Início / Diálogos / Maria do Carmo Soares de Freitas

Maria do Carmo Soares de Freitas

Apresentando resultados de pesquisas e narrando a importância do cuidado com a alimentação de crianças e adolescentes das escolas públicas em seu último livro, Maria do Carmo Soares de Freitas, uma das organizadoras do título “Narrativas sobre cuidado alimentar e o comer na escola”, conversou com a Edufba sobre sua última produção e sua trajetória acadêmica e profissional.

Maria do Carmo é nutricionista, doutora em Saúde Pública com ênfase em Ciências Sociais pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), com pós-doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Rio de Janeiro, e professora associada do Departamento de Nutrição da UFBA.

Em seu livro, ela chama mães, professoras e outros atores da alimentação escolar para debater sobre a simplicidade do comer, reafirmando que “com fome ninguém aprende nada”. Com o objetivo de convidar leitores e profissionais da área à reflexão sobre alimentação interagindo com a cultura em cada cenário, ela também faz pensar sobre a necessidade de ações pedagógicas no campo da alimentação.

1. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica. 

Nutricionista desde 1972 pela Enufba (Escola de Nutrição da UFBA), trabalhei com a recuperação nutricional de crianças em São Paulo por dois anos e depois em Salvador. Eram crianças famintas....Durante a ditadura militar a expressão fome crônica não podia ser utilizada e a obra de Josué de Castro ("Fome - Um Tema Proibido") teve a venda proibida, porém tive acesso a ela no México, quando cursei o mestrado em Saúde Pública. Depois veio o doutorado (Agonia da Fome, Edufba) no ISC e o pós doutorado com a Fiocruz RJ sob a orientação da Profª. Maria Cecília Minayo.

Hoje ensino no mestrado "Saúde, Ambiente e Trabalho" (Famed) e no mestrado de "Alimentos, Nutrição e Saúde" na faculdade de Nutrição (da UFBA). Assim, estou na UFBA desde 1982, aposentada desde 2011, mas a orientar e dar algumas aulas. Acompanho também pesquisas de alunos e colegas em temas relacionados ao ambiente e a alimentação, análise narrativas de obesos e de comunidades quilombolas sobre Segurança Alimentar, além de contaminação ambiental.

2. De que maneiras a nutrição, enquanto um domínio das Ciências da Saúde, pode se relacionar com as Ciências Sociais?

Fui entendendo desde jovem que a deficiência de nutrição era um problema social, político e de saúde pública. Passei a estudar o assunto, e de volta ao Brasil fui trabalhar na extensão rural e na Pastoral da Terra. Até entrar na universidade pública e continuar estudos e pesquisas sobre desnutrição e fome crônica na pobreza. Trabalhei em vários bairros populares de Salvador com a disciplina "Estágio de Nutrição Social e Educação Nutricional", sempre seguindo a metodologia de Paulo Freire para a escuta e a participação popular. Essa prática me levou ao movimento "Contra Fome e Pela Vida" com vários colegas da UFBA nos anos 90. Passei a estudar as teorias compreensivas, a etnografia e assim consegui uma aproximação com as ciências sociais.

3. Como você avalia a inserção da nutrição como uma questão de Saúde Pública? E como o cuidado alimentar deve ser incluído nas políticas públicas de saúde?

É problema de saúde pública as altas prevalências da obesidade e sobrepeso no Brasil, e outros problemas nutricionais relacionados ao déficit de micro e macronutrientes. Na área rural do norte e nordeste brasileiro predomina o nanismo nutricional e outras formas de desnutrição, a meu ver, fome crônica. O cuidado alimentar é um dever do Estado, tanto no que se refere a propiciar melhores condições de vida e trabalho para a população, quanto a políticas públicas que possam atender a complementação e suplementação alimentar principalmente para crianças escolares e em creches — período de crescimento e desenvolvimento humano. Assim, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos exemplos tratados no livro “Narrativas sobre cuidado alimentar e o comer na escola”.

4. Enquanto pesquisadora da área, qual a sua avaliação acerca do fenômeno fitness que vem se propagando por meio de blogueiros e blogueiras na internet? E como esses discursos/narrativas podem ser prejudicais, levando em consideração que a maioria se utiliza de um caso clínico bem-sucedido (o seu) como base para ser aplicado em diferentes contextos econômicos e culturais?

Muitos estudos mostram a importância do exercício físico para a saúde humana. Mas observo que há um excesso de endeusamento, narcisismo e uso do corpo como fetiche mercadológico para atender aos grupos sociais que lucram com isso. Então, os sintomas sociais mais comuns é o uso de fármacos para delinear músculos e produzir um corpo delgado que atenda ao mercado consumidor. Em geral esse excessivo controle do corpo produz enfermidades como bulimia e outras deficiências físicas e mentais ainda em estudos.

5. No livro “Narrativas sobre cuidado alimentar e o comer na escola” são apresentadas diferentes pesquisas qualitativas sobre alimentação escolar em diversos contextos. Como propor uma política pública eficiente que abarque as diferentes realidades das crianças e jovens nas escolas?

Os estudos qualitativos apresentados neste livro objetivam humanizar ainda mais, os profissionais de saúde a partir da escuta do sujeito, paciente, escolares e consumidores. Os métodos, em geral etnográficos, com análise de narrativas, são instrumentos que valorizam a fala, o discurso a narratividade desses atores e atrizes sociais que expressam o que pensam sobre o cuidar , o comer e a comida. Essas pesquisas são ainda escassas na área de alimentação e nutrição, sendo portanto um livro singular, a ser utilizado em cursos de nutrição e saúde.

6. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

As narrativas do cotidiano ou do mundo da vida sobre a nutrição de crianças e jovens nas escolas e outros que vivenciam diversos problemas de saúde e nutrição, podem ser conhecidos por leitores da Edufba no nosso trabalho que conta com autores de diversas universidades. O livro tem como maior interesse reunir a nutrição e as ciências sociais para sensibilizar os profissionais de saúde a um olhar humanizador, sensível e crítico.

Acompanhe as Novidades

Cadastre seu e-mail em nossa newsletter

Siga a Edufba
nas redes sociais

instagram