e sim festas de camisa que acontecem no período junino. As mesmas pessoas que procuram a segurança e comodidade nos condomínios fechados são aquelas que se deslocam para as festas fechadas no período junino. E mesmo pessoas assalariadas compram as camisas e participam desses eventos. 4 – A cidade de Cruz das Almas está passando por um período turbulento com a proibição da guerra de espadas. Qual a sua opinião a respeito desta prática cultural? Deve-se racionalizar o uso das espadas e não proibir. Deve-se promover debates em audiências públicas, com participação de entidades sociais, acadêmicas, dos gestores, movimentos sociais, dos espadeiros. Sou contra as proposições de construção de um espaço específico para deflagração da guerra de espadas (popularmente chamado de espadódromo); essa proposição de arenização das batalhas pirotécnicas eventualmente é ressaltada, mas ela não se sustenta por vários fatores. Além de promover uma descaracterização de uma prática cultural tipicamente de rua e do entorno residencial essa proposição esbarraria na alta valorização do solo urbano e periurbano de Cruz das Almas. Recentemente a Praça principal da referida cidade passou por uma requalificação urbanística (reforma ainda em curso). Será a pirotecnia lúdica das espadas poderá continuar acontecendo nessa praça? A retirada dessa manifestação lúdica e cultural do espaço público de maior visibilidade na área urbana de Cruz das Almas comprometeria essa prática cultural? Questões como essas permeiam os debates em Cruz das Almas tanto na esfera político-administrativa quanto no cotidiano das pessoas (na rua, nos bares). Por tudo isso, acho que a guerra de espadas deva ser discutida de forma ampla, horizontal e aberta com representantes dos principais segmentos sociais locais; não se deve nem acabar com a tradição da folia pirotécnica, nem deixar como está. Deve-se discutir, questionar e propor. 5 – Para quem você recomendaria a leitura do livro Da casa à praça pública: a espetacularização das festas juninas no espaço urbano? Recomendaria a todas aquelas pessoas que apreciam abordagens e reflexões sobre as manifestações culturais brasileiras, notadamente do espaço urbano. Os professores, pesquisadores que trabalham com as facetas das práticas festivas brasileiras, sobretudo das festas juninas nordestinas. A todas as pessoas que, independente do nível de escolaridade, apreciam as temáticas e reflexões sobre as festas populares brasileiras. 6 – Como pesquisador e interessado neste campo de pesquisa, como você vê o desenvolvimento de trabalhos acadêmicos na área de Geografia Cultural atualmente no Brasil? Acho que avançaram muito nos últimos. No Brasil, até o início da década de 1990 houve um forte predomínio da chamada Geografia Crítica que estava assentada em uma perspectiva marxista. Os pesquisadores da Geografia Cultural eram pouquíssimos e muitas vezes eram mal vistos pelos colegas. A partir dos anos 1990, tivemos um fortalecimento das novas abordagens da Geografia cultural. Conceitos relevantes para vertente cultural como paisagem e lugar foram revalorizados. Alguns geógrafos passaram a se dedicar a temática como religiões, literatura e festas populares. Há uma diversidade de temáticas e abordagens nas publicações de trabalhos que expressam claramente a diversidade sociocultural do território brasileiro. A Geografia Cultural contemporânea expressa a dinâmica e as especificidades culturais locais/ regionais do Brasil. 7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. Precisamos valorizar mais as especificidades culturais do território brasileiro. Mesmo em um contexto de forte espetacularização, massificação e midiatização das festas juninas, notei que as peculiaridades locais/ regionais permanecem fortes e devem ser valorizadas no âmbito acadêmico, político-administrativo e nos espaços educacionais.

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