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Luciana Brito

Edufba: Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional e acadêmica
 
 
Luciana Brito: Fiz o ensino médio em escola pública, no Colégio Estadual Odorico Tavares. Depois de duas tentativas pelo (excludente) exame vestibular, ingressei no curso de história da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1999. Ao longo da minha graduação, atuei como professora de escolas estaduais na periferia de Salvador. Em 2007, ingressei no mestrado em História Social, na Unicamp, e, em 2010, no doutorado, na Universidade de São Paulo. Também recebi formação complementar fora do país, nos Estados Unidos (EUA). A primeira vez foi em 2004, como bolsista do Programa Cor da Bahia/Ufba, quando estudei por um semestre na Howard University. Em 2011, fui como bolsista de doutorado da Fundação Fulbright/Capes-Brasil. Em 2015, fiz meu pós-doutorado na City University of New York.
 
Observe que toda a minha formação, do ensino médio ao doutorado, foi em instituições públicas brasileiras. Não fossem as oportunidades apresentadas na forma de bolsas, políticas de inclusão, ampliação de vagas na graduação e na pós-graduação, além de um momento de mudança e avanços educacionais na sociedade brasileira, minha formação não seria possível. Atuei como professora no ensino superior por um semestre, nos EUA, em 2015, até que, finalmente, por meio de concurso público, ingressei na UFRB, em 2016.
 
Edufba: Como foi receber a notícia de que havia ganhado o Prêmio Thomas Skidmore 2018? O que essa vitória representa para você?
 
 
Luciana Brito: Recebi o prêmio com muita alegria. Minha família, minhas amigas e amigos, minha comunidade acadêmica na UFRB, todos estamos muito felizes e orgulhosxs. Essa vitória representa a celebração de uma intensa dedicação pessoal ao estudo, sobretudo sendo eu uma mulher negra, baiana e das classes populares. Portanto, acima de tudo, essa é uma vitória da educação pública, da universidade pública, gratuita e de qualidade e reafirmo a importância dela para a sociedade brasileira.
 
Edufba: Como as desigualdades raciais cultivadas ao longo de nossa história refletem na sociedade brasileira de hoje?
 
 
Luciana Brito: As desigualdades raciais se refletem na política de terras, que ameaça e desrespeita direitos das populações indígenas e quilombolas, uma vez que as elites agrárias nacionais não reconhecem essas populações como legítimas detentoras de direitos sobre os territórios onde vivem. A concentração de renda, o acúmulo de privilégios e a noção que pessoas brancas, por serem brancas, ainda que pobres, devem, por direito e por costume, ocupar um lugar social privilegiado em relação às populações negras e indígenas, tudo isso tem explicações históricas.
 
A sociedade brasileira tem um etos escravista, na forma como nos relacionamos, nas nossas práticas sociais, no cotidiano em que pessoas negras e brancas interagem reforçando noções do que é feio, do que é bonito, de quem limpa, de quem carrega coisas, de quem é o tal “cidadão de bem”, de quem merece morrer e quem merece acessar a universidade e ter os melhores empregos, tudo isso caminha de mãos dadas com nosso passado escravista, com o racismo científico e as práticas discriminatórias mantidas e elaboradas durante o Brasil republicano. As elites nacionais não querem a igualdade e não entendem (nem querem entender) direitos, pois têm medo disso. As elites nacionais querem privilégios e fazem isso há séculos.
 
Edufba: O que e quanto falta para o Brasil superar o racismo?
 
Luciana Brito: Essa é uma questão difícil porque demanda uma mudança estrutural na organização da sociedade brasileira. Estamos falando de cidadania, dignidade e respeito à maioria da população brasileira. Isso perpassa pela educação, políticas de saúde, de segurança pública e inclusive um pacto nacional entre as pessoas negras e brancas desse país, de diferente classes sociais e gêneros.
 
Por exemplo, é importante que as pessoas brancas, membros da classe dominante ou não, se comprometam da seguinte forma: “eu não aceito que pessoas negras tenham um tratamento e lugar social inferior ao que eu tenho”. Bem, mas as pessoas negras, maioria no país, não podem esperar que isso aconteça, pois pode até mesmo não acontecer. É por isso que políticas públicas de combate ao racismo e às desigualdades são tão importantes.
 
Edufba: Como descreveria o empoderamento negro e qual sua importância?
 
 
Luciana Brito: Essa pergunta se relaciona com a anterior. O empoderamento das pessoas negras, seja financeiro, educacional, psicológico, social, cultural ou político, é o que pressiona a sociedade para as mudanças estruturais necessárias de combate ao racismo. É o outro lado do pacto nacional entre pessoas negras e brancas no Brasil. Quando as pessoas negras assumem a seguinte postura: “Eu não aceito ser tratadx de forma indigna por ser uma pessoa negra, nem tratarei uma pessoa negra como eu dessa forma”, isso é empoderamento.
 
Sem essa consciência a sociedade não sai da sua zona de conforto, que é sustentada no racismo, no machismo, na homofobia. Prova disso é que, quando a população negra começou a assumir uma postura empoderada, fruto de décadas de trabalho dos movimentos negros, sobretudo na última década, a sociedade brasileira respondeu com ressentimento e retrocessos, que se manifestam sobretudo em práticas abertamente racistas.
 
Edufba: Existe racismo reverso?
 
Luciana Brito: Não. O próprio termo “racismo reverso” implica que tem um racismo que é certo e legítimo, que é o racismo do branco contra o negro, enquanto tem um racismo errado, ao avesso, que é do negro contra o branco. Veja bem, pessoas brancas não morrem alvejadas com 80 tiros a caminho de um chá de bebê nem precisam “encrespar” o cabelo ou raspá-lo para ter um emprego que exija “boa aparência”.
 
Não existiu, no Brasil ou nas Américas, plantações de açúcar, café ou seja o que for, cujo senhor de escravo era negro e sua família era toda negra, que por décadas explorava seus escravos, que eram centenas de famílias brancas. Isso aliado a uma estrutura política, econômica e social que conferisse privilégios às pessoas negras e colocasse pessoas brancas, por séculos, numa condição de subalternidade. Isso não aconteceu na história, portanto não existe racismo reverso.

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