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Lia Robatto

Este mês tivemos a oportunidade de conversar com Lia Robatto, autora de A dança como via privilegiada de Educação: relato de uma experiência. Lançado em outubro do ano passado, durante o projeto Conversas Plugadas, o livro propõe uma metodologia para o ensino da Dança e é baseado nas experiências da autora à frente da coordenação do Núcleo de Dança do Projeto Axé e da direção da Cia GICÁ de Dança (formada por jovens bailarinos do projeto).

Por Lara Bastos

12/08/2013

  1 - Lia, a você são atribuídos muitos papéis. Hoje, após mais de 50 anos de carreia e mais de 40 espetáculos montados, qual você acredita ser o que melhor te descreve? Eu deixei de ser bailarina muito cedo. Aos 35 anos eu dancei pela última vez, porque, para ser coreógrafa, eu tive que me fazer produtora, captadora de recursos, divulgadora... Eu fazia tudo e ainda dançava, era casada e mãe de dois filhos. Não dava para assumir tanta coisa assim. Depois, quando eu fui para Fundação Cultural, assumi o papel de gestora. Trabalhei tanto com gestão acadêmica, como Chefe de Departamento da Escola de Teatro, quanto com gestão administrativo-cultural. Fui Conselheira Estadual de Cultura por doze anos, além de sempre ter dado aulas, cursos e palestras pelo país todo. O que eu sou agora? Não sei (risos). Outro dia me chamaram para remontar uma coreografia minha, coisa que eu não fazia há muito tempo. Pensei que eu tinha perdido a mão, mas até que não! Foi legal, me senti emocionada. Me senti segura fazendo isso. Pedi para sair do Conselho Estadual de Cultura e agora estou como Presidente de uma associação, recém-criada, de amigos do Teatro Castro Alves. E tenho escrito. Não me sinto escritora, de jeito nenhum, mas a Dança tem pouca literatura e eu tenho uma vida de experiências, com seus erros e acertos, que eu acho importante relatar.   2 - Quais recursos foram utilizados para a sistematização da metodologia proposta no livro? Esse livro é uma tentativa de sistematização, a partir das experiências que tive na coordenação e na direção do ensino de Dança no Projeto Axé. Confesso que foi um trabalho muito prático, não foi o conhecimento teórico, não foi a epistemologia da educação que me fez chegar a esta metodologia. Claro que há muita leitura envolvida nesse processo, mas o que me ensinou foi a prática, foi o estar em sala com os meninos e com a equipe do Projeto Axé. Comecei a atuar nesse projeto em 1998 e mergulhei na missão de levar educação para uma camada excluída da sociedade. Eu aprendi muito lá, mas ao tempo que os educadores, sociólogos, assistentes sociais e o próprio Cesare* me abriram um novo universo eu também tive que lutar contra certas posturas rígidas da educação. A Arte é Libertária, então ela não pode entrar num sistema muito fechado e convencional de normas e regras.   * Cesare de Florio La Rocca, fundador do Projeto Axé   3 - Como foi a experiência de ensinar, dirigir e montar espetáculos com os poucos recursos que o Projeto Axé dispõe? Quais os principais desafios que a você teve que enfrentar? Eu tive que aprender a ser criativa na falta. Por exemplo, um dia eu entrei numa sala para dar aula e tinha chovido, estava tudo alagado. O que eu podia fazer, em termos de Dança, sem ter um espaço? Situações como esta aconteciam sempre, cada dia era um novo problema que precisava ser superado. Também surgiam estímulos incríveis, como o Cesare chegar pra gente e dizer: “Ok, vocês vão dançar em Florença, na Itália. Montem o espetáculo para amanhã!” (risos). Era necessário ter reações rápidas, estar sempre de prontidão. O que eu fiz nesse livro foi, retroativamente, tentar analisar como a gente resolvia estas e outras questões. Logo que eu cheguei, lembro que dividi o planejamento de aulas em alunos do 1º ano, 2º ano, 3º ano... Depois eu vi que não dava para ser assim, a mobilidade dos meninos é muito grande. Alguns ficam mais tempo, outros saem logo, e o Axé acolhe meninos o ano inteiro. Se o menino está na rua e ele aceita entrar no programa, a gente tem que agir na hora. E acaba que aquele jovem que acabou de entrar, com todas as desconfianças que ele ainda sente, precisa ser aceito e acolhido pelos outros que já estão tendo aula há 6 meses. Foi fantástico o que a gente conseguiu com aqueles meninos. Eu passei a acreditar cada vez mais na Dança depois dessa experiência. Eu nem sabia o potencial da Dança. Não foi na Escola Parque, não foi na Escola de Dança da FUNCEB, foi no Projeto Axé que eu fui descobrir o real potencial da Dança.   4 - Quais são as diferenças entre ensinar na Escola de Dança da UFBA e ensinar no Projeto Axé? Bom, a diferença começa comigo. Eram fases diferentes da minha vida, níveis diferentes de maturidade. Eu até lamento ter saído cedo da Universidade, por que eu saí justamente no momento em que eu estava consolidando meus conhecimentos. A primeira diferença sou eu, nem é tanto o perfil do aluno. A Dança tem fatores universais, por isso tanto faz a camada social que você está atendendo. A matéria é a mesma. Você está trabalhando com o corpo e esse corpo tem imanente nele a alma da pessoa, todos os seus registros psicológicos, emocionais, físicos, racionais... Claro que em termos de educação, em termos de psicologia, há diferenças. O que eu aprendi foi que, na Escola de Dança, quando eu ainda estava na Universidade, a gente buscava a liberdade criativa, a procura e a pesquisa do movimento. No Projeto Axé, a minha linha sine qua non também era a liberdade, mas aqueles meninos, que vinham de uma vida destruída, precisavam de uma construção. Eles precisavam justamente de método, de ordenação, de uma previsão do que vai haver todo dia. Isto dava segurança a eles. Se eles optaram por sair da rua, era porque alguma coisa na rua já não os satisfazia mais. Eu não precisava dar liberdade na dança, porque se eles foram para a rua foi por uma opção de liberdade. O que eles precisavam era de segurança, tranquilidade, acolhimento... E isso só se dá com uma rotina cotidiana. Eu aprendi então que a disciplina é importantíssima não para tolher ou tiranizar o jovem, mas para dar a ele a garantia de que as coisas são contínuas.   5 - A Capoeira faz parte do DNA da GICÁ. De onde partiu a iniciativa de linkar a Dança à Capoeira? O fato de eu vir de São Paulo me deu o olhar de quem descobre. Quando eu cheguei à Bahia, e me deparei com a capoeira, eu fiquei apaixonada. O que eu percebi, e eu falo bastante sobre isso, foi que o primeiro passo que o menino, que qualquer pessoa, vai aprender na capoeira é o gingado. E a ginga é natural, é algo que você só precisa deixar o corpo fazer. A capoeira respeita muito a individualidade do jogador. Cada capoeirista tem sua própria dinâmica de corpo, enquanto o bailarino clássico segue parâmetros e códigos corporais que vêm de fora para dentro. Eu sou a favor do Balé Clássico e o acho importantíssimo para preparar o corpo do dançarino para a Dança Contemporânea. O dançarino ganha muito ao ter essas duas aprendizagens, uma que é absorver o que vem de fora e a outra que é tirar de dentro a sua própria dinâmica. Tanto que os melhores dançarinos que eu tive vieram da capoeira.   6 - O ensino formal pode incorporar práticas arteducativas ou  as duas atividades devem ocorrer paralelamente, uma complementando a outra? A escola formal está tão atrasada que não é possível que haja essa integração. Não é só na rede pública brasileira, é no mundo inteiro. A instituição escola está falida. A gente ainda usa parâmetros do século XVIII, do modelo de escola criado na Europa. Ocorreram mudanças de lá para cá, mas foram muito superficiais, na sua substância o modelo é o mesmo. Infelizmente ainda não se achou outra forma de fazer e não dá para fugir muito desse esquema de vestibular, carreira, etc. A arteducação então vai ajudar não no sentido de fazer aquele aluno ser melhor em Matemática. Ela vai ajudar a mudar a postura e a atitude do aluno com relação à vida e com relação à própria escola.   7 - Deixe uma mensagem para os leitores EDUFBA. Primeiro eu gostaria de agradecer, é a segunda vez que a EDUFBA acolhe um projeto meu. Como não se tratam de livros comerciais, eu tenho que agradecer muito a oportunidade de publicar ideias e de ser dada as condições para publicar um livro lindo como esse, com muitas fotos, e com todo o cuidado que a gente sente por parte da equipe da Editora. É um privilégio ter a oportunidade de, através da EDUFBA, transmitir ideias, experiências, inquietações... Isso é um bem maravilhoso que a Universidade oferece.

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