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Ordep José Trindade Serra

Ainda em comemoração às Festas Juninas, o Espaço do Autor deste mês de julho traz uma conversa com Ordep José Trindade Serra, autor de diversos livros, entre eles, “Rumores de Festa: O sagrado e o profano na Bahia” e “O encantamento de sua santidade: Cancão de fogo”. Os livros tratam do cambiante movimento das festas populares baianas, um fenômeno que hoje suscita interesse de estudiosos e do público em geral.

Graduado em Letras pela UNB, Mestre em Antropologia Social pela UNB e Doutor em Antropologia pela USP, Ordep é professor aposentado do Departamento de Antropologia da FFCH / UFBA. Professor Participante do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA, de que foi um dos fundadores e o primeiro coordenador. Membro da Associação Brasileira de Antropologia, da SBPC, da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia e Presidente de sua Câmara de Patrimônio. Além disso é tradutor de textos científicos e literários e escritor premiado três vezes em concursos nacionais de literatura, com obras de ficção (conto, novela).

Ordep se dedicou aos estudos da Antropologia Simbólica, Estudo Antropológico de Rituais, Antropologia da Religião, Antropologia do Folclore, Carnaval, Festas de Largo, Sagrado e Profano e Samba de roda. Na entrevista, o autor abordou, entre outros temas, a importância de se estudar as manifestações culturais no Brasil. Confira a entrevista completa.

1. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica.

Eu me graduei na Universidade de Brasília, como Bacharel em Letras, e mais tarde fiz lá o mestrado em Antropologia Social. Foi também na UnB que iniciei minha carreira docente, ensinando Língua Grega a alunos de graduação e pós-graduação. Mais tarde ensinei Língua Portuguesa e Filosofia na Faculdade Católica de Ciências Humanas de Taguatinga. Realizei pesquisas etnográficas na Bahia, no Pará, em Alagoas, em Minas Gerais e em Mato Grosso (no Parque Indígena do Xingu). Depois do mestrado, vim para Salvador e trabalhei na Secretaria de Planejamento da PMS, coordenando dois importantes projetos, voltados para o mapeamento do artesanato baiano e para o inventário de monumentos religiosos negros da Bahia. Através de concurso, entrei para a Universidade Federal da Bahia, ligando-me, primeiro, ao Departamento de Sociologia e depois ao de Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, em que permaneci até aposentar-me. Fiz meu doutorado em Antropologia na USP, sendo aprovado com distinção e louvor, e estagiei no Centre Louis Gernet da École de Hautes Études en Sciences Sociales. Fui por quatro vezes Chefe do Departamento de Antropologia da FFCH. Na última delas, instalei o Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA (PPGA/UFBA). Fui professor permanente deste Programa e seu primeiro coordenador, cargo que abandonei com menos de um mês para tornar-me Pró-Reitor de Extensão da UFBA. Antes disso, fui Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Fui também professor participante no Programa de Pós Gradução em Ciências da Saúde. Hoje estou aposentado, mas continuo ligado ao PPGA/UFBA. Realizei pesquisas sobre cultos afrobrasileiros, mitologia xinguana, artesanato, etnobotânica, curadores do oeste de Minas Gerais, operários de Tucuruí, questões raciais e de etnicidade. Integrei uma equipe que empreendeu um programa de pesquisas multidisciplinares sobre a Baía de Todos os Santos e sua população. Também realizei pesquisas de natureza histórico-crítica e filológica sobre temas relacionados com a Antiguidade Clássica. Tenho um bom número de artigos publicados em periódicos especializados em Ciências Humanas, Literatura, Filosofia. Publico regularmente em sites dedicados a assuntos culturais. Tenho pós-doutorado em Literatura e Cultura. Sou membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e da SBPC. Como escritor, fui quatro vezes premiado por obras de ficção. Fui eleito por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, onde ocupo a cadeira 27 e sou, atualmente, seu Segundo Secretário. Coordeno nessa Casa o Programa “Relendo pensadores baianos”, que concebi e instaurei. Fui Diretor do IPAC e Presidente da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Integrei o Conselho de Cultura do Estado da Bahia e presidi sua Câmara de Patrimônio. Publiquei dez livros de ensaios de minha autoria exclusiva e sou autor de capítulos em dezessete outras obras ensaísticas. Traduzi seis livros centíficos relacionados com a cultura greco-romana. Traduzi também (do grego antigo) quatro grandes obras clássicas, com ensaios e comentários aos textos. Fiz a primeira tradução para a língua portuguesa dos Hinos Órficos. Publiquei, até o momento, quatro obras de ficção e um livro com dois poemas de cordel, um dos quais foi levado à cena no Tatro Vila Velha pelo diretor Carlos Gregório. Tive um oratório (“Descrição do Martírio”) musicado por Milton Gomes e fiz a letra de duas canções musicada por Roberto Mendes. Coordeno o Movimento Vozes de Salvador e participo do Fórum “A Cidade Também É Nossa”, que já coordenei. Junto com o Professor Júlio Rocha, coordenei dois congressos internacionais sobre Direito de Povos e Comunidades Tradicionais. Devo iniciar em breve um pós-doutorado em filosofia. Tenho dois livros no prelo.

2. Como surgiu seu interesse em estudar as manifestações culturais e suas relações com as festas populares na Bahia?

Sou baiano e sou antropólogo. Nasci em Cachoeira, no Recôncavo, e vivi parte da minha juventude em Salvador. Também andei pelo sertão e pela Chapada Diamantina. Principalmente em Salvador e no Recôncavo, as festas populares são exuberantes e compõem ciclos muito ricos, vibrantes e significativos. Eu as vivenciei — desde criança, praticamente. As transformações por que passaram essas festas me chamaram a atenção. Encontrei na antropologia recursos teóricos e metodológicos com que abordá-las.

3. Quais as possíveis repercussões dos estudos sobre manifestações culturais nas festas populares?

Essas festas têm a ver com o estilo de vida, o modo de sentir e pensar das populações que as promovem. Têm um significado rico e revelam muita coisa a respeito da sociedade em que ocorrem. Afetam a economia, a política, a educação. Têm a ver com religião, sexualidade, vários domínios do comportamento.

4. Você acredita que os estudos sobre esse tema “sofrem” uma carência de abordagem? Por qual motivo?

O número e a qualidade dos estudos sobre nossas festas populares têm aumentado nos útimos anos. Historiadores, sociólogos e antropólogos lhes têm dedicado maior atenção. Mas a complexidade do assunto é tal que torna ainda insuficientes esses estudos. Seria desejável um mapeamento da nossa heortologia e um levantamento mais sistemático do repertório simbólico (musical, imagético, coreográfico) mobilizado nessas festividades.

5. O que o levou a escolher o cordel como recurso para contar a história de Cancão de Fogo?

Cancão de Fogo é um antigo personagem do cordel, um modelo de trickster humano, como Pedro Malasartes ou Till Eulenspiegel, talvez ainda mais desaforado e simpático do que eles, com certeza muito mais inteligente. Seu nome se inspira no de um pássaro: o cancão é uma espécie de pega, passarinho danado de bonito e esperto. Nosso povo imaginou um cancão fogoso: vejam se não é uma linda ideia. Gosto do tipo trickster, do imprevisível malandro, rico em artifícios, manhas e burlas. Eu transformei Cancão de Fogo em santo. O que há de mais novo no meu cordel é justamente a “canonização” do personagem, a criação de uma aventura em que ele chega ao céu, fazendo muita bagunça. No livrinho, conto também a história dos amores bizarros de uma gringa assanhada que vem à Bahia com o marido celebrar suas bodas de maneira pouco ortodoxa. Foi este segundo cordel que se tornou peça de teatro.

6. Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba.

Gente, o cordel é um gênero literário muito rico. Deve ser tratado com respeito. Eu me dedico ao cordel com o mesmo empenho com que traduzo hinos e tragédias gregas, ou me atrevo ao conto, ao romance, ao poema lírico, ao ensaio. Que o santo Cancão de Fogo os ilumine, divirta e proteja do triste obscurantismo em que o Brasil mergulhou.

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