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Josanidia Santana Lima

Edufba:  É um prazer tê-la conosco no Diálogos. Conte um pouco sobre o seu percurso acadêmico e profissional e sua atual área de atuação. 
 
Josanidia Lima: Eu sou bióloga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Realizei mestrado e doutorado na  Alemanha com temas ligados à área de avaliação de impacto ambiental e suas soluções. Depois do doutorado, retornei para o Brasil e, com bolsa de recém doutor do CNPq, fui vinculada a projetos inicialmente na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - Meio Ambiente em Jaguariúna e, depois, no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). Fui aprovada em dois concursos públicos e decidi retornar para o Instituto de Biologia da UFBA, onde montei um laboratório de avaliação de solos e de tecido vegetal.
 
A minha atuação profissional, tanto na área de ensino quanto de pesquisa, esteve sempre voltada ao  biomonitoramento da poluição atmosférica e ao aproveitamento de resíduos orgânicos através da  compostagem, transformando-os em adubo orgânico. Com a realização de projetos de graduação  e pós-graduação, avaliamos os benefícios que o adubo orgânico trazia para os solos, tanto solos  urbanos, de áreas industriais degradadas, quanto solos agrícolas. Essas vivências nos aproximaram a pequenos agricultores da agricultura familiar. O universo da agroecologia e seus princípios fundamentais foram definindo a nossa ocupação atual, onde a extensão, na nossa prática profissional, tem um lugar de destaque. Dessa maneira, o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão, papel primordial de uma universidade pública, encontra sua expressão na Feira Agroecológica da UFBA.
 
A Feira Agroecológica é o projeto que definitivamente consegue expressar e sintetizar todo percurso acadêmico que percorri ao longo da minha  profissão.
 
 
 
Edufba: No livro “Feira Agroecológica: um diálogo entre saberes”, você conta a história da implantação da Feira Agroecológica na UFBA, em 2016, na esperança de inspirar experiências similares em outras localidades. Enquanto fundadora e coordenadora atuante da Feira, quais foram os desafios e recompensas de gerir esse projeto nos últimos cinco anos?
 
JL: Os principais desafios do projeto são lidar com as dificuldades inerentes da  realidade rural brasileira. O meio rural brasileiro apresenta uma desigualdade histórica. Trata-se de um mosaico de realidades com características demográficas, econômicas, sociais e ambientais das mais diversas possíveis. O agricultor da Feira Agroecológica é o pequeno agricultor da agricultura familiar, historicamente desprivilegiado. As mudanças radicais sofridas no meio rural brasileiro ainda não conseguem chegar a esta parcela da população. A cadeia produtiva que integra a economia, a agropecuária, a indústria e setores de serviços como a energia  elétrica, telefonia e internet está longe de ser alcançada por esses pequenos agricultores, intensificando o nível de exclusão socioespacial e econômica. Isso sem falar na escassez crescente de mão de obra, na pouca ou nenhuma assistência técnica, na inexistência de infraestrutura como estradas, assistência médica, escolas, transporte, lazer, etc. O nosso agricultor é um missionário que tem intimidade com a terra e produz por amor. As dificuldades enfrentadas pelos agricultores precisam ser consideradas no planejamento de uma feira.
 
A principal recompensa é a quebra de paradigmas. A universidade pública traz para seu espaço um projeto de elevada complexidade que funciona como uma plataforma, extramuros, de formação de pessoas com diferentes saberes, mas que são igualmente importantes e valorizadas. Um só projeto que conecta o ensino, a pesquisa e a extensão como substrato para a experimentação de ações que discutem e vivenciam os princípios da agroecologia, a importância da alimentação saudável e os benefícios da economia solidária. Estamos, certamente, formando  mais do que profissionais, estamos preparando nossos alunos para o mundo atual que exige mais do que o conhecimento. Ele exige, acima de tudo, o resgate de valores. Estamos contribuindo para a integração dos nossos agricultores, com a melhora de sua qualificação e a valorização do seu trabalho. Estamos também compartilhando esse universo com a sociedade como um todo no momento em que oferecemos nossa estrutura e abrimos as portas para vivências conjuntas. A Feira Agroecológica da UFBA também é um espaço de cuidado, empatia e afeto.
 
 
 
Edufba: Para as(os) leitoras(es) que não estão familiarizadas(os) com o projeto, explique o funcionamento da Feira Agroecológica e o seu propósito para a comunidade universitária e a comunidade de Salvador em geral. 
 
JL: A Feira Agroecológica da UFBA é a atividade prática de uma disciplina chamada BIOD08 ofertada pelo Instituto de Biologia, bem como um projeto permanente de extensão cadastrado  na Pró-Reitoria de Extensão. Ela acontece todas sextas-feiras das 7h às 12h, na Praça das Artes do  campus de Ondina da UFBA, em Salvador. Estudantes de diversos cursos se matriculam na  disciplina e auxiliam no planejamento e organização deste evento. A programação da Feira inclui atividades integradas de outros projetos e disciplinas, aulas de ioga, atividade de meditação, oficinas de alimento, bate-papo agroecológico com temas diversos, momento de lazer com música ao vivo. Na Feira, o consumidor encontra uma enorme variedade de vegetais, hortaliças, frutas,bolos, sucos, ovos caipira e uma diversidade de alimentos, todos produzidos dentro de rigorosos critérios de segurança alimentar, isentos de agrotóxicos e produzidos com respeito ao meio ambiente. Diversas outras produções agroecológicas podem ser encontradas na Feira, a exemplo de artesanatos, mudas de plantas, etc. O encontro do consumidor com o produtor do seu alimento é uma experiência rica e engrandecedora. Procuramos resgatar a vivência de uma feira como um  local de encontros, interação, conhecimento, gratidão e trocas afetuosas, que se transformam em verdadeiras terapias harmonizadoras do ponto de vista corporal, através dos alimentos saudáveis; emocional, com as vivências e encontros; e espiritual, com o crescimento interior.
 
 
Edufba: Que desafios a pandemia de covid-19 proporcionou para o projeto e quais medidas vocês têm empregado para mitigar esses efeitos negativos?
 
JL: A pandemia nos pegou de surpresa e desconfigurou completamente o nosso trabalho, a nossa  vida e a vida de bilhões de pessoas. A Feira é uma atividade essencialmente presencial, que foi  abruptamente retirada de seu contexto. Por se tratar de alimento, algo que precisamos todos os dias e cada vez mais com a melhor qualidade, os consumidores continuaram procurando por esses alimentos, porém poucos agricultores conseguiram as condições para entrega da sua produção. Alguns dos nossos agricultores organizaram um delivery e continuam fornecendo alimentos para os consumidores da Feira Agroecológica da UFBA. Estamos nos reorganizando para o retorno presencial muito em breve, tão logo as atividades presenciais na UFBA retornem.
 
 
Edufba: O livro “Feira Agroecológica: um diálogo entre saberes” destina-se a todas as pessoas que buscam uma vida mais consciente e saudável. Qual o tamanho do impacto da nossa alimentação não apenas na nossa saúde pessoal, mas na saúde do meio ambiente e das comunidades urbanas e rurais?
 
JL: A nossa alimentação precisa ser produzida. Quando o consumidor se propõe a consumir um  alimento saudável, produzido dentro dos fundamentos da agroecologia, ou seja, com sustentabilidade ambiental, social e econômica, ele faz uma escolha. Ele escolhe cuidar da sua  saúde, se alimentar de modo consciente, saudável e com auto respeito. Ele também escolhe ter uma relação harmoniosa com a natureza, com os recursos naturais e os seus ritmos. A relação com o meio ambiente deixa de ser de exploração e de uso abusivo dos recursos naturais, que acontece quando você compra um alimento produzido dentro do conceito meramente comercial que o mercado convencional adota, representado, por exemplo, na produção de ovos ou de carne em sistemas completamente intensivos, onde a ave é totalmente impedida de ter uma vida normal, com o bem-estar que é seu direito.
 
O alimento produzido de modo agroecológico prima pela sustentabilidade social, onde o produtor é respeitado e tem o seu saber valorizado e reconhecido. Essa população urbana que se relaciona com o universo rural reconhece a produção agroecológica de alimentos como muito mais que mero espaço produtor de matérias-primas e produtos direcionados ao consumo da sociedade urbano-industrial. A relação valorizada da pessoa da cidade com a pessoa do campo pode resultar na construção da sustentabilidade no campo, que deve se pautar principalmente pela valorização dos patrimônios cultural e natural das comunidades rurais e seus habitantes, estimulando e promovendo meios efetivos de fixação do agricultor familiar.
 
 
 
Edufba: As dificuldades colocadas pela legislação brasileira para os pequenos produtores de alimentos orgânicos são muitas, desde a falta de assistência técnica e fiscalização à falta de apoio financeiro. Que medidas poderiam ser implantadas para ajudar os pequenos agricultores a alcançar um modelo de produção sustentável e rentável a longo prazo?
 
JL: Acima de tudo o acesso à educação, à informação e ao exercício da autonomia. Precisamos de políticas públicas que perpassem períodos eleitorais ou gestões públicas. O mundo rural deve  receber a mesma atenção e urgência que o universo urbano recebe. Em verdade, o mundo rural  deve receber mais ainda que o urbano para recuperar o tempo de exclusão.
 
 
Edufba: Que mensagem gostaria de deixar para os seus leitores e leitoras?
 
JL: Cuidar bem de si, escolhendo uma alimentação saudável, é cuidar bem do planeta, de quem  produz este alimento e das gerações futuras. Aproxime-se de ambientes rurais e perceba que uma  conexão mais próxima com a natureza nos ajuda a encontrar o que há de melhor em nós mesmos.  Seja bem-vinda(o) à Feira Agroecológica da UFBA, um pedacinho da natureza perto de você.

Feira agroecológica: um diálogo entre saberes

Organizador(a): 

O livro conta a história da Feira Agroecológica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sua estrutura e funcionamento, como possibilidade concreta do exercício de novos paradigmas. Acima de tudo, trata-se do relato de uma experiência em que novos caminhos pedagógicos são vivenciados onde saberes e valores necessários para uma educação do futuro já são uma realidade. A feira provê ao agricultor e à agricultura familiar um canal de comercialização próprio. Ao mesmo tempo oferece aos seus consumidores produtos de qualidade e seguramente livres de agrotóxicos, produzidos dentro dos princípios agroecológicos de respeito ao ambiente, ao trabalhador e à economia solidária. A obra não pretende ser um guia para a implementação de feiras, mas sim um diálogo entre saberes cheios de esperança.

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