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Normeide da Silva Rios

No dia 18 de abril é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil, dia do nascimento de Monteiro Lobato. Para celebrar esta data, criada em 2002 em homenagem ao escritor, o Espaço do Autor apresenta com exclusividade a entrevista concedida pela autora do livro Os caminhos da literatura infantojuvenil baiana: em sintonia com o leitor, Normeide da Silva Rios. A autora conta a sua trajetória acadêmica, fala sobre o processo de concepção da sua obra e o ensino da literatura nas escolas públicas da Bahia. Normeide da Silva Rios é mestre em Literatura e Diversidade Cultural e especialista em Estudos Literários, pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

Por Camila Fiuza

1-Fale um pouco da sua trajetória na universidade e do período que antecedeu sua escolha pelo curso de Pedagogia. Eu sou natural de uma pequena cidade do interior da Bahia, Várzea da Roça, e na década de 80 não havia por lá muitas opções de estudo. Em nível médio só havia o curso de Magistério. Então costumo brincar dizendo que o magistério se impôs na minha vida. Abracei a docência, aprendi a gostar, foi um amor construído aos poucos, juntamente com o aprendizado da profissão. Iniciei a carreira profissional antes mesmo de fazer um curso superior. Quando tive a oportunidade de ingressar na universidade, anos mais tarde, já estava cativada pela profissão de professora. Então cursar Pedagogia, mais do que uma escolha, foi um caminho natural, atrelado à busca pela qualificação profissional. Nessa época passei a morar em Feira de Santana e ingressei na Universidade Estadual de Feira de Santana em 1998. Concluí o curso em 2002 e saí com um desejo-semente: voltar para pesquisar sobre a literatura infantojuvenil baiana, que havia conhecido em uma disciplina do curso. Por esse motivo, decidi fazer a pós na área de Letras e, para isso, iniciei pela especialização com o objetivo de me apropriar de conceitos/conteúdos específicos dessa área. Assim, em 2006, fiz a especialização em Estudos Literários. Entre 2007 e 2009 dediquei-me ao mestrado em Literatura e Diversidade Cultural. A formação inicial em Pedagogia e a atuação em sala de aula nos anos iniciais do ensino fundamental possibilitaram que eu transitasse pelas duas áreas, Literatura e Educação, estabelecendo uma relação dialógica, de troca, interdisciplinar, o que trouxe grandes contribuições tanto para a minha pesquisa como para a minha prática pedagógica.   2-Quem são as suas referências na literatura brasileira? Não posso falar dessas referências sem buscar a tessitura do meu percurso de leitora. Leio desde menina, começando pelas histórias “lidas com os ouvidos” e que me chegavam através da voz mansa e doce de minha tia Lia, passando pelos textos insípidos dos meus livros didáticos da infância (e que, ávida por leitura como eu sempre fui, me pareciam maravilhosos), até os gibis, almanaques e livros que chegavam a mim através de várias mãos. No lastro da minha trajetória com a leitura estão os clássicos dos contos de fadas, os gibis da Disney e de Maurício de Souza, os livros de Monteiro Lobato, os romances ditos ‘açucarados’ e, mais tarde, a literatura clássica brasileira. Hoje, adulta, não perdi o contato com a produção infantojuvenil. Não apenas devido à minha atuação profissional com crianças e professores das séries iniciais, mas pelo prazer e encantamento que essa literatura proporciona. Autores como Ana Maria Machado, Celso Sisto, Ruth Rocha, Luís Pimentel, Ricardo Azevedo, Gláucia Lemos, Cyro de Mattos, Elias José, Eva Furnari, Marina Colasanti, Roseana Murray e tantos outros, produzem obras que seduzem pequenos e grandes. Para quem lê desde menina é difícil citar algumas referências literárias dentre os tantos fios da tessitura leitora. Poderia falar da admiração sempre renovada pelas obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Sonia Coutinho, Antonio Torres, João Ubaldo Ribeiro, Fernando Sabino, Aleilton Fonseca, Mario Quintana, Manuel de Barros, Roberval Pereyr, Manuel Bandeira, Ruy Espinheira Filho, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, José Inácio Vieira de Melo, Adélia Prado e, especialmente, de Clarice Lispector.   3-Quando começou seu interesse pela literatura? Quais fatores influenciaram sua decisão? Meu interesse pela literatura como objeto de estudo teve início na graduação em Pedagogia. Ao fazer a disciplina Literatura Infantil conheci o livro infantil Bié doente do pé, do escritor baiano Luís Pimentel. Até aquele momento não havia tido contato com produções literárias infantojuvenis de autores baianos e fiquei fascinada pela qualidade do texto. Comecei a buscar outras produções baianas em bibliotecas e nos acervos das escolas onde atuava, sem sucesso. Esse fato lançou o germe inicial de um questionamento que cresceu gradativamente: tendo obras de qualidade como aquela, por que a literatura infantojuvenil baiana não circulava com visibilidade? Nacionalmente, e mesmo regionalmente, percebe-se maior evidência de obras de escritores do sul-sudeste e pouca visibilidade de escritores do norte-nordeste. E foi com o objetivo de mapear essa produção, conhecer suas principais tendências e características e comprovar sua qualidade estética que decidi pesquisar a literatura infantojuvenil baiana.   4-Como foi o processo de criação dessa obra? Quanto tempo durou a sua concepção? Foi uma pesquisa longa e difícil de realizar devido à escassez de fontes de informações e aporte bibliográfico. Não apenas a literatura infantojuvenil prescinde de estudos anteriores, como a própria área é nova enquanto objeto de estudo. Só recentemente, há poucas décadas, a produção literária para crianças e jovens começou a interessar os meios acadêmicos. O levantamento bibliográfico das produções baianas foi um trabalho muito difícil, um processo de garimpagem. Como não há estudos anteriores, os nomes de escritores e obras encontravam-se dispersos, sendo que a única fonte mais substancial encontrada foi o Dicionário crítico de literatura infantil e juvenil, da pesquisadora Nelly Novaes Coelho. A limitação estava no fato de só constarem no Dicionário dezoito escritores e breve análise crítica, ou pequeno resumo, de livros publicados até 1990. Enquanto essa etapa da pesquisa era desenvolvida passei a outra, que se mostrou mais difícil ainda: o acesso aos livros mapeados. A insignificante quantidade de obras encontradas nas bibliotecas da cidade me conduziu aos sebos e livrarias virtuais e outra garimpagem foi iniciada. Essas duas etapas tomaram grande parte do tempo destinado à pesquisa. O objetivo, inicialmente, era mapear os escritores baianos de literatura infanto-juvenil a partir de 1970 - por ser este o período considerado pelos estudiosos da área como aquele em que a literatura para crianças e jovens começou a apresentar qualidade estética - e estudar a totalidade de suas produções. Até aí, baseando-me na observação da ausência de produção baiana nos acervos aos quais tinha acesso, acreditava que existissem poucos autores e obras. No decorrer das buscas, contudo, o número de escritores foi crescendo e a quantidade de obras editadas aumentava sempre, o que apontou para a impossibilidade de estudá-las em sua totalidade. Assim, os objetivos iniciais sofreram alterações e o livro Os caminhos da literatura infantojuvenil baiana, além mapear todas as produções localizadas e de apresentar um panorama com as suas principais tendências, que permite visualizar o perfil dessa literatura, também traz a análise de um conjunto de narrativas a fim de comprovar a qualidade literária da produção baiana. A análise das obras foi realizada a partir de uma abordagem que considera o compromisso assumido com o receptor, criança e jovem, por meio das relações estabelecidas entre texto e leitor. O percurso por um caminho totalmente inexplorado, como é o caso da literatura infanto-juvenil baiana, apresenta, pelo menos, duas facetas. Por um lado, a ausência de aporte bibliográfico que constitua aparato teórico-crítico específico para enriquecer as discussões fomentadas. Devido a essa limitação, busquei apoiar minha pesquisa em bibliografia compatível que dialoga com a temática abordada. Por outro lado, o ineditismo do estudo torna-se favorável por propiciar a inauguração de um campo novo, instaurando novas perspectivas e abrindo possibilidades de abordagens futuras pelo olhar de outros pesquisadores.   5-Para quem você recomendaria a leitura do livro Os Caminhos da Literatura infantojuvenil Baiana? É um livro que dialoga com a pedagogia e a literatura. Embora o ponto de partida, ou principal objetivo, seja o estudo da literatura infantojuvenil baiana, ele não se limita a isso. A primeira parte traz uma discussão em torno da qualidade do livro para crianças e jovens e da relação entre obra e leitor. Esses são aspectos importantes para as reflexões sobre formação do leitor literário. O livro apresenta também o percurso histórico da literatura infantojuvenil, incluindo as produções baianas, e a análise crítico-literária de narrativas de escritores baianos. Assim, é uma leitura recomendada para pesquisadores das duas áreas citadas, para estudantes dos cursos de Letras e Pedagogia, para professores das séries iniciais e finais do ensino fundamental e para promotores de leitura.   6-Em sua opinião, de que modo esta obra auxilia na discussão sobre a contribuição da literatura infantojuvenil para o ensino na Bahia? Considero que, por ser o espaço privilegiado de circulação da cultura letrada, uma das principais funções da escola é a formação do leitor. As práticas de leitura desenvolvidas nas escolas exercem grande influência sobre o tipo de relação que o leitor terá com o texto, muitas vezes sendo determinantes para conquistá-lo ou afastá-lo do livro – e, ainda, favorecendo ou dificultando a formação de um leitor crítico e questionador. O meu livro traz uma reflexão sobre a literatura infantojuvenil contemporânea que, sendo aberta e polissêmica, não se presta mais à função utilitária e pragmática que marcou historicamente a sua relação com a escola. O texto precisa ser lido e discutido/analisado em sua condição literária e estética, possibilitando ao leitor vivenciar experiências que enriqueçam o seu próprio viver e ampliar a sua visão de mundo. É preciso ressignificar o espaço da literatura infantojuvenil no contexto escolar. O texto literário propicia ao leitor a vivência de experiências de leitura que extrapolam a simples decodificação do signo linguístico e o transporta ao universo ficcional, onde ele poderá experimentar outras realidades e produzir sentidos. Tudo isso envolto no clima de prazer e fruição proporcionado pela linguagem artística. Ao se identificar com personagens, enredos e temáticas, ao vivenciar experiências diferentes do seu cotidiano, ao estabelecer uma relação dialógica e interativa com o texto, o leitor finaliza a leitura transformado, capaz de repensar o real, de ampliar sua visão, de reelaborar sua interpretação do mundo. O professor, na condição de leitor mais experiente, tem a função primordial de inserir e conduzir o aluno pelo universo literário. Essa inserção só acontece quando o texto literário é lido e discutido efetivamente como literário, já que este é um objeto de arte com características específicas originadas da experiência criadora – dotado de grande carga simbólica, subjetiva e metafórica. Acredito que o professor, ou outro formador de leitor (pais, avós, tios), precisa não apenas gostar de ler, mas também conhecer sobre os livros que lê ou indica. E, mais importante, precisa ler ou indicar livros de qualidade para as crianças. E esta obra traz grandes contribuições nesse sentido, na medida em que orienta o olhar para a qualidade literária dos livros infantojuvenis, especialmente no que se refere aos elementos da narrativa que convocam o leitor a interagir com o texto no momento da leitura.   7-Existem outros projetos em andamento? Quais são? Além de me dedicar à produção literária de um livro de contos e outro de poemas, estou me preparando para a seleção de doutorado que farei ainda este ano. Pretendo dar continuidade à pesquisa sobre literatura infantojuvenil. Atendendo a solicitação de algumas pessoas que leram o meu livro, estou elaborando um catálogo da literatura infantojuvenil baiana, com a biografia dos autores e resumo comentado das obras.   8-Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba. Leiam para as crianças. Leiam com as crianças e jovens. Instiguem, conversem sobre os livros lidos. E estimulem a leitura desde cedo, oferecendo e deixando à disposição obras de qualidade. Ah, claro, convido-os para trilhar Os caminhos da literatura infantojuvenil baiana e desvendar suas belas e diversificadas paisagens. É um livro que, além de todos os aspectos apresentados ao longo da entrevista, contribui para ampliar os conhecimentos de qualquer leitor sobre a Bahia em uma de suas nuanças: a produção literária. Quero parabenizar a EDUFBA pelo grande incentivo aos pesquisadores com a edição das obras. Agradeço pela publicação do meu livro e pela oportunidade de divulgar uma pesquisa inédita que pretende começar a preencher a lacuna decorrente da falta de estudos sobre a literatura infantojuvenil baiana.

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