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José Eduardo Ferreira Santos

José Eduardo Ferreira Santos, autor do livro Cuidado com o vão: repercussões do homicídio entre jovens de periferia, publicado pela EDUFBA em 2010, fala, nesta entrevista, sobre assuntos diversos acerca de sua carreira, desde o início de sua trajetória acadêmica, passando pelo interesse no tema juventude/ violência, até seus projetos literários que estão em andamento. Pós-Doutorando no Programa Avançado de Cultura Contemporâneas (PACC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor em Saúde Coletiva (ISC - UFBA) e Mestre em Psicologia (UFBA), José Eduardo Ferreira Santos é autor de diversos livros com temáticas sobre a vida do jovem na periferia. Tem como principais áreas de atuação e interesse a Educação e Psicologia.

Por Lorena Reis

Crédito da foto: Marco Illuminati

01/10/2011

1 - Como se deu sua trajetória acadêmica? Quais são os momentos de destaque desta trajetória? A minha trajetória acadêmica se deu aqui na favela de Novos Alagados. Meus pais tinham discos e brinquedos para nós em casa e a educação sempre foi uma prioridade. Estudávamos na escola Machado de Assis, no São João do Cabrito, com a pró Janete (que também alfabetizava meu pai, à época) e tínhamos “banca” com pró Martinha. Em 1987, - quando eu tinha 13 anos - Antonio Lazzarotto, chamado por nós de “Lázaro”, pagou um curso de datilografia para mim e depois eu fui datilografar a dissertação de mestrado de Vera Lazzarotto, em dois volumes, para a FACED - UFBA, além de cuidar de sua casa, com a belíssima biblioteca e discoteca, repletas de literatura brasileira e mundial e MPB. Ali foi minha primeira experiência acadêmica, de leitura e percepção de que a beleza existia também dentro e fora de Novos Alagados. Por este motivo saí pelas igrejas barrocas de Salvador e quando via um vitral, uma imagem e a arquitetura aquilo me comovia e eu chorava muito porque tinha encontrado a beleza que lia e via nos livros que existiam na casa deles e na biblioteca da Escola Popular Novos Alagados, que era nas palafitas e nós podíamos entrar e sair o tempo todo, sem restrições. Imagine, a minha primeira experiência acadêmica foi nas palafitas e em uma favela. Inclusive, uma década depois, a minha orientadora - no mestrado e doutorado - Ana Cecília de Sousa Bastos, em 1979, quando trabalhava no CEAS e recém formada em Psicologia, foi voluntária aqui em Novos Alagados, veio fazer um treinamento de apoio à escrita (coordenação motora fina) para as jovens educadoras recrutadas por Vera para lecionar com o método de Paulo Freire. Por uma coincidência eu era um dos meninos que ficavam correndo pelas palafitas e pela Escola Popular Novos Alagados. A minha trajetória acadêmica se deu a partir de encontros. Primeiro, com Vera Lazzarotto, onde eu aprendi que existia a Pedagogia e fui estudar na UCSal, de 1995 a 1998. Depois, com o sociólogo João Carlos Petrini, hoje bispo de Camaçari, que em 1996 me pediu para escrever sobre as mudanças pelas quais o bairro de Novos Alagados estava passando. Esses escritos foram mostrados à professora Ana Cecília de Sousa Bastos que os socializou com professores do Brasil inteiro, dentre elas Ana Maria Almeida Carvalho e Elaine Pedreira Rabinovich, e a partir dali fui para o Mestrado em Psicologia na UFBA, experiência das mais felizes, pois fui bem acolhido e estimulado a estudar e a aprender questões fundamentais sobre o desenvolvimento humano. Ali na FFCH – UFBA, conheci o professor Gey Espinheira, que apostou muito em mim, como aluno e pesquisador. Só para lembrar, na minha defesa de mestrado, em 20 de maio de 2004, aniversário de Gey, ele estava lá para me ver e depois participou tanto da minha banca de qualificação e da defesa no doutorado e disse que eu tinha que publicar a tese Cuidado com o vão: repercussões do homicídio entre jovens (EDUFBA, 2010), o que aconteceu, com o seu prefácio, lido por ele em 2008 e autorizado pela sua esposa, senhora Ita Marina, para a publicação no livro. Na minha banca de doutorado ele me aconselhou a estudar a beleza da periferia, o que estou fazendo agora no Pós – Doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), da UFRJ, com os artistas invisíveis das periferias de Salvador, pois a beleza, educação, cultura e arte têm possibilidades reais de enfrentamento da violência. 2 – Em sua dissertação de Mestrado (2004), você já se debruçava pelo tema juventude e violência. De onde surgiu o interesse em escrever sobre este assunto? Sempre trabalhei com Projetos Sociais aqui em Novos Alagados.  Na década de 1990, comecei a perceber que os jovens estavam se inserindo em um processo muito rápido de entrada na marginalidade e que os professores e educadores sociais não sabiam como lidar com isso. Também tive muitos alunos que foram assassinados, o que me angustiava muito. Por este motivo decidi estudar as trajetórias dos jovens e procurar identificar o que os levava a ingressar na marginalidade, assim como as consequências que isso acarretava.  Dessa pesquisa nasceu o livro Travessias: a adolescência em Novos Alagados (EDUSC, 2005), pesquisa orientada pela professora doutora Ana Cecília de Sousa Bastos, no mestrado em Psicologia na UFBA, que considero um livro importante para quem lida com jovens em situação de risco social, primeiro, pelo aspecto longitudinal da pesquisa e, depois, por procurar descortinar os domínios do cotidiano que precisam ser analisados para possibilitar intervenções que sejam pertinentes e possam proteger os jovens diante das situações de violência que são cada vez mais presentes nas periferias das grandes cidades. O interesse principal da pesquisa era mostrar aos professores e pais os domínios, riscos e oportunidades aos quais os jovens são expostos cotidianamente e que não são vislumbrados por aquelas pessoas que trabalham com eles. É interessante frisar que na UFBA, em Psicologia, há uma linha de pesquisa como “Infância e Contextos de Desenvolvimento” que me possibilitou aprofundar esta temática e dar uma resposta socialmente reconhecida à problemática da violência contra os jovens. Para mim a pesquisa foi uma resposta a essa angústia de não querer ver mais os jovens da periferia sendo assassinados assim, sem nenhuma repercussão, querendo dizer que isso não é normal e que precisamos nos mobilizar. 3 – Apesar do pouco tempo de lançamento do livro Cuidado com o vão, é possível identificar diferenças no quadro de violências em nossa sociedade? O Cuidado com o vão (EDUFBA, 2010) é um livro que aborda questões para as quais a sociedade, diante das situações de violência, ainda não tem resposta. Por exemplo: a questão dos homicídios das jovens está lá; as trajetórias na marginalidade, as repercussões do homicídio entre jovens, os processos que levam os jovens a óbito, enfim, tudo está lá. É um livro que pode ser lido pela capacidade de se dar conta do fenômeno da violência por uma ótica antropológica, ou seja, com o que acontece a cada pessoa pertencente a uma rede de relacionamentos quando um jovem é assassinado. Ele mostra as rupturas que a mídia não mostra, por isso tem uma atualidade desnorteante, tirando-nos do comodismo diante das notícias das mortes que acometem os jovens cotidianamente em Salvador e no Brasil e agora nos municípios onde o tráfico de drogas tem chegado com uma capilaridade impressionante. O “Cuidado com o vão” nos mostra como a sociedade não está preparada para lidar com o fenômeno do tráfico de drogas e da violência. Este livro é um alerta, indispensável para quem quer entender estes novos tempos. Apresenta aspectos que são agora difundidos largamente pela mídia, como a demarcação territorial do tráfico, o “desterro”, que é um fenômeno relacionado à instabilidade territorial e psíquica do indivíduo, ou seja, por causa do tráfico e da violência as pessoas têm que sair de seus bairros de origem para não serem vitimadas. Este fenômeno pode ser visto em vários bairros de Salvador. 4 - Em cada capítulo do livro, sua teoria vai mostrando um caráter interdisciplinar, trazendo perspectivas entre a Psicologia Cultural, Sociologia e Saúde Coletiva. Em qual sentido estes saberes interligados podem contribuir para o entendimento do tema? A vida é dinâmica. Em qualquer contexto a vida é dinâmica. Isto me foi ensinado por muitos professores que estão atentos ao desenvolvimento humano em contexto. Ana Cecília de Sousa Bastos, Jaan Valsiner, Ana Maria Almeida Carvalho, Gey Espinheira, Elaine Pedreira Rabinovich, João Carlos Petrini, Miguel Mahfouz, Marina Massimi, Antonio Candido de Mello e Sousa, José Ramos Tinhorão e tantos outros que estão revolucionando o saber acadêmico por entender, por exemplo, que a pobreza não é um aspecto engessado. Há uma dinâmica. Todos eles me ajudaram a acreditar na transdisciplinaridade Há uma poética do desenvolvimento e nós precisamos estar atentos a ela. Assim como a vida, o saber é dinâmico, não tem amarras. Para entender a violência é necessário sim unir a Sociologia à Antropologia, à Saúde Pública e à Educação. Podemos contribuir muito com a sociedade quando o conhecimento pode responder tanto aos intelectuais da Academia quanto aos professores de escolas públicas que lidam diariamente com as situações de violência em sala de aula e não sabem o que fazer. Os saberes devem ser interligados para promover uma busca por respostas mais contextualizadas diante de temas cada vez mais complexos, como a violência. Neste sentido, é importante que a Universidade incentive essa busca transdisciplinar, justamente para buscar respostas para questões que estão se colocando em campos que são distantes e complementares ao mesmo tempo. 5 – Como você avaliaria a produção literária acerca do tema violência nos dias atuais? O tema da violência tem sido visto de modo muito genérico e amplo. O que as pessoas sentem necessidade é de entender os processos. Neste sentido, quanto mais os estudos valorizarem as dinâmicas contextuais e suas especificidades, mais estarão contribuindo para a compreensão e diminuição da violência. A questão da violência tem sido muito estudada pela Universidade e pelas agências internacionais, como a UNESCO. A produção sobre violência é muito ampla, com destaque para a professora Alba Zaluar, que é uma das pioneiras nos estudos sobre violência e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Na Bahia temos pesquisadores notáveis como o querido e saudoso Gey Espinheira, que publicou inúmeros livros e artigos sobre o tema, especificamente também sobre a violência no Subúrbio Ferroviário de Salvador e muitos outros pesquisadores têm se debruçado sobre o tema, como Ceci Noronha, Eduardo Paes Machado, Gino Taparelli, Feizi Milani, Mary Garcia Castro, dentre outros. As pesquisas são muito dinâmicas aqui na Bahia. Por exemplo, um jovem doutorando em Psicologia, Márcio Santana, está estudando a experiência das mães que perderam seus filhos, vítimas de homicídios aqui em Novos Alagados. É um estudo que trará novas respostas para questões com as quais ainda não sabemos como lidar. 6 – Você planeja publicar outros livros nesta área? Existe algum projeto em andamento? Atualmente, seguindo o conselho do querido Gey Espinheira, quero ver o outro lado da periferia, o da beleza. A beleza, a cultura, a educação e a arte são possibilidades de intervenção diante da violência e do tráfico de drogas. Estou pesquisando os artistas invisíveis do Subúrbio Ferroviário de Salvador e tenho três livros em pauta: um de entrevistas com os artistas invisíveis do Subúrbio Ferroviário; outro sobre o percurso da pesquisa, com os mais de 60 diários de campo, mostrando como é pesquisar durante um ano ou mais com o fotógrafo italiano Marco Illuminati, numa pesquisa intercultural, e outro sobre a beleza das mulheres da periferia, o “Cadê a bonita? A beleza das mulheres de Novos Alagados”. O primeiro livro já está quase pronto. O segundo vai ser um aprofundamento naquilo que se chama de etnometodologia, ou seja, um mergulho no processo de pesquisar, pois quando publicamos as pessoas vêem somente o resultado e eu gostaria que elas vissem o processo, como é difícil – prazeroso, dramático e angustiante – pesquisar sem recurso e por conta própria no Brasil. Temos também o projeto de exposição fotográfica e publicação em livro da pesquisa Cadê a bonita? A beleza das mulheres de Novos Alagados, com 52 mulheres de 18 a 96 anos, quebrando os estereótipos da beleza, mostrando que a beleza está em todo lugar. Neste queremos convidar pesquisadores que estudaram a região para colaborar conosco nesta mudança de “paradigmas” em relação à periferia. Parte dessa pesquisa, aliás, está sendo publicada em dois livros, um, Cultural Dynamics of Women’s Lives (IAP, 2011), editado pelos professores Jaan Valsiner, da Clark University, Ana Cecília de Sousa Bastos (UFBA, UCSAL) e Kristiina Uriko, (Tallinn University), e o outro, Poética da família e da comunidade (no prelo), organizado pelas professoras Elaine Pedreira Rabinovich, Ana Lívia Braga e Ana Cecília de Sousa Bastos, pela editora AnnaBlume, de São Paulo. Claro que as questões do “desterro” e “pertencimento”, tão importantes para entender as situações de violência e tráfico de drogas, assim como a “poética do desenvolvimento”, oriundas dos estudos realizados em parceria com a professora doutora Ana Cecília de Sousa Bastos, são contribuições originais, que precisam de divulgação. Neste sentido estaremos atentos para dizer que a Universidade e seus pesquisadores têm novas respostas para questões que afligem a sociedade. Se puder acontecer, estaremos prontos para responder e dizer que nossas pesquisas, dissertações e teses têm um sentido acadêmico e social. Acredito que essa é a função da Universidade: contribuir com o conhecimento e oferecer possibilidades de intervenção para que tenhamos uma sociedade mais justa e igualitária. 7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. Nunca parem de estudar. A Universidade é um lugar de construção de conhecimento e cultura. Para mim, estudar na UFBA foi uma alegria. Os professores, mestres e doutores, que aqui encontrei me ensinaram muito na minha trajetória e o mais impressionante é que esse encontro está aberto a todos. Leiam os livros da EDUFBA, pois eles são o retrato da nossa sociedade. A UFBA é uma universidade pública e todos podem ter acesso a ela, por isso precisamos valorizar este patrimônio cultural da Bahia, que está à nossa disposição. Comprar um livro da EDUFBA é valorizar, dinamizar e divulgar cada vez mais o conhecimento que estamos produzindo, tornando, assim, cada vez mais estreita essa relação entre ciência e sociedade.

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