Início / Diálogos / Maria Clotilde Meirelles Ribeiro

Maria Clotilde Meirelles Ribeiro

Maria Clotilde Meirelles Ribeiro fala, nesta entrevista, sobre as ações diplomáticas realizadas pelos municípios brasileiros, a legitimidade democrática e os desafios impostos pela globalização, tema do seu livro Globalização e Novos Atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras, publicação da Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA). Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maria Clotildes Meirelles Ribeiro é especialista em Engenharia de Sistemas pela Université de Versailles (França) e em Marketing de Serviços pela ESPM (RJ). Possui extensão em Gestão da Informação pela Université de Paris-Dauphine (França) e é Bacharel em Processamento de Dados pela Universidade Federal da Bahia, onde, atualmente, é Doutoranda em Administração.

Por Laryne Nascimento

30/06/2011

1 – Em qual contexto surge a obra Globalização e Novos Atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras? A referida obra surge no contexto contemporâneo de uma nova lógica internacional, onde se verifica uma tendência crescente da inserção internacional dos governos subnacionais propulsionada por fatores diversos como o fenômeno da internacionalização da economia, a urbanização acelerada e os processos de integração regionais, entre outros. De fato, motivados pelos desafios que a globalização impôs às economias nacionais e forçados pelo declínio das políticas centralizadas de desenvolvimento regional, bem como pela necessidade de inserção em redes formadas a partir dos regimes internacionais, os governos subnacionais se configuram como atores de presença internacional cada vez mais intensa e a gestão dos temas internacionais por essas instâncias de governos adquire crescente importância. 2 – Como foi o processo de criação dessa obra? Quanto tempo durou a sua concepção? A obra começou a ser desenvolvida em 2006 e a sua elaboração processou-se até março de 2008, período no qual foram ouvidos os gestores responsáveis pelas relações internacionais no sistema destas prefeituras de 72 municípios brasileiros. Posteriormente, no ano de 2009 e de 2010 foram feitas entrevistas complementares com gestores do órgão responsável pelas relações internacionais de Salvador, visto que além da ampla abordagem sobre as relações internacionais das cidades brasileiras em todo o território, a obra debruça-se sobre o município, soteropolitano, discutindo a realidade historicamente construída das suas conexões internacionais, desde os primórdios da sua fundação aos dias atuais. 3 – Em sua opinião, de que modo essa obra auxilia as entidades subnacionais na formulação de suas estratégias? Inicialmente, a obra é enfática no sentido de conscientizar os gestores destas entidades quanto à imperativa necessidade de desenvolvimento de estratégias de internacionalização dos seus municípios, vista a atual configuração do sistema internacional e as demandas decorrentes de um mundo globalizado. Neste inserem-se oportunidades, mas também questões de caráter crítico que devem ser tratadas, a exemplo da urbanização acelerada e o seu produto no espaço local das cidades, acarretando muitas vezes conseqüências caóticas no mesmo. Ademais, salienta, são as entidades subnacionais, e mais particularmente aquelas situadas na esfera mais próxima ao cidadão, que são as responsáveis pela implementação de ações decorrentes dos comprometimentos assumidos pelos países junto à esfera internacional. Para isto, o livro promove preliminarmente uma visão geral do fenômeno paradiplomático nos vários continentes, trazendo linhas gerais e distinções verificadas entre eles, bem como analisando diferentes formas de concertação e divisão de responsabilidades em política externa por estes adotadas. A partir daí, constrói um panorama da paradiplomacia dos principais municípios das diversas regiões brasileiras, analisando suas estratégias de inserção internacional, os instrumentos e ferramentas utilizados, e apontando os benefícios destas advindos, além das dificuldades enfrentadas nesta trajetória. Todos estes elementos são essenciais para subsidiar os gestores responsáveis pela administração dos aparatos públicos subnacionais para o planejamento e a implementação do seu processo de internacionalização. 4 – Como a senhora definiria a “paradiplomacia” abordada no livro? O neologismo paradiplomacia surge na literatura científica nos anos 1980, sendo proposto por Soldatos e adotado por Duchacek, e servindo para descrever as atividades internacionais dos Estados federados canadenses e americanos no contexto da globalização. Sendo um fenômeno social que representa uma profunda mudança no campo de estudos da política externa e das relações internacionais, o termo paradiplomacia pode indicar tanto a atuação internacional dos governos locais – aqueles mais próximos do cidadão (que normalmente recebem nomes como municípios, ayuntamento, intendência etc...), como de entes subnacionais regionais, instância de poder imediatamente superior a primeira, também chamada de nível intermediário de poder, e que adquire nomes diversos, conforme o país e regime de governo sob o qual se assenta (a exemplo de províncias, no Canadá e Argentina, de estados federados, no Brasil e EUA, de regiões, como na Bélgica e na França, de comunidades autônomas, como na Espanha, de lander, termo utilizado na .Alemanha e Áustria, ou ainda de cantões, na Suíça). Cabe acrescentar que diversas abordagens propõem descrições distintas para o fenômeno paradiplomático. Nos idos de 1987 a palavra paradiplomacia ganha um uso diverso daquele proposto inicialmente, e alguns autores, ainda que em uma restrita minoria, passam a vê-la como uma forma de diplomacia não governamental, o que significaria qualquer tipo de atividade internacional de caráter não governamental desenvolvida por atores não estatais, incluindo-se corporações transnacionais, comunidades religiosas, ONGs, lobbies internacionais, associações científicas, entre outros. A obra em questão dirige seu enfoque para os entes subnacionais locais, representados pelos municípios brasileiros, foco da pesquisa apresentada. 5 – E como a senhora percebe as ações paradiplomáticas dos municípios baianos? A capital baiana tendo sido a primeira capital do país foi historicamente um importante centro das relações internacionais do Brasil, desde seus primórdios, com raízes históricas marcadas por uma vocação internacional, desde a sua fundação em 1549. Aqui, Salvador, representava o centro de convergência de Portugal com o continente sul- americano e, além disso, era o porto de entrada mais importante para o tráfico de escravos com o continente africano. A cidade, já no início do século XIX, sediava o maior porto do hemisfério sul já aberto às “nações amigas”. Paradoxalmente, apesar desta realidade histórica e cultural, a primeira iniciativa de institucionalização das ações internacionais no âmbito do governo baiano só veio a ocorrer no século XX, quando há trinta e sete anos o recentemente extinto Centro Internacional de Negócios da Bahia (Promo), iniciou sua atuação de natureza comercial no interesse de fomentar o desenvolvimento dos negócios e a internacionalização da economia da Bahia. Entretanto, o primeiro aparato público municipal dentro do território baiano voltado ao tratamento de questões internacionais veio a ser estabelecido em Salvador, apenas no ano de 2005, o que por si próprio já evidencia uma situação ainda embrionária das ações paradiplomáticas empreendidas pelos municípios do estado baiano. Cabe indicar contudo,a existência de registros de irmanamento de Salvador com cidades que datam ainda da década de 1960, como no caso de Los Angeles nos EUA e Filadélfia nos EUA, tendo, na década de 1980, outros acordos sido celebrados, como Cascais e Angra do Heroísmo em Portugal, Cotonou no Benin, e Caiena, capital da Guiana Francesa, além de Grenoble, na França, estes sem frutos concretos produzidos, ou apenas com parcas ações realizadas. 6 – Após o lançamento de Globalização e Novos Atores, há planos para a publicação de outras obras de sua autoria? Sim, após o trabalho desenvolvido abordando a realidade paradiplomática brasileira, a nova obra que estou iniciando explora um dos instrumentos paradiplomáticos disponíveis para os governos subnacionais, qual seja, a cooperação internacional, e focaliza a realidade desenvolvida pelos governos dos municípios implantados na região do Vale do São Francisco no último meio século. 7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. Diante da realidade contemporânea na qual as localidades vêm redefinindo seu papel internacional, regional e nacional, a visão da atuação internacional dos governos subnacionais, ou seja, a paradiplomacia, torna-se essencial para o aprofundamento de um olhar crítico sobre esta realidade, já que o fenômeno é transversal e toca diferentes campos disciplinares, a exemplo das Ciências Sociais, Econômicas, Administrativas e Jurídicas, além das Relações Internacionais e Ciências Políticas. Tal argumento reforça a relevância do seu estudo, bem como instiga ao desenvolvimento de novas pesquisas no campo.

Acompanhe as Novidades

Cadastre seu e-mail em nossa newsletter

Siga a Edufba
nas redes sociais

instagram