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Nerivaldo Alves Araújo

 Neste mês de maio, a Edufba traz uma conversa com Nerivaldo Alves Araújo, autor do livro “Poética oral do samba de roda das margens do Velho Chico”. Na obra, o professor aproveita para analisar as representações, simbologias e os aspectos estruturais da lírica presentes nas cantigas de samba do grupo “É na pisada ê”, com o intuito de mostrar um retrato da riqueza e da pluralidade cultural das margens do Velho Chico, na região de Xique-Xique.

Nerivaldo Alves Araújo é doutor em Literatura e Cultura, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e mestre em Estudo de Linguagens (Linha 2: Literatura e Identidade Cultural), pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). É professor da UNEB, tendo atuado na área de literaturas, destacando-se a portuguesa, a afro-brasileira e a popular. Nesta área, também se concentram as suas pesquisas e estudos, com especial destaque para as narrativas orais e a poética oral das margens do Velho Chico.

Nesta edição do Espaço do Autor,  Nerivaldo destaca a importância da poética oral do samba de roda ribeirinho, abordando a sua importância na consolidação da memória e na manutenção das tradições ribeirinhas, além de contar sobre sua experiência durante a produção da análise.

1. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica.

A minha trajetória profissional na área de educação começou com a docência de Língua Portuguesa, Literatura e Redação em Escola Pública Municipal e Estadual e também particular há mais de 20 anos em Piritiba e cidades da região como Jacobina, por exemplo. Por muito tempo trabalhei na Coordenadoria de Ações Pedagógicas da 17ª. Diretoria Regional de Educação do Estado, quando, na oportunidade, eu pude coordenar e orientar o desenvolvimento de ações e projetos como “Um salto para o futuro”, “Projeto Vídeo Escola”, “TV Escola”, dentre outros. Fui também Secretário Municipal de Educação do Município de Piritiba entre 2002 a 2004. Nessa oportunidade, pudemos implantar um plano de carreira do magistério voltado para a valorização docente, inclusive com a oportunização e reconhecimento de cursos de graduação e de formação complementar. Ainda, atuei como vice-diretor de Escola Pública Estadual de Ensino Médio e Professor de Estágio. Em 2005, ingressei como docente na Universidade do Estado da Bahia, campus de Xique-Xique, no curso de Letras Vernáculas, trabalhando dentre outras, com disciplinas da área de Literatura e Cultura, tanto na graduação quanto na especialização em Estudos Linguísticos e Literários. Atualmente, estou lotado no campus I da UNEB, ministrando no Colegiado de Letras/Espanhol disciplinas da área de Leitura e Produção Textual e Literatura e Cultura. Também, desde fevereiro de 2016, atuo como vice-diretor e coordenador da área de preparação e revisão textual da Editora da UNEB, com atividades voltadas ao gerenciamento editorial, à produção, divulgação do livro.

A minha trajetória acadêmica começa – sem desprezar a formação de nível médio em Magistério e Técnico em Contabilidade – com a graduação em Letras/Língua Portuguesa e Literaturas no ano de 1998. Após a graduação, concluí duas especializações, uma em Planejamento e práticas de ensino e outra em Planejamento e gestão de sistemas de educação à distância. Em 2010, concluí mestrado em Estudo de Linguagens/UNEB na área de Literatura e Identidade Cultural. Em 2015, concluí doutorado em Literatura e Cultura/UFBA. Tanto no mestrado quanto no doutorado, trabalhei com temas voltados para a literatura, a cultura e a poética oral.

2. Como foi sua experiência em Xique-xique e sua relação com a comunidade local?

Em Xique-Xique, pude – como docente da UNEB da área de Literatura e Cultura, por meio dos discentes (alguns como orientandos) –, estabelecer uma relação mais próxima com a comunidade local durante a promoção e participação da UNEB em eventos culturais como “É vento de cultura”, “Semana de Letras”, “Xirê das Letras”, dentre outros. Em atividades como estas, a participação da comunidade com seus grupos de samba, de teatro, de contação de histórias, de música etc. foi de fundamental importância para o sucesso e atendimento dos propósitos dos eventos. Buscamos sempre, da melhor maneira possível, estabelecer uma relação de interação e parceria com a comunidade local, no meu caso, com atividades voltadas às práticas da cultura oral e popular ribeirinha, dando amplo espaço de divulgação e reconhecimento.

3. O que te levou a escolher a poética oral do samba de roda ribeirinho para uma análise acadêmica?

Por ser um gênero de notória expressividade dentro da cultura popular ribeirinha nas margens do Velho Chico. Sabe-se que a cultura popular tem, na poética, um dos seus gêneros de maior representatividade. O lirismo, a simbologia e a representação das cantigas do samba são capazes de pintar um retrato das identidades culturais, por fazerem emergir a memória, a tradição de um povo, de uma região. São práticas tradicionais que nos proporcionam conhecer a história e a pluralidade das culturas das margens do Velho Chico, a qual se constrói a partir dos diversos fios que compõem a rede da cultura nacional, dentre eles, o indígena, o português e o afrodescendente.

4. A palavra “margem” é carregada de duplo sentido em seu livro. O sentido literal e a marginalização da cultura ribeirinha. Em relação a isso, você enxerga o preconceito desta cultura dentro e fora da comunidade em relação à cultura eurocêntrica?

Sim, como sabemos, as práticas culturais que se afastam dos moldes hegemônicos eurocêntricos são obrigadas a conviver com esse processo de apagamento e subalternização, inclusive referendada pela ideologia do branqueamento e pelo afropessimismo, e instaurada pelo colonizador europeu. Ainda há certo olhar discriminatório para práticas culturais como esta das rodas de samba do grupo “É na pisada ê” (grupo estudado por mim nesta obra), principalmente pela sociedade que se ampara em valores da tradição do colonizador ratificada pelas igrejas. Até mesmo, no início do meu estudo, havia resistência dos integrantes mais jovens quanto à integração e participação nas rodas de samba. Contudo, atualmente, houve uma reversão de valores e todas as gerações de participantes sentem-se orgulhosos por integrar o grupo e já participam de todas as atividades. A sociedade tem reconhecido a importância dessas atividades para a história e formação cultural da região. Ressalte-se que o respectivo grupo de samba, como também os narradores de histórias locais tem participado de programas de TV em rede nacional. Tem havido um movimento de valorização, proporcionando vez e voz a estas formas de expressão cultural da região. É uma cultura das “margens” do esquecimento, da subalternização, que parte das “margens” do Velho Chico rumo ao “centro” do reconhecimento e da valorização.

5. Como aconteceu a sua aproximação com o grupo de samba de roda “É na pisada ê”? Por que escolheu desenvolver a análise sobre o grupo?

Por meio de uma orientanda minha de um curso de pós-graduação que trabalhava com alguns aspectos da cultura do grupo “É na pisada ê”. A primeira vez que tive contato com o grupo foi em um evento de cultura promovido pela UNEB, no qual o grupo se apresentou. Na oportunidade, pude ouvir as cantigas e presenciar a apresentação da roda de samba, além de conversar com seus integrantes, saber um pouco mais da história do grupo, dentre outras análises. Fiquei encantado com a força do grupo ao expressar sua cultura, o qual tinha como líder, uma senhora que era deficiente visual, mas trazia na memória, todas as cantigas e os passos, coreografias das danças. Era uma espécie de griote, guardadora do samba, sua memória, sua tradição. Assim, fui recebido e acolhido no grupo com a maior boa vontade de todos. Ao final do estudo, já me sentia até um integrante, já sambava e cantava juntos.

6. Que outros elementos da cultura ribeirinha você gostaria de explorar no futuro?

As narrativas orais com suas histórias fantásticas e encantadoras. Há uma riqueza de personagens, cenários, acontecimentos. Tudo numa mistura de real com o imaginário e o fantástico, no qual o Rio São Francisco ora é cenário ora é personagem, chamado respeitosamente de Velho Chico por todos. Nesse universo fantástico, há histórias de cobras como a Serpente da Ilha do Miradouro, do Vapor Encantado, do Nego d’Água, da Mãe d’Água, do Minhocão, dentre outras. Assim, tenho a pretensão de fazer uma coletânea dessas narrativas em várias versões, pois até já tenho um estudo prévio com algumas histórias recolhidas. A riqueza cultural das comunidades ribeirinhas das margens do Velho Chico é um tesouro para ser descoberto. A viagem por entre as águas poético-culturais do Velho Chico enfeitiça qualquer navegante dos estudos culturais.

7. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

Eu vos convido a adentrar nas águas da poética oral das margens do Velho Chico para conhecer os seus encantos, fazendo uma leitura do meu livro “Poética oral das margens do Velho Chico”, pois

No Rio São Francisco

Tem duas coisinhas belas

Cabeça de curimatá

Beijinho de moça donzela

Contudo, além dessas duas coisinhas belas, há muitas outras belezas para serem contempladas, há muitas histórias para serem ouvidas enquanto as redes de pesca e suas redes literárias são tecidas pelos povos ribeirinhos:

Ô linha, linhava ô

Eu também sei linhar, ô linhava

Ô linha, linhava ô

Eu também sei linhar, ô linhava

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