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Luiz Sampaio Athayde Junior

Edufba:  É um prazer tê-lo conosco no Diálogos. Conte um pouco sobre o seu percurso acadêmico e profissional e sua atual área de atuação. 
 
Luiz Sampaio: O prazer é todo meu! Agradeço a oportunidade de falar um pouco da obra e de minha trajetória. Minha área de atuação é o ensino e a educação. Sou um explicador nato e fui arrebatado pela profissão em 2008, época da minha primeira experiência docente no ensino superior. Antes, acredito que seja providencial contar um pouco da trajetória anterior a esta profissionalização. Comecei a trabalhar desde adolescente em negócios de sucata que meu pai tinha e nessa mesma época comecei também a tocar alguns instrumentos musicais de forma totalmente autodidata. Como eu tinha conhecimento de harmonia sem nunca ter estudado música, ensinava às pessoas e dava aulas particulares de alguns instrumentos para pessoas conhecidas. Entre ter construído uma primeira guitarra eletrificada por meio de um captador, com restos de madeiras encontrados no lixo aos 14 anos, e ter me tornado músico profissional, não demorou muito e passei a tocar em bandas de baile e em trios elétricos da nossa terra. (Sempre gostei de construir coisas. Fazia carros de papel em três dimensões aos seis anos, aviões de metal e carros de Fórmula 1 de lata entre os oito e dez anos).
 
Passei na antiga Escola Técnica Federal da Bahia (IFBA) e as viagens com trios elétricos na época do boom do axé music entre fins dos anos 80 e início dos anos 90 me afastou dos estudos, assim segui sem ter concluído o ensino médio por um tempo e o fiz depois por meio de um supletivo. Só cheguei ao ensino superior no ano 2000, com 30 anos, para cursar Ciências Contábeis (Estácio/FIB), por acreditar que poderia ser uma boa segunda profissão e lá mais uma vez fui arrebatado pelo desejo de lecionar. Em uma disciplina, o professor pediu que cada aluno desse uma aula sobre qualquer tema, por três minutos. Na minha vez, fui ao quadro falar sobre as diferenças de um carro de rua e um de Fórmula 1 e a turma (e o professor também) me encheram de perguntas. Quando ele lembrou do tempo, haviam passado mais de 21 minutos e desse dia em diante tive a certeza do que eu iria fazer profissionalmente para sempre.
 
Ensinar é minha grande vocação. Assim, buscando formação compatível e aperfeiçoamento, cursei um MBA em Gestão Financeira e Empresarial (FVC), Metodologia e Prática do Ensino Superior (UFBA), Mestrado em Administração (UFBA) e para buscar mais subsídios técnicos e teóricos para a área da Astronomia, concluí uma Licenciatura em Matemática (Uniasselvi) e estou cursando Física aqui na UFBA. Entre o curso das duas pós-graduações, eu já trabalhava na área da contabilidade como analista tributário e ainda tocava à noite na nossa capital. Minha atividade profissional com música se encerrou em 2007.
 
 
Edufba: Por que você começou a estudar as estações do ano?
 
LS: Um dia, em uma aula do supletivo para tirar o segundo grau, atual ensino médio, o professor nos explicou porque tínhamos quatro estações. O eixo inclinado da terra durante a translação cria quatro posições distintas e assim em cada uma das posições é iniciada uma nova estação. Imediatamente levantei a mão com um questionamento: Se a inclinação é máxima naquela data, não seria o início de uma estação, mas sim seu meio, seu ponto culminante. O professor entendeu que era uma questão que iria suscitar muitas discussões e colocou as duas mãos mostrando as palmas para que eu parasse e disse: “Olha, Luiz, é uma convenção”. Como na época eu não tinha vivência científica alguma, apenas imaginei que se um dia entrasse em uma universidade iria tentar convencer uma banca de notáveis de que assim era mais lógico, pois tinha “ouvido falar” que ao concluir um curso superior você precisa convencer uma banca sobre algum conteúdo inovador, o que seriam as monografias.
 
Isso ficou adormecido na minha cabeça (por uns vinte anos) até que, em 2009, surge a pergunta de pesquisa que dá origem à Teoria do Zênite Solar. A essa altura não teria como desperdiçar, por já ter compreendido o funcionamento dos cursos superiores, já estava praticamente com o mestrado concluído e já era docente em diversas universidades. O professor da época do supletivo estava certo em afirmar que é mera convenção. A mudança dessa convenção não seria possível de ser feita por um trabalho científico, mas somente reunindo quem determina a convenção. Em uma síntese visual seria como se a translação, elipse que é, estivesse inscrita em um quadrilátero com as estações ocorrendo no meio de cada lado. O que propus na época, seria trocar as datas para que elas fossem consideradas nas diagonais. E a pergunta é: “Se o sol está no equador em 21 de setembro e chegará ao trópico de capricórnio em 21 de dezembro, que dia passa por Salvador? E se, depois de 21 de dezembro, ele retorna para o equador em 21 de março, que dia passará por Salvador na volta?”. Assim, nada mais lógico que clamar para Salvador um reconhecimento do seu verão alongado, cientificamente comprovado por pesquisa e lembrado por ditos populares quando é fim de outubro e o baiano fala: “Nem chegou o verão e já não estou aguentando esse sol”. O verão chega por aqui no dia 27 de outubro, dia do Zênite Solar em nossa capital. Isso precisa ser aprendido e ensinado por todos, aqui em Salvador e em outras localidades tropicais.
 
A Teoria do Zênite Solar foi a primeira ideia que registrei antes de outrem. Acredito que boas ideias possam surgir ao mesmo tempo em pessoas diferentes, mas normalmente as referências são para quem registrou primeiro. Anos antes havia desperdiçado um sistema de som à prova de furto para automóveis e na graduação em Contábeis, por volta de 2001 ou 2002 desenvolvi um sistema sem fio similar aos carregadores dos celulares de hoje em dia que carregam por contato. Como não fiz o devido registro nem patente, não pude desfrutar dos créditos de ter tido a ideia primeiro.
 
 
Edufba: Qual a diferença entre as estações do ano astronômicas e as estações do ano meteorológicas? 
 
LS: As astronômicas são marcadas pelas quatro posições criadas pela inclinação do eixo da terra e as meteorológicas são determinadas por dados estatísticos e sazonais de ocorrência de calor ou chuva em determinada localidade. Exatamente entre os trópicos, com a passagem do sol duas vezes ao ano, dever-se-ia adotar critérios variados para cada localidade, o que seria respeitar o critério astronômico e também observando o critério climático estatístico sazonal de cada local para determinar as durações das estações do ano. Via de regra, as estações do ano convencionais são mais bem definidas e ficam mais fiéis ao padrão astronômico na zona temperada, onde também apresentam maiores diferenças entre temperaturas ao longo de um ano. Na grande maioria do território do nosso país não encontramos neve no inverno, por exemplo. Em Salvador, a sensação de verão surge muito antes da data oficial, são equívocos e lacunas que “A Teoria do Zênite Solar” tenta ajudar a sanar, especialmente no sentido do ensino do tema. Tal observação da condição climática da nossa capital estaria assim respeitando os critérios astronômicos e climáticos. O Brasil é o único país do mundo “cortado” pelo equador e um dos trópicos. Esta condição também ajuda a justificar a necessária adoção de critérios diferenciados.
 
 
Edufba: Considerando as discrepâncias entre o comportamento do clima de regiões tropicais e temperadas, por que o ensino das estações do ano no ensino básico brasileiro ainda segue uma convenção internacional com viés eurocêntrico?
 
LS: Creio que descolonizar é preciso. Em um contexto do ano 1549, quando chegam os Jesuítas para educar a população, até que se podia aceitar a educação colonial do mundo “civilizado” (aspas para não entrar na discussão já muito empreendida sobre o que é mesmo civilização ou desenvolvimento), como uma solução inicial para algo que estivesse começando, um país, um povo, uma sociedade ou uma nação. Outro ponto importante, que trago no livro, é justamente a carta dos indígenas, que demonstra (de forma aqui sintetizada) que a educação de um povo pode não ser útil para outro povo. De 1549 até 2014, ano do lançamento do livro, nenhum passo foi dado nesse sentido, no tocante ao ensino do tema estações do ano. Creio que deveria constar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos livros didáticos. Creio que dever-se-ia empreender pesquisas nas diversas regiões ou localidades para que se fizesse aferições corretas.
 
 
Edufba: De acordo com seu estudo, como podemos organizar as estações do ano de modo a melhor refletir a realidade climática de Salvador?
 
LS: O sol incide em zênite na nossa cidade em 27 de outubro, quase 60 dias antes do verão oficial. Esta é a data na qual deveria iniciar o verão por aqui. Salvador é a primeira capital abaixo da metade da distância entre o equador e o trópico de capricórnio, e isso significa que o distanciamento do sol até o trópico não será maior do que três meses, que é o prazo de duração de uma estação oficial. Notem que estou sendo prudente em sugerir a data do zênite e não uma data anterior, por exemplo, 45 dias antes, o que seria normal já que uma estação oficial é dita durar até 89 dias após a posição culminante. Assim o sol vai para o trópico de capricórnio em 21 de dezembro e volta a incidir em zênite em Salvador em 15 de fevereiro, aumentando novamente as temperaturas. Com esse outro zênite nesta data, a data do outono que para nós seria 21 de março passa totalmente despercebida pela população que ainda aproveita dias de muito sol. Assim, poderíamos considerar que o verão dura até pelo menos 2 de abril, que é uma data 45 dias após o segundo zênite e como nesta época do ano o sol se põe mais tarde, é mais prudente considerar os 45 dias depois do segundo zênite do que os 45 dias antes do primeiro, já que de forma oposta, o sol está mais adiantado e se põe mais cedo por volta do fim de outubro. Teríamos então de 3 de abril até 26 de outubro para distribuir as outras três estações. Acredito que o inverno poderá iniciar em 21 de junho, como o oficial, já que é a data em que o sol está o mais distante possível da nossa cidade e incide sobre o trópico de câncer e de fato começam a cair as temperaturas. Assim nosso outono ficaria mais curto com dois meses e 18 dias; o inverno poderia ir até 21 de agosto, quando ainda chove e ainda temos temperaturas menores e por fim a primavera seria de 22 de agosto até 26 de outubro, sendo encurtada para dois meses e 4 dias.
 
 
Edufba: O que ganhamos, do ponto de vista sociopolítico e cultural, ao investir numa mudança de paradigma desse porte? 
 
LS: Financeiramente, poderíamos incrementar as receitas com o turismo com um verão aumentado se oficialmente anunciado. Cada estado poderia fazer valer a data pela passagem do zênite na capital, por exemplo ou mesmo cada município, caso sejam observadas condições distintas dos demais municípios de um determinado estado. Do ponto de vista educacional, poderíamos criar observatórios do zênite solar em pontos estratégicos da cidade de forma pública para gerar curiosidade nos alunos e fomentar ensino aprendizagem sobre o tema e outros correlatos. Pontos de observação também poderiam ser interessantes e gerar curiosidade para os turistas. Do ponto de vista cultural, um poeta carioca massificou que “as águas de março fecham o verão”. De fato, em Salvador, as chuvas chegam em abril, o que concorda com minha sugestão para o fim do verão aqui por volta de 02 de abril. A Bahia é uma terra com vocações turísticas e artísticas, assim logo os compositores farão versos para registrar nosso verão aumentado, verão real, verão científico, verão do zênite ou qualquer outro nome que o represente. Tentei editar uma lei municipal para reconhecer o verão por um período diferenciado, mas foram alegadas dificuldades burocráticas e legislativas. Continuo na busca e continuarei incomodando nossos políticos. A cidade me homenageou com um título de Cidadão Soteropolitano, mas a lei ainda não saiu. Tentei também oficializar a data de 27 de outubro no calendário municipal, também continuarei tentando enquanto estiver neste plano. Os benefícios do trabalho são da cidade ou de toda a Bahia, não deste autor.
 
 
Edufba: Que mensagem gostaria de deixar para os seus leitores e leitoras?
 
LS: “A Teoria do Zênite Solar” é uma voz da Bahia. É um sinal de vida e um pedido de reconhecimento das suas peculiaridades nos compêndios das ciências e da representação da sua realidade nos processos de ensino aprendizagem do tema. A tiragem está praticamente esgotada e em breve deveremos lançar a segunda edição. A educação é a mola mestra da sociedade. “A Teoria do Zênite Solar” inclusive já deu mais frutos, visto que a ciência não para e em breve devemos ter mais publicações. Também foram lançadas edições em diversos idiomas como o Russo, Polonês, Francês, Alemão, Italiano e Inglês, dentre outros. O blog dedicado à divulgação do trabalho tem mais do que o dobro de acessos dos Estados Unidos do que do nosso país e a Suíça, que é um pequeno país, está quase nos ultrapassando também em acessos. O trabalho é um dos conteúdos desde 2011 do Curso de Extensão em Astronomia da UFBA, onde apresento todos os anos. Existem diversos conteúdos em vídeos, em sites especializados e no blog: http://veraodabahia.blogspot.com/

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