Ricardo Sizilio
Edufba: É um prazer tê-lo em nossa seção Diálogos. Conte um pouco sobre a sua vida e trajetórias acadêmica e profissional.
Ricardo Sizilio: Apesar de ter nascido em São Paulo, sou baiano de Alagoinhas. E foi lá que iniciei minha trajetória acadêmica, cursando História na Uneb. Após me formar, fui professor substituto em uma escola federal, em Salvador. Com o fim do contrato e após uma breve passagem na iniciativa privada, retornei à vida acadêmica ingressando no mestrado e, atualmente, no doutorado em História na UFBA, além de ter cursado uma especialização em Direitos Humanos também pela UFBA.
Edufba: O seu livro “Bahia: política e sociedade (1930-1940)” é uma coletânea historiográfica que aborda a sociedade e a economia baiana da época por um viés primordialmente político. Poderia explicar para seus leitores e leitoras o que motivou esse recorte temporal da história da Bahia?
RS: Por dois motivos, principalmente. O primeiro porque as décadas de 1930 e 1940 têm como algumas de suas características mais preponderantes as diversas transformações na estrutura da sociedade, as mudanças de protagonismo dos agentes políticos, além das demandas e conquistas dos trabalhadores, tanto na Bahia quanto no Brasil. Por isso, se debruçar e compreender essas questões ainda são bastante importantes, tendo a perspectiva de que a política interfere no cotidiano de todos. Ao mesmo tempo, não há uma grande quantidade de obras voltadas para esse período na Bahia, a não ser textos com conteúdo mais específico, que, em geral, contêm análises mais direcionadas para Salvador. Isso tudo me motivou a organizar essa coletânea, porque assim o leitor pode, em apenas uma obra, compreender diversos aspectos da sociedade, da economia e da política baiana, na capital e no interior do estado, em um período muito importante da história da Bahia e do Brasil.
Edufba: O período abordado no livro (1930-1940) também é reconhecido pelas transformações geradas na sociedade brasileira com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Das grandes mudanças surgidas na sociedade baiana a partir desse acontecimento político pontuadas em seu livro, existe alguma que mereça destaque?
RS: Destaco todas as mudanças que estão nos artigos que compõem o livro, porque, de alguma forma, se completam. Foi nesse período, por exemplo, que o Partido Comunista se consolidou na Bahia, já tendo uma trajetória de luta e perseguições, principalmente no interior do estado. Do lado oposto, os integralistas apareceram e se tornaram um movimento forte. Também há discussão sobre transformações na economia, levadas a cabo por Juraci Magalhães, que chegou ao estado como interventor e se tornou um dos principais nomes da história da política baiana. Além disso, o leitor encontrará abordagem de como os processos migratórios interferiram nas relações sociais no estado; como a carestia e o alto custo de vida impactavam na vida da população; ou mesmo, como as mulheres se inseriam e interferiam na política. Esses são alguns dos destaques do livro, que ainda aborda aspectos da política no interior do estado e como as comemorações cívicas podem ser usadas pela política. É por isso que, diante da diversidade de abordagens feitas por pesquisadores tão qualificados, não há como fazer um destaque.
Edufba: Um dos temas abordados em “Bahia: política e sociedade (1930-1940)” é a criação do Partido Comunista na Bahia, cujo conteúdo textual está relacionado com a sua obra "Vai, Carlos, ser Marighella na vida: outro olhar sobre os caminhos de Carlos Marighella na Bahia". De que forma o seu conhecimento sobre a vida política de Carlos Marighella se somou à realização desse seu novo livro?
RS: O conhecimento sobre a vida de Carlos Marighella foi essencial para a organização dessa obra. Afinal, foi a partir das pesquisas sobre ela que constatei que, ao contrário do que normalmente é escrito, foi apenas no início dos anos 1930 que o PCB se consolidou no estado, ainda que de forma muito incipiente, dentre tantos motivos, por causa das perseguições policiais. Isso serviu de impulso para organizar o livro, tendo em vista que os autores convidados, que defenderam suas pesquisas recentemente, lançam novos olhares sobre aquela sociedade, com temas inéditos, ou mesmo se contrapondo a uma historiografia já consolidada. Portanto, foi a partir da experiência com minhas pesquisas que percebi a pertinência de uma obra que possa contribuir com o conhecimento da história da Bahia sobre diversos aspectos.
Edufba: Por ser um ano de eleição, como o seu livro pode colaborar para que o(a) eleitor(a) vote com mais consciência política?
RS: O livro pode colaborar tendo em vista que, quanto maior conhecimento e criticidade sobre a sociedade e a política, ainda que em outro momento histórico, maiores são as chances de se fazer boas escolhas eleitorais. Por exemplo, o lema "Deus, pátria e família", tão usual nos últimos anos, já foi usado nos anos 1930 pelos integralistas, grupo de direita e conservador, um dos que deu suporte ao Governo de Getúlio Vargas, que acabou culminando na ditadura do Estado Novo. Nota-se que um pseudo nacionalismo exacerbado, a hiper valorização da família e da religião são artifícios que já foram usados por políticos a fim de conquistarem e/ou se manterem no poder. Outro exemplo é o fantasma da implantação do comunismo no Brasil, que efetivamente nunca existiu. Nunca houve qualquer possibilidade de os comunistas tomarem o poder, aliás, durante os anos 1930 e 1940, por exemplo, eles estavam lutando pelo reestabelecimento da democracia, buscando participar do processo eleitoral. Todavia, assim como nos anos 1930, esse falso fantasma continua sendo utilizado pela direita com finalidade eleitoreira, ainda que qualquer pessoa minimamente esclarecida saiba que esta possibilidade é absurda. É nesse sentido que o livro pode contribuir, afinal, apesar de os tempos históricos serem distintos, ao se conhecer certos artifícios que se repetem, é possível fazer escolhas eleitorais melhores.
Edufba: Finalizando a nossa entrevista, que mensagem gostaria de deixar para os seus leitores e leitoras?
RS: Inicialmente, agradecer o interesse pelo livro, fruto da dedicação de novos pesquisadores que buscam, por meio de seus estudos, contribuir com a historiografia baiana. Além de agradecer, convidar todos a fazerem leituras de obras que abordem a Bahia, afinal, a “Bahia tem um jeito”. E nisso a Edufba tem papel crucial, por ser uma editora extremamente comprometida com a difusão do nosso conhecimento. Para finalizar, como o livro trata das décadas de 1930 e 1940, lembrar que foi nesse período que ocorreu a ditadura de Vargas, anos sombrios da nossa história. Mas, como não há mal que sempre dure, ele acabou. Assim, desejo que dias melhores cheguem logo, trazendo consigo esperança e prosperidade, e que tenhamos saúde e altivez para gozar o que a vida tem de melhor.
Bahia: política e sociedade (1930-1940)
A coletânea é composta por artigos que analisam indivíduos, atores coletivos, homens e mulheres, sob suas condições de classe, raça e gênero que marcaram os horizontes de meados do século XX. Possui um recorte de natureza primordialmente política, sem descuidar da economia e da vida cotidiana. Ao longo da leitura, são abordados temas como: militantes de esquerda, líderes políticos de traços oligárquicos e autoritários, populações em deslocamento, gente com fome, protagonistas negros ocupando espaços nos partidos dos grupos dirigentes locais, mulheres combativas lançando mão da prosa e da poesia e utopias acerca do passado, presente e futuro.
Vai, Carlos, ser Marighella na vida: outro olhar sobre os caminhos de Carlos Marighella na Bahia
O tema principal do livro é o político e militante comunista baiano Carlos Marighella. O maior desafio da obra é o conjunto de mitos que foram engendrados em torno da figura estudada. A partir das biografias de Marighella e de outras fontes, o autor reconstrói parte da trajetória desse importante personagem da história política brasileira do século XX, fornecendo novas informações sobre a sua vida e revelando aspectos relevantes do contexto em que o comunista atuou.