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Renata Pitombo

Edufba: É um prazer tê-la conosco na nossa seção Diálogos. Fale um pouco sobre a sua
vida e trajetórias acadêmica e profissional.
 
Renata: Exemplo de dedicação e comprometimento profissional, minha mãe, Socorro Pitombo, foi a
grande inspiração para o Jornalismo. Frequentando quase diariamente uma redação de
jornal, fui aos poucos me apaixonando por aquele universo: seus desafios, suas
descobertas, suas responsabilidades. Entendi, desde muito cedo, que os jornalistas tinham
um compromisso com o outro e com a comunidade. A moda, por sua vez, estabelece um
vínculo comunicativo primordial, pois define a maneira como nos apresentamos ao mundo e
como somos acolhidos nos processos de interação social.
Minha formação acadêmica, incluindo o mestrado e o doutorado, consolidou o
entrelaçamento entre as duas áreas: o Jornalismo e a moda. Na minha trajetória intelectual,
sempre focalizei a atenção sobre a dimensão comportamental da moda, entendendo o
vestuário como extensão corporal que atua reconfigurando hábitos e diversificando a
dinâmica de inscrição social. Escolhi o mundo da docência, incorporando, sobretudo, a
sociologia compreensiva e a estética filosófica e seus desdobramentos no campo da
comunicação, tendo sempre a moda como campo de investigação.
No cenário que se descortina, a imagem corporal e a imagem de moda, impulsionadas pela
mídia, assumem um protagonismo e se apresentam como dispositivos de narrativas de si.
Defendo, assim, a importância da vestimenta e do corpo vestido na conformação de novas
belezas e de políticas corporais de afirmação. Reafirmo, desse modo, minha inscrição nos
campos da moda e da comunicação, perpassados pela cultura e pela arte, e agradeço as
inúmeras partilhas até aqui efetivadas.
 
Edufba: O seu livro “Moda e Crítica: prazer, julgamento e avaliação” tem a observação,
reflexão e exercício da crítica de moda como objetivos centrais. Explique brevemente o
tema para que seus leitores e leitoras tenham uma ideia do conteúdo da sua obra.
 
Renata: Como sabemos, a moda e toda a composição da nossa aparência, suscita uma reflexão
sobre o gosto, fazendo-nos refletir sobre as noções do belo e do feio para legitimar nossas
escolhas. Acho importante, desse modo, compreender que o gosto não é apenas uma
questão pessoal, mas que muitas das nossas escolhas estão respaldadas numa
coletividade (há uma correspondência entre os juízos de gosto) e a moda exibe, de forma
exemplar, os desejos comuns (apoiados em matrizes valorativas).  Falar de crítica de moda
é justamente procurar compreender esses desejos comuns, partilhados por uma
comunidade; compreender como determinados apelos e estratégias de configuração dos
produtos de moda respondem a certas expectativas e encontram-se sintonizados com
valores que circulam em uma sociedade. Além disso, acho importante o exercício da crítica
de moda e é isto que trago na segunda parte do livro. Uma experiência pessoal de escrita
de textos críticos sobre fenômenos da moda; os referidos textos foram publicados
mensalmente no Portal A Tarde, na coluna Pensando Moda. Foi uma experiência incrível e
tive um excelente retorno do público leitor.
 
Edufba: A obra afirma uma busca por convergir a paixão pela moda, a necessidade de
legitimá-la enquanto campo e a vontade de esclarecimento sobre sua crítica. De onde
surgiu o interesse em construir uma obra sobre essa temática?
 
Renata: Acredito que a moda tem exercido um papel extremamente importante na modelação
corporal e na apresentação de cada um de nós, constituindo-se como um elemento
indispensável na conformação da subjetividade das pessoas e também interferindo nos
processos de aceitação e de pertencimento do indivíduo na sociedade. A vestimenta é um
grande propulsor e testemunho das autodescobertas e autoplasmações de si ao longo do
nosso percurso, descortinando novos perfis de nós mesmos. Nesse sentido, acho
importante se debruçar sobre a moda, o seu processo produtivo e os fluxos de consumo;
refletir sobre como um gosto coletivo se legitima. E a partir daí nasceu o desejo pensar
sobre a crítica de moda, uma vez que verificamos que existe uma escassez de reflexão
sobre essa temática. 
 
Edufba: De que forma você avalia o campo da moda no Brasil em seu livro?
 
Renata: O campo da moda é extremamente criativo e cheio de potencialidades. Mas a crítica de
moda no Brasil é quase inexistente. A prática do jornalismo de moda no Brasil tem se
exercido negligenciando o aspecto avaliativo das coleções de moda e suas inter-relações;
os textos de moda ou são meramente descritivos ou excedem em opinião pessoal. Os
próprios criadores, por sua vez, têm uma intolerância muito grande aos comentários críticos
que apontam aspectos negativos numa coleção. Nesta condição, cada um dos lados se
reforça e o campo da crítica se enfraquece. Para o designer e consultor de moda Eduardo
Motta (2013), a ausência da crítica impede o amadurecimento da moda como atividade e
sua evolução enquanto forma de expressão.
 
Edufba: Na sua percepção, como a crítica no jornalismo de moda interfere na construção
do gosto do público e na criação de tendências?
 
Renata: O que se espera de um texto crítico é uma atitude avaliativa que seja capaz de qualificar o
produto, uma coleção de moda, por exemplo, evidenciando seus aspectos configurativos
(materiais utilizados), sua coerência interna, os aspectos de inovação que ela traz,  o
próprio contexto em que está inserida. Como afirma o filósofo americano John Dewey 
(2010, p.  548),  o papel da crítica é procurar revelar a unidade entre a matéria e a forma,
promovendo um olhar criterioso sobre o produto. "A função da crítica é reeducar a
percepção das obras de arte"; ela busca um reconhecimento da unidade estética. A partir
daí, o crítico oferece ao leitor a possibilidade de concordar ou não. Mas todo um percurso
de percepção e de apreensão da obra, do produto, foi apresentado ao
espectador/consumidor. Para o criador é uma fonte muito rica para que possa reinterpretar
sua própria produção, aprendendo a ver e a ouvir e, consequentemente, a refinar cada vez
mais seu processo criativo. A validação de um produto confirma expectativas e reforça
valores e escolhas e o crítico cumpre o importante papel de ratificar o êxito de um produto.
De todo modo, somente com a cumplicidade e o apoio do consumidor um produto é capaz
de se transformar numa tendência e esse mecanismo viral se efetiva, provavelmente, pelos
laços de identificação que as pessoas poderão estabelecer umas com as outras, a partir do
 
momento em que se reconhecem, em função do uso de uma determinada peça. Assim, a
importância dos processos miméticos se reforça com força total. 
 
Edufba: Finalizando a nossa entrevista, que mensagem gostaria de deixar para os seus
leitores e leitoras?
 
Renata: Acreditem na potência da aparência. Compreendam, de forma crítica, como a moda se
inscreve na vida cotidiana de cada um de nós, contribuindo para a constituição dos nossos
processos identitários e na modulação das nossas interações sociais. E percebam, de modo
cada vez mais intenso, o papel ​​da vestimenta e da composição da aparência na
constituição do nosso ser, atestando que o corpo vestido nos torna capaz de habitar o
mundo.

Moda e Crítica: prazer, julgamento e avaliação

A observação, reflexão e exercício da crítica de moda são os objetivos centrais deste livro, que parte da crença de que a moda não é um fenômeno banal e, por isso mesmo, solicita reconhecimento e, consequentemente, avaliação. Completamente atravessada pelas noções do belo, do feio e do sublime, a moda é um campo, por excelência, que suscita o exercício do gosto, e, portanto, fomenta a crítica. Nesse sentido, o livro contribui para pesquisadores e pesquisadoras de diversos campos como o jornalismo, a moda e a cultura visual.

 

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