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Marilda Santanna

Fevereiro, mês de Carnaval! Neste clima, esta edição do Espaço do Autor traz um bate-papo com Marilda Santanna que, em 2009, lançou pela EDUFBA o livro As donas do canto: o sucesso das estrelas-intérpretes no Carnaval de Salvador. Este trabalho aborda as práticas musicais e empresariais associadas ao Carnaval baiano, tendo como ponto de partida as carreiras das cantoras Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Margareth Menezes. Nesta entrevista, ela fala sobre o processo de pesquisa que deu origem ao livro e alguns dos temas abordados ao longo da obra. Cantora, performer e professora adjunta do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC-UFBA), Marilda Santanna é doutora em Ciências Sociais, mestre em Artes Cênicas e possui licenciatura em História. Trabalha com temas como Canto, Interpretação Teatral, Cultura e Identidade e Arte-educação. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

Por Laryne Nascimento Foto: Sérgio Benutti 01/02/2011

1 – Nas últimas décadas, alguns pesquisadores dedicaram-se ao estudo do Carnaval de Salvador em seus mais diferentes aspectos. O seu livro As donas do canto, porém, é inovador por unir questões identitárias e mercadológicas em um mesmo estudo. De onde surgiu a ideia de realizar esta pesquisa e o que mais lhe surpreendeu no processo de concepção? A ideia surgiu depois de observar que a partir da década de 90 com a profissionalização e criação de uma dinâmica de blocos de Carnaval administrados por empresários, a grande mobilização de foliões que elegiam os blocos, se dava justamente pelas afinidades com os chamados na época, puxadores de bloco, representados em sua grande maioria por cantoras. Além disso, eu como cantora, me interessava em perceber como a dinâmica do mercado do Carnaval de Salvador catapultava carreiras que eram em sua grande maioria administradas e gerenciadas pelos donos de bloco. O diferencial das cantoras sobre as quais me debrucei é que elas se tornam autoras e gestoras de suas carreiras, donas do seu próprio negócio.    2 – As donas do canto permite aos leitores conhecer, bem de perto, a carreira de três grandes nomes do Carnaval baiano: Ivete Sangalo, Margareth Menezes e Daniela Mercury. Em suma, quais seriam os aspectos presentes em comum na construção das carreiras destas artistas? E as diferenças? Como eu mesma aponto no livro, todas elas usam os mesmos ingredientes, a dosagem do tempero é que varia de acordo com o gosto e experiência de cada uma. Eu criei três categorias para diferenciar cada uma delas. Ivete Sangalo eu denomino de “estrela solar” –  o próprio dia já favorece o brilho natural da intérprete da Festa. O seu brilho já se confunde com o próprio brilho do astro rei. Ivete veio de uma região árida, o baixo São Francisco, onde o sol brilha de rachar o ano inteiro, sua vida já reflete a clareza/ claridade de seus atos debochados, transparente, sem etiquetas. De forma espontânea, ela vai construindo sua performance calcada na esculhambação, ela é o próprio espírito do Carnaval 365 dias no ano. No Carnaval, está sempre de bem com a vida, Ivete quer é “viver a vida” (MORIN, 1967). Em Daniela Mercury, presencio o que denomino de Estrela Lunar – Daniela Mercury é a rainha da Noite, que tem o brilho elaborado e sabe onde se posicionar para a luz, pois a luz ela já carrega em si mesma. Daniela manipula o brilho, pois à noite, você só vê o brilho se a posição do seu corpo está no foco, na luz dentro da escuridão. Menezes Margareth é a estrela telúrica que tira a seiva do seu canto da própria terra e dos elementos que a compõe: a água, o fogo, a terra e o ar. E como tal, a natureza é indomável, há que se ter cuidado em saber usar esta força. E com maestria, Margareth sabe utilizá-la de forma a estar plena no palco com estes elementos.   3 – Estas cantoras não são apenas cantoras. São verdadeiras indústrias e são, também, responsáveis por parte da construção da representação da sociedade baiana. Em sua opinião, até que ponto a “mitificação” destas personagens é saudável para a Bahia? Assim como Dorival Caymmi, Jorge amado, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Novos Baianos, Carmen Miranda, dentre outros; estas artistas representam um ethos do que se convencionou denominar de baianidade na contemporaneidade. Como a representação pode ser considerada uma construção e a mídia se torna um veículo muito forte na difusão deste “produto Bahia” que tem como representantes estes mitos contemporâneos, eu não analiso se isto é saudável ou maléfico, mas o que efetivamente as elegem para se tornarem representantes desta sociedade baiana contemporânea.    4 – Podemos afirmar que Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Margareth Menezes encabeçaram uma espécie de “padronização” das artistas baianas? Não apenas no que diz respeito à música propriamente dita, mas também à postura profissional, comercial? Como bem ilustra Edgar Morin no seu livro Mito e sedução no cinema ao analisar a engrenagem do cinema de Hollywood trazendo à baila o fenômeno do surgimento da estrela ele utiliza a tríade padronização/individuação/criação para ilustrar este fenômeno. Então, com certeza estas estrelas baianas servem sim de modelo para a criação de novos protótipos. Como se trata de um fenômeno social, midiático com base na criação de um produto artístico, poucos são os que conseguem se descolar da padronização e se tornar referência para novos protótipos, são os casos de Margareth, Daniela e Ivete.    5 – Muitos reclamam que, diante de músicas que são verdadeiros sucessos no Carnaval baiano, os compositores destas canções são desconhecidos do público, ficando o mérito apenas para os intérpretes. O que você, como artista e estudiosa da cultura carnavalesca baiana, pensa desta questão? Acho francamente que este fenômeno é histórico. Quando Donga afirma que “samba é que nem passarinho, é de quem pegar primeiro” percebemos que a figura do compositor é recente. Acho que é uma via de mão dupla esta história de que o intérprete recebe os louros e o compositor fica à margem. No meu livro eu entrevisto uma série de compositores gravados por estas artistas que afirmam que dificilmente teriam visibilidade se não fossem gravados por elas. Por outro lado, o mercado também regula os artistas e toda esta engrenagem que movimenta a indústria do Carnaval e do entretenimento.   6 – Além da carreira acadêmica, você é cantora. Como administra essas duas profissões tão distintas? Atualmente, você está se apresentando em algum local ou com algum projeto musical? O que me levou para a academia foi o meu fazer artístico. Acho importante para o artista conhecer a história de sua cultura e, no meu caso, da música brasileira para compreender como se situa este artista criador no cenário político, cultural do país. Atualmente estou em cartaz com o grupo vocal performático “Raid das moças” que foi fruto do meu mestrado em Artes Cênicas. Além disso, concluí uma pesquisa sobre a figura da baiana na canção brasileira que gerou quatro programas veiculados pela rádio educadora e um CD com dez canções sobre este tema com lançamento previsto para março de 2012.    7 -  Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. Sugiro a todos os leitores da EDUFBA que prestigiem os lançamentos dos livros e o catálogo disponível, além de visitar o Repositório. Uma ideia genial da sempre competente diretora da EDUFBA, Flávia Rosa.

 

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