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Nelson Pretto

Para finalizar com chave de ouro as entrevistas de 2011 do Espaço do Autor, realizamos um bate-papo com Nelson Pretto, professor (e ativista!, como ele mesmo diz) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Durante a conversa, tratamos do livro Inclusão digital: polêmica contemporânea e de questões como as políticas públicas brasileiras com foco neste tema, o uso de softwares livres e o projeto Tabuleiro Digital. Além, claro, dos planos para o próximo ano! Nelson Pretto foi um dos pioneiros da implantação da internet na Bahia. Bolsita do CNPq, ele é doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e líder do grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC). Autor de diversos livros e artigos, Pretto atua nas áreas de tecnologia educacional, software livre, acesso aberto e ensino à distância, dentre outras. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra. Até 2012!

Por Laryne Nascimento

01/12/2011

1 – Neste mês, será lançado o segundo livro resultado do trabalho do grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia, intitulado Inclusão digital: polêmica contemporânea, organizado em parceria com a professora Maria Helena Silveira Bonilla. Como foi o processo de concepção desta obra? Como todo o trabalho do nosso grupo de pesquisa, a base é a colaboração. Trabalhamos muito nesta perspectiva, com orientações coletivas, com participação intensa de todos os alunos, da graduação ao doutorado, no sentido de um ajudar o outro e isso ir se constituindo num círculo permanente de colaboração, generosidade e abertura. Não digo que isso tem sido fácil. Ao contrário, tem sido muito difícil, pois esse não é o espírito que impera em nossa sociedade e, como não poderia deixar de ser, aqui na Faculdade ele não está presente de maneira muito forte. Essa é a nossa luta cotidiana: modificar essa postura. Para os livros desta coleção, Educação, Comunicação e Tecnologia, o princípio foi o de trazer os trabalhos que são resultados de nossas pesquisas junto com nossos estudantes e ex-estudantes que hoje são profissionais qualificados e lideranças acadêmicas atuando em outras instituições. Além disso, convidamos sempre autores de outras instituições – ou países – para trazerem suas reflexões. Eles têm sido colegas que, com sua produção teórica, têm nos inspirado a produzir novos conhecimentos aqui na Faced. São nossos inspiradores e interlocutores intelectuais... 2 – O tema da inclusão digital é altamente discutido na sociedade contemporânea. Muitas vezes, porém, é perceptível uma confusão no entendimento do significado deste conceito. Através de uma perspectiva teórica, o que seria, de fato, a “inclusão digital”? Esse é o ponto central do livro e não vou adiantar muito aqui, dentre outras coisas porque gostaria que o leitor destas linhas pudesse se debruçar mais sobre o livro, seja comprando a edição impressa cuidadosamente produzida pela EDUFBA (que tem feito belos livros!) seja pela leitura on-line do seu conteúdo, já que nosso livro está licenciado em Creative Commons. Este tipo de licenciamento possibilita o seu pleno uso em todos os contextos. Isto tem sido uma política do nosso grupo de pesquisa e, felizmente, tem sido uma correta política da Editora da UFBA, que desde 2010 vem adotando a prática de publicar todos os seus livros no Repositório Institucional (que por sinal, soube que ganhou premio recentemente por ser repositório que mais artigos científicos disponibilizou até o momento. Parabéns EDUFBA!). Com isso, e aqui começo a voltar à sua pergunta, temos por um lado o bem material – o livro! - que tem um custo, sendo vendido e, ao mesmo tempo, o seu conteúdo – as ideias contidas no livro! - sendo disponibilizadas livremente na rede. Isso porque o livro é, de fato, um bem rival (se você pegar o meu livro, fico sem ele!), mas as ideias que estão nele, não. Constituem-se, portanto, em um bem não rival (se eu trocar uma ideia com você, nós dois ficamos com as ideias!). Portanto, inclusão e inclusão digital para serem compreendidas precisam ser qualificadas: incluir em que e para que? Incluir digitalmente, portanto, é muito mais do que dar acesso às máquinas e à rede. Isso é fundamental, mas não tudo. Já na abertura do livro, o colega da Facom, André Lemos, que escreve o Prefácio desse nosso livro, mostra isso com detalhes e será seguido por diversos outros autores em todos os demais capítulos da obra. Quando falamos em inclusão digital, queremos, em última análise, que toda a população tenha acesso pleno às tecnologias e às redes digitais enquanto cidadãos plenos e não como meros consumidores de informações e de tecnologias. 3 – Em sua opinião, quais são as principais políticas públicas brasileiras com foco na inclusão digital? O que precisa ser melhorado e o que parece estar seguindo um rumo adequado? O governo Dilma avançou quando levou para o Ministério das Comunicações a questão e criou uma secretaria especifica para a inclusão digital. Mas precisa avançar muito mais. Hoje o grande gargalo no país é o acesso à internet em banda larga. O plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que era nossa grande esperança de pôr o Estado brasileiro, de fato, tendo uma política indutiva que possibilitasse a todos o acesso à internet com qualidade de banda, terminou se constituindo num acordo com as operadoras de telecomunicações, e isso está deixando muito a desejar. Essa ainda é um enorme luta. Não podemos aceitar velocidades menores que 2 Mbps e estamos longe de atingir esse patamar. Precisamos de controle na qualidade do serviço oferecido pelas operadoras. Precisamos de um Estado forte atuando de forma indutiva nesse campo. Isso, em minha opinião, é uma questão de soberania nacional. Ou o país compreende que sem esse acesso pleno estaremos na rabeira da história ou continuaremos presentes no mundo contemporâneo de forma secundária, como meros consumidores de informações produtos e não como criadores. Mas isso não é tudo. Precisamos do Marco Civil da Internet muito bem definido, com garantias para a liberdade no ciberespaço. Temos que lutar com todas as nossas forças contra o que estamos denominando de AI5 Digital, que é o projeto de lei apresentado pelo ex-Senador Eduardo Azeredo, que impõe sérias restrições ao uso pleno da internet. São necessárias profundas mudanças na legislação do direito autoral e, nesse campo, finalmente, o Ministério da Cultura enviou à Casa Civil o projeto de reforma que já estava totalmente trabalhado com inúmeras audiências públicas, que geraram um texto com muitas conquistas conseguidas durante a gestão Gil/ Juca Ferreira, no governo Lula, e que estão sendo ameaçadas com o retrocesso do atual Ministério da Cultura. Portanto, vejam que não são poucas as políticas que temos que acompanhar, realizar muita pesquisa e ter uma postura ativista na defesa dos interesses dos brasileiros. 4 – Um dos capítulos de Inclusão digital: polêmica contemporânea aborda o projeto Tabuleiro Digital, coordenado pelo grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia. Em que consiste este projeto? Os “Tabuleiros Digitais” foram criados cerca de seis anos atrás com o objetivo de oferecer à comunidade da Faced, da UFBA e também à comunidade em geral, acesso fácil e livre à internet. Montamos uma estrutura que passou a ocupar os halls da Faced com computadores e com um diferencial fundamental: rodavam software livre, direto de um CD. Não usávamos disco rígido. Implantamos o projeto também no município de Irecê, onde a Faced desenvolve um grande projeto que inclui formação de professores, Ponto de Cultura, os Tabuleiros e um conjunto de outras ações, tudo integrado, constituindo aquele que a comunidade local denominou de “Espaço UFBA”. Buscamos com o projeto criar um móvel para a chamada Sociedade da Informação com a cara da Bahia e, por isso, a referência forte ao tabuleiro da baiana de acarajé. Ela está em toda praça e toda a esquina da Bahia e, além de oferecer os deliciosos acarajés, abarás e outras guloseimas da culinária de origem africana, é um marco, uma referência que cria um espaço de encontros e de informações. Isso é exatamente como queremos que seja o espaço de uma Faculdade de Educação, que seja o ciberespaço se ocupado por todos com igualdade de condições. Queríamos contribuir com o acesso e, com isso, favorecer uma maior participação cidadã de cada estudante ou morador que visitasse os nossos espaços. Mas foram e são muitos os problemas. O primeiro e mais grave é que tivemos o patrocínio da Petrobrás cortado depois do segundo ano do projeto, o que levou praticamente ao seu fim na Faced. Estamos em busca de captar recursos para a sua continuidade. Eu confesso que não entendo, e digo isso no livro já que é justo o capítulo que escrevi que trata do tema, que não entendo porque a UFBA não adotou o modelo dos Tabuleiros como sendo um projeto UFBA. Penso que seria uma oportunidade de se investir numa proposta que foi relativamente bem sucedida e, com isso, espalhar os Tabuleiros por toda a universidade. Coisas incompreensíveis, mas que… bom... É assim mesmo a vida na universidade! Recebemos muitos prêmios pelo projeto e isso nos indica que estávamos no caminho certo... Mas, claro, o projeto precisa ser atualizado e aperfeiçoado nesses tempos de mobilidade computacional. 5 – De que forma o uso de softwares livres pode auxiliar na luta pela inclusão digital, sobretudo em ambientes escolares? Totalmente... Claro que pode se fazer com softwares proprietários, mas a questão central aqui não é o software ser grátis ou não. Até porque, por uma estratégia terrível da indústria do software, eles estão praticamente doando-os para a educação, justo porque querem “domesticar” futuros usuários... O software livre trabalha e é construído em outra perspectiva. Uma ética de colaboração, de liberdade de acesso e da possibilidade de, se tivermos políticas públicas nesse sentido, fortalecer uma geração de programadores e de desenvolvedores, possibilitando a criação permanente. Mais do que isso, estando o espírito hacker – umbilicalmente ligado ao desenvolvimento do software livre – presente nos projetos, a ideia de compartilhamento, de colaboração, de generosidade, estaria presente de forma muito intensa. E isso é crucial para a educação. 6 – Quais são os planos para 2012? Algum projeto novo em andamento? Muitos... Muitos em andamento e outros a serem tocados. Um deles é o terceiro e último volume desta coleção, que deve tratar da mobilidade. Afinal, na Educação, as grandes políticas públicas falam em EAD, em Um Computador pro Aluno, em tablets para alunos e professores... enfim... muito a se pesquisar, publicar e atuar. Por outro lado, temos que dar andamento ao projeto RIPE - Rede de Intercâmbio de Produção Educativa, um projeto que foi financiado pela Fapesb e que busca fortalecer a produção colaborativa e descentralizada de imagens e sons para a educação básica. O projeto busca fortalecer professores e alunos para que eles possam ampliar as oportunidades de expressão de pontos de vista locais, criando condições para o exercício da cidadania. Nosso objetivo agora é colocar o sistema funcionando e articular com os sistemas de educação para podermos dar continuidade à implantação dos espaços de produção nas escolas com vista a alimentar a plataforma RIPE (www.ripe.ufba.br). Continuaremos com o projeto de formação dos professores para o UCA e com as pesquisas de software livre para a produção de vídeos, integrada no projeto “Memória em Vídeo da Educação na Bahia”, apoiado pelo CNPq, que já registrou depoimentos dos professores Iracy Picanço, Edvaldo Boaventura, Leda Jesuino, Dilza Atta, Roberto Santos e Amabilia Allmeida. Todos esses vídeos e seus derivados estão na página do projeto maior chamada “Ética Hacker” (www.eticahacker.faced.ufba.br) disponíveis para serem utilizados integralmente, em partes ou, o que mais nos interessa, que possam ser remixadas gerando mais vídeos, mais produtos culturais de forma a implantar o que denominamos de um circulo virtuoso de produção de conhecimentos e de culturas. 7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. A principal mensagem para os leitores da EDUFBA, neste momento, é a que precisamos fortalecer a nossa editora na sua política de democratização do acesso através da liberação dos conteúdos dos livros aqui produzidos. Queremos que esses livros possam ser comprados, pois é mais barato do que imprimi-los em impressoras caseiras, ao mesmo tempo em que possa ser lido livremente já que seu conteúdo está disponibilizado nos repositórios institucionais. Considero esse como sendo o papel de uma editora de uma universidade pública. Isto é, em ultima instância, a principal função da universidade pública.

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