Rô Reyes
Rô Reyes fala, nesta entrevista, sobre o processo de concepção da sua coleção Corpo, Convívio e Linguagem, que aborda os desafios da arte-educação no Brasil através de cinco escritos: O corpo tem seu lugar na escola; Desejo, lei e reciprocidade no convívio escolar; A via da arte dramática na escola; Reflexões sobre sexualidade e agressividade na escola; e Para onde nos tem levado a via da arte? Fundadora do Instituto Cultural Casa Via Magia, Rô Reyes é mestre pela Goddard College Graduate Program (Cambridge, EUA), doutoranda em Arte-Educação pela Unicamp, mestre em Educação pela UFBA, licenciada em pedagogia, com formação em psicanálise. É autora, diretora e atriz de teatro, premiada por espetáculos infanto-juvenis. Foi fundadora do Instituto Cultural Casa Via Magia, assim como da Escola Casa Via Magia. Desenvolve projetos de formação de educadores junto a diversas universidades e secretarias públicas brasileiras.
Por Laryne Nascimento
01/09/2011
1 – Como foi o processo de escrita e concepção dos textos que compõem a coleção Corpo, Convívio e Linguagem? Esses textos foram escritos e reescritos durante a construção da proposta pedagógica da Casa Via Magia e trazem temáticas e inquietudes, com as quais fomos nos deparando ao longo das duas décadas iniciais de nossa escola. Na verdade, são frutos de experiências e reflexões não somente com as crianças e jovens, mas também com os adultos educadores e não somente com relação ao nosso espaço educativo, mas também na relação com outros espaços (como os das escolas públicas da rede municipal de Salvador e do interior do estado da Bahia) e projetos (como o interestadual “Parâmetros com Arte” do MEC) com os quais fomos estabelecendo parcerias e compartilhando aprendizados. 2 – Em suma, como é a prática pedagógica da Escola Casa Via Magia, que foi um dos pontos de partidas para a realização desta coleção? Trata-se de uma prática que vem se reinventando todo o tempo, que assume uma atitude investigativa do próprio processo, seus impasses e avanços, que tem múltiplas referências reflexivas, eleitas como apropriadas à complexidade de um fazer e refazer relacional e contínuo, de um viver-com. Concretamente, isso significa dedicar-se a acompanhar o aprender cotidiano, vivo e corpóreo dos diferentes grupos de crianças e às crianças individualmente também; momentos de livre brincar e momentos de imersão em estudos e eventos de longo prazo; abordagens multidisciplinares e exercícios práticos avulsos e/ou emergentes; debate de temas polêmicos e atuais; planejamentos diferenciados e pensados a cada novo projeto de trabalho; dar vez à relação fundamental de convívio e linguagem entre adultos, crianças e jovens, que pressupõe necessariamente o aprendizado interminável de todos os envolvidos, inclusive os pais. 3 – Como funciona o Instituto Cultural Casa Via Magia, do qual a senhora foi fundadora? É uma instituição sem fins de lucro, que reúne projetos nas áreas de educação, arte-educação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento social. Está incluída nesse trabalho, a capacitação contínua de jovens do nosso bairro, o Engenho Velho da Federação, assim como de jovens de municípios do interior de nosso estado, através do nosso “Ponto de Cultura”. O instituto vem desenvolvendo trabalhos em rede, em plano nacional e internacional, através dos quais articulou projetos como o Mercado Cultural, o Fórum Cultural Mundial, o Museu do Processo e o Me Conta – universidade livre dedicada a pequenos municípios no interior da Bahia. Tem tido parcerias várias, desde associações de moradores e agricultores até entidades públicas e privadas, do Brasil e do exterior. 4 – De que forma a coleção Corpo, Convívio e Linguagem pode contribuir para a formação de educadores e arte-educadores no Brasil? Penso que experiências como a nossa não servem como modelo, mas podem contribuir em duas direções. Para incentivar experiências que também busquem um caminho próprio, o que é uma escolha difícil, exigente, porém gratificante e humanizante. Nesse sentido, temos uma história a compartilhar, um testemunho a dar. Além disso, parece-me que pode somar-se à jornada comum de educadores e projetos educativos que tem trabalhado a favor do diálogo entre saberes e desses com os fazeres, sistematizados e não sistematizados, sensíveis e reflexivos; daqueles que estão percorrendo uma via conjunta e ampliada de ver e atuar no nosso tempo; do implicar-se em uma relação ética de cuidado e amorosidade que vincula todos os implicados em um processo educativo. 5 – Em sua opinião, como está o desenvolvimento da arte-educação no Brasil? Quais os maiores problemas na área? O que ainda precisa ser desenvolvido? Penso que a arte-educação sofre dos mesmos males da educação de um modo geral. Não se dá de fato prioridade à educação e isso é coerente com a idéia de que há outras questões anteriores a serem consideradas do ponto de vista social. A educação e mais ainda a arte-educação, está na fila de espera num modo de vida que prioriza o imediato e material, que é irresponsável com relação ao futuro e ao destino das relações humanas e delas para com o ambiente natural. Evidentemente, não faltam discursos e argumentações que afirmam o contrário. É o velho caminho ideológico que tenta tapar o sol com a peneira. Por outro lado, sempre há contradições e avanços e temos visto, nesse sentido, experiências que rompem a quase absoluta exclusividade das ciências nos currículos escolares, assim como uma maior valorização dos professores da educação básica, fundamentais para o processo de mudança na formação das crianças do nosso país. 6 – Há planos para a publicação de outros livros e textos na área? É provável que meu próximo livro seja uma versão revisitada da dissertação do meu mestrado na Faculdade de Educação da UFBA, que teve a orientação do educador e filósofo Dante Galleffi. “Entre áreas, atos e atores” remete-se ao papel do coordenador pedagógico na construção de uma ética dialógica na escola. Penso que pode ser muito oportuno publicá-lo agora, quando mais e mais educadores e pensadores da educação encontram no trabalho em equipe (deixado na prateleira em décadas dedicadas a discussões pedagógicas de certa forma tecnicistas) uma das possibilidades mais férteis para se enfrentar questões educacionais contemporâneas. 7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA. “Na história da humanidade (e dos animais também) aqueles que aprenderam a colaborar e improvisar foram os que prevaleceram.” Charles Darwin.