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Lynn Alves

Neste mês de novembro a EDUFBA entrevistou a professora Lynn Alves no Espaço do Autor. A autora lançou esse ano o livro “Jogos digitais, entretenimento, consumo e aprendizagens: uma análise do Pokémon Go”, onde ela e os autores que compõem a obra defendem a desmistificação da interação com os games, que normalmente está relacionada com a questão da violência, da compulsividade e do sedentarismo. Ela tenta esclarecer para seus leitores, mas principalmente pais e especialistas, que games são muito mais que essas imagens.

Lynn Rosalina Gama Alves é mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É pós-doutora em Jogos eletrônicos e aprendizagem pela Università degli Studi di Torino, na Itália. Atualmente é professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e do SENAI -CIMATEC- Departamento Regional da Bahia (Núcleo de Modelagem Computacional) . Ela ainda tem os livros “Tecnologias & Aprendizagens: Delineando Novos Espaços de Interação” e “Jogos Eletrônicos, Mobilidades e Educações – Trilhas em construção” na acervo da editora.

Na entrevista abaixo ela conta um pouco da sua trajetória acadêmica e profissional, e discorre sobre questões do mundo dos jogos eletrônicos e digitais, tendo dar um panorama pedagógico e conceitual, trazendo  seu livro e suas pesquisas para o centro das discussões. Trata de questões como plataformas e mídias, preconceito acadêmico e senso comum, e educação e tecnologia.

1- Conte-nos brevemente sobre sua trajetória profissional e acadêmica.

Eu sou formada em Magistério, depois fiz Pedagogia, mestrado e doutorado na área de Educação e o pós-doutorado, também na área de Educação, na Universidade de Turim, na Itália, na área de Jogos e Aprendizagens. Imagine você que, sou nascida e criada dentro da área da Educação. Sou filha de professora, trabalhei 20 anos na rede municipal, depois trabalhei 15 anos na UNEB e agora estou indo para o IHAC na UFBA, a partir do dia 1º de dezembro partindo para mais um desafio. No IHAC, o desafio é exatamente contribuir para a estruturação da área de jogos digitais e educação.

A minha vida circula basicamente em torno dos objetos relacionados à cultura digital e as suas interfaces comunicacionais, e como essas interfaces, especialmente jogos digitais, tencionam a aprendizagem nos diferentes espaços. Eu compreendo aprendizagem para além do espaço escolar, então toda a minha trilha passa também por investigações que acontecem no ciberespaço, por exemplo. Além disso, durante todos os anos em que eu estive na UNEB, eu coordenei o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Comunidades Virtuais, no qual desenvolvemos 12 jogos, para espaços escolares e não escolares.

Essa sou eu, e espero, ao chegar na UFBA, poder dialogar com novos pares, especialmente o grupo Indigente (Interactive Digital Entertainment), que é um grupo que tem uma tradição em desenvolvimento de jogos, e dialogar com outros parceiros e pesquisadores dentro do próprio Instituto do IHAC, e em outras áreas, e manter, claro, sempre viva e acesa a parceria com relação à UNEB, que é a Universidade do meu coração.

2- A cultura geek, e consequentemente, os jogos digitais estão cada vez mais ganhando espaço na nossa sociedade. O reflexo disso é notável no meio acadêmico? Há um preconceito pelo tema ou poderíamos ver uma convergência entre jogos eletrônicos e a academia?

Realmente. Há um crescimento bastante significativo da década de 1990 para cá e você pode constatar o número de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas na área de jogos digitais. De 1994 a 2010, a gente constatou que as três áreas que mais produziram dissertações e teses registrados dentro do portal da Capes foram as áreas de Comunicação, Educação e Computação, além de um crescimento tímido dos pesquisadores da área de História e da Psicologia. Mas não é fácil e existe sim um preconceito. Eu me lembro que quando eu comecei a fazer a minha tese de doutorado  sobre jogos e violência, uma colega do Departamento de Educação virou para mim e falou: “menina, como é que você faz uma tese sobre videogame?”. Isso ainda existe, especialmente em algumas áreas que são muito resistentes à interação com a tecnologia, mas a gente têm vencido e têm divulgado bastante as pesquisas dentro e fora do Brasil nessa área. Os eventos também têm promovido isso, fortalecendo o networking, permitindo que os pesquisadores se juntem para, não só fortalecer o objeto, mas para efetivamente contribuir na produção acadêmica, científica e cultural e também em nível de intervenções e práticas mediadas pelos jogos.

3- Atualmente os jogos eletrônicos são desenvolvidos em diversas plataformas como os consoles, portáteis, computadores pessoais, smartphones etc. Sua pesquisa foca em alguma plataforma/ gênero de jogo específico ou é aberta a qualquer plataforma/ jogo eletrônico? E quais delas poderiam servir de apoio em sala de aula?

Na verdade, tudo o que a gente faz está  centrado numa perspectiva que se chama game based learning e ela se estrutura a partir de três aportes: o primeiro é você estabelecer práticas e pesquisas que estão relacionadas com a produção de jogos, então você cria espaço para os alunos e pesquisadores desenvolverem seus próprios jogos; já o segundo é uma perspectiva de realizar práticas e pesquisas usando jogos desenvolvidos para cenários escolares, os tais jogos educacionais; e a terceira abordagem é trabalhar com os jogos que são comerciais e que podem contribuir para discussão e mediação, não só de conceitos escolares, mas questões ideológicas, éticas, de gênero. Esses três aportes estão interligados, eles não são excludentes, e na minha experiência enquanto pesquisadora e coordenadora de grupo e formadora de novos pesquisadores, a gente trabalha com as três abordagens, e essas três abordagens interagem com diferentes plataformas, desde você trabalhar com jogos que são específicos para console, jogos que são específicos para computador e, mais fortemente agora, jogos voltados para dispositivos móveis.

Então se você pegar, Valiant Hearts, por exemplo, é um jogo pra console, mas também é um jogo para dispositivos móveis. Não existe isso de você separar a plataforma , a gente interage, a gente investiga, a gente pensa abordagens voltadas pro processo de aprendizagem em todas essas plataformas, mas mais fortemente agora porque até as crianças de escola pública, que a gente acha que não tem acesso à essa tecnologia, têm celulares smartphone e eles interagem com isso.

E a gente também, no Comunidades, vêm desenvolvendo jogos para dispositivos móveis, então o primeiro foi o 2 de julho, o segundo foi o gamebook Guardiões da Floresta. Então assim, eu creio hoje que é muito mais fácil você interagir com dispositivos móveis na sala de aula do que, por exemplo, você trabalhar com laboratórios, com computadores, até por conta da dificuldade de se montar essa infraestrutura.

O problema da mediação dos dispositivos móveis da rede pública é porque você não tem uma rede de Wi-Fi digna, ou, às vezes, nem indigna, e isso dificulta porque você tem que levar os tablets para o centro de pesquisa, baixar o conteúdo e os jogos, para poder voltar para as crianças interagirem, e tem que ser jogos que possam interagir offline.

4- Em seu livro mais recente, "Jogos digitais, entretenimento, consumo e aprendizagens: uma análise do Pokémon Go”, publicado pela EDUFBA, é abordado o fenômeno do Pokémon GO. O que pode ser dito do jogo, o perfil de seus jogadores e seu papel no processo de ensino-aprendizagem?

Bem, na verdade, esse livro foi organizado pelo grupo de pesquisa exatamente com o objetivo de desmistificar os jogos, especialmente Pokemón GO. Quando o jogo foi lançado, em agosto do ano passado, gerou muita celeuma. Haviam perspectivas extremamente maniqueístas em relação ao jogo, desde teorias de conspiração, até a questão da segurança mesmo de você estar interagindo, num país como o nosso, com celulares, ou a discriminação de que você não tinha como caçar pokemón em determinadas regiões porque eles não estavam lá, eles estavam em outra região. Por isso a gente resolveu fazer essa investigação, no sentido de compreender esse potencial de uma narrativa que tem mais de 20 anos e que mantém um público fiel, uma audiência fiel que joga até hoje Pokémon GO, e que interage desde a adolescência até a vida adulta.

O público é bem distinto agora. Obviamente, com o lançamento em agosto, e o impacto que se teve em nível de divulgação para o bem ou para o mal, você terminou atraindo muitos jogadores inexperientes, que nem conheciam a narrativa, mas que foram mobilizados pela mídia, e aí interagiram até que a febre passou. Mas se mantém ainda um público que é fiel, que é jogador dessa narrativa em outras mídias, então não dá pra dizer qual é o perfil específico, mas é aquelas pessoas que são seduzidas por essa narrativa.

E é muito interessante porque, como vários jogos, o Pokémon GO estimula funções executivas como memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e planejamento, funções que são essenciais na vida de qualquer sujeito e para o processo de ensino e aprendizagem. É possível, na interação com esse jogo, estimular essas funções,  e isso de alguma forma ser transferido, e generalizar situações, para o cotidiano, inclusive para a sala de aula.

5- E focando um pouco no Brasil, qual a perspectiva desta área de jogos eletrônicos em nosso país e como ela pode interferir/ auxiliar na Educação? É acessível para todos os públicos?

Vou começar dizendo que ela é acessível para todos os públicos. A gente tem mania de subestimar, como eu já disse antes, que aluno de escola pública não joga, não gosta de jogar, não interage. Vou contar uma historinha: a gente trabalha numa escola perto da UNEB e nós começamos o trabalho ano passado lá com o gamebook achando: “agora a gente conseguiu fazer o melhor jogo educativo que a gente podia”, e depois, quando chegamos na escola, depois que as crianças jogam o gamebook, elas viram para nós e dizem “que horas a gente pode jogar o Minecraft?”. Eles têm acesso a esse tipo de conteúdo, a um conteúdo que não é só escolar, mas que é um conteúdo de jogos comerciais , muitas vezes Triple A ― jogos com os maiores orçamentos, ou seja, de massa ―, que mobilizam e seduzem esses jogadores. então ele está acessível para todos. Obviamente que quanto maior o nível de complexidade, mais complexa também é a tecnologia, e você precisa de aparatos e suportes mais robustos, e isso dificulta o acesso das classes populares.

Eu acredito sim que a mediação dos jogos pode contribuir para a educação escolar. Você tem jogos hoje que são voltados para os Games for Change (Organização Não Governamental internacional dedicada à utilização de jogos eletrônicos para o desenvolvimento social ) que são games voltados para trabalhar com as questões de etnia, de ideologias, de valores, então isso é um conteúdo interessante. Você tem jogos produzidos que são chamados indie games, como Flower, por exemplo, que trabalham questões muito relacionadas com a subjetividade de conteúdos psíquicos, colaboração e cooperação. Isso pode ser trabalhado. E você tem jogos como Minecraft, que trabalha a questão da criatividade, do planejamento, que você pode mobilizar os jogadores para criar e tomar decisões, estimular suas funções executivas.

Você também tem jogos como Assassin’s Creed, por exemplo, que embora tenha um conteúdo super violento, você tem conteúdos históricos ali que são fantásticos, e que tem vários anacronismos que podem ser levados para serem discutidos em sala de aula. Tem esse confronto para que o aluno perceba que o jogo não é só fruição, e que o conteúdo que tá ali, aquela narrativa, traz também elementos pra ele pensar.

Isso, pra mim, é um potencial riquíssimo para a educação, e compreendendo a educação de forma ampla, também para a educação escolar. Tem várias coisas que podem sair dali e contribuir.

6- Que conselho você daria às pessoas que procuram se especializar na área de jogos eletrônicos enquanto ferramenta de ensino?

O conselho que eu dou é: participe de grupos de redes, para que juntos vocês possam discutir estratégias metodológicas para a interação desses jogos no espaço escolar, discutir questões ligadas às narrativas, que você possa ampliar o seu background e para que você possa ouvir os jovens que interagem com isso. Eu enquanto professora tenho que estar atenta ao que esses jovens gostam relacionado a esse jogo, o que os mobiliza, o que os seduz, quais as críticas que eles fazem, como é que eles veem isso. Participe desses espaços que são formativos, mas que não são formais, que estão presentes nas redes através das comunidades, através dos canais no YouTube, através dos diferentes grupos presenciais, uma série de espaços.

Temos os processos de formação formais. Por exemplo, curso de jogos digitais na UNEB e na UNIME, essa terminalidade que o IHAC quer criar, as pesquisas que surgiram na UNEB e na UFBA na área de jogos em nível de mestrado e doutorado, isso tudo reflete na formação, não só do pesquisador, mas também no professor interessado e atento às atuais demandas contemporâneas e ao desejo dos seus alunos.

O mais importante de tudo isso pra quem pensa em trabalhar com tecnologia, especialmente os jogos na Educação, é escutar o que os alunos sentem, gostam, pensam, dar a voz a eles, que eles são protagonistas. O professor não precisa ser um jogador, ele precisa estar aberto a escutar aqueles que sabem e conhecem, para poder dialogar e transformar esse espaço num espaço rico.

7- Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

O primeiro livro que a gente publicou foi uma experiência de formação na área de Tecnologia na Secretaria de Educação, com os professores da Secretaria da Educação, e editora nos apoiou sempre. Isso foi um marco pra mim, foi o primeiro livro que eu publiquei. Então eu sou muito grata à EDUFBA por acreditar nos nossos projetos, nos criar um espaço para que a gente possa estar socializando essas perspectivas de mediação da tecnologias, especialmente os jogos, com diferentes públicos, acadêmicos e não acadêmicos.

E para os leitores da EDUFBA, eu sugiro que vocês interajam o com rico repositório, que tem contribuído para formação de professores, de novos pesquisadores e profissionais nas diferentes áreas. Tem uma riqueza muito grande de perspectivas teórico-metodológicas e que estão disponíveis ali, que cabe na sua mão, que você pode baixar, ler, interagir, socializar. Explorem esse repositório, explorem o canal que a EDUFBA está criando, explorem esse Espaço do Autor, onde você vai ver um pouco a perspectiva de quem produziu o livro e talvez desperte o seu desejo de ler, de aprofundar, além de que, você também pode se tornar um autor que publica pela EDUFBA. A editora é esse espaço de criação, de criatividade, de colaboração, aberto sempre às tensões, e que publica questões que tensionam a sociedade contemporânea.

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