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Theresinha Guimarães Miranda

No Espaço do Autor de outubro, trazemos uma entrevista com Theresinha Guimarães Miranda, autora de quatro livros editados e publicados pela Edufba. Na edição desse mês, a autora fala sobre educação inclusiva- seu objeto de estudo por anos, e de como a sociedade está se organizando para atender as pessoas com deficiência, por meio de políticas públicas mais inclusivas, principalmente na área de Educação.

Theresinha é licenciada em Pedagogia pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL), mestra em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com doutorado sanduíche na Universidade Paris XIII e pós-doutorado na Universidade de Umeã, na Suécia. Além disso, a autora é professora associada da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e líder do grupo de pesquisa em Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais, cadastrado no Diretório de Pesquisa do CNPq.

Pela Edufba já publicou quatro títulos nos últimos sete anos. Em 2009, a autora publicou Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas, dois anos mais tarde, em 2011, lançou Educação especial em contexto inclusivo: ação e reflexão, um ano depois, escreveu O professor e a educação inclusiva: formação, práticas e lugares. A quarta colaboração entre Theresinha e a Editora aconteceu este ano, com o lançamento de seu mais novo trabalho Práticas de inclusão escolar: um diálogo multidisciplinar.

Por Pablo Santana

Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica. E de como surgiu o interesse em estudar educação inclusiva?

Iniciei minha atividade profissional como professora de séries iniciais, do Ensino de 1º grau, atual ensino Fundamental. Após concluir o ensino superior no curso de Pedagogia, com Habilitação em Orientação Educacional e Supervisão Escolar realizei Curso de Especialização de Supervisão em Orientação Educacional, em San Diego State University, na Califórnia, Estados Unidos. De volta, fui atuar como Orientadora Educacional, na Secretaria de Educação do Estado da Bahia, desenvolvendo a função de supervisora de Escolas Polivalentes e atividades de Orientação Profissional para estudantes da rede estadual de ensino.

Isso era na década de 80 em que a educação tinha um foco na formação profissional para atender a demanda do mercado de trabalho, e a figura do Orientador Educacional tinha um papel importante na formação dos alunos, para fazer uma opção profissional. Então, a atuação do Orientador voltava-se para a informação profissional e para desenvolvimento de uma consciência crítica do aluno, sobre o contexto social e sobre os limites e possibilidades da escolha profissional para o exercício de uma profissão.

A partir da Orientação Profissional fui convidada para realizar um seminário sobre o tema para estudantes cegos e eu não conhecia nada sobre a educação das pessoas com deficiência visual e naquela época não existia a facilidade da internet e dos sites de busca, como o google. Foi conversando com os profissionais da área e buscando na literatura, que aprendi na prática. Na literatura, só encontrei um capítulo do livro de Pierre Weil, intitulado “Relações Humanas na Família e no Trabalho” que tratava da Orientação Profissional para Deficientes (terminologia utilizada na época). Então, fui estabelecendo relações entre a orientação profissional para as pessoas sem deficiência e as necessidades e possibilidades das pessoas cegas.

Dessa situação, passei a me interessar pela Educação Especial, procurando uma formação específica, realizando mestrado, doutorado e pós-doutorado nessa área, e tenho pautado minhas atividades profissionais de ensino, pesquisa e extensão nessa direção, visando colaborar para a produção do conhecimento sobre o desenvolvimento, a aprendizagem e inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais, público-alvo da Educação Especial: pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotados.

No mês em que se comemoram o Dia do Deficiente Físico, como você avalia as políticas públicas de educação voltadas para atender esse público?

As entidades mundiais e nacionais da área esperam que com a criação do Dia da Pessoa com Deficiência, os países passem a comemorar a data, gerando conscientização, compromisso e ações que transformem a situação das pessoas com deficiência. O sucesso da iniciativa vai depender diretamente do envolvimento da comunidade da própria pessoa com deficiência que devem estabelecer estratégias para manter o tema em evidência.

O Brasil tem, nos últimos anos, avançado na promoção dos direitos das pessoas com deficiência por meio de políticas públicas que buscam a inclusão, valorizando a pessoa como cidadã, respeitando suas características e especificidades. A ordenação de ações políticas e econômicas procura garantir a universalização de políticas sociais e o respeito às diversidades, sejam elas étnico-raciais, geracionais, de gênero, de deficiência ou de qualquer outra natureza.

Atualmente, medidas legislativas definem o direito das pessoas com necessidades educativas especiais e permitem a sua inclusão em todos os espaços sociais. No entanto, é necessário refletir sobre as implicações dessa legislação e das políticas públicas de inclusão das pessoas que apresentam necessidades educativas especiais. A legislação existe, mas a inclusão baseia-se em fatores mais abrangentes do que somente os legislativos. Uma das questões centrais reside em tornar compatível a realidade heterogênea com as condições operacionais e com as características da sociedade que ainda fundamentam suas práticas em modelos que não estão preparados para trabalhar a diversidade e a diferença.

As políticas públicas para a educação especial numa perspectiva inclusiva atendem as diversas áreas de necessidades do seu público-alvo e são bem amplas e avançadas, porém o que se constata é uma falta de articulação entre elas, bem como a distância dessas políticas e as condições reais para a sua implementação. Por exemplo, as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores são omissas quanto as exigências para a qualificação do professor atuar com o aluno da educação especial. Daí o professor sente-se despreparado e angustiado para o desenvolvimento de sua prática pedagógica. Outros exemplos poderiam ser mencionados, como a exigência do interprete de Libras – Língua Brasileira de Sinais e ausência de uma política para a formação desse profissional e para a criação de cargo nos sistemas públicos para a contratação do profissional. Para minimizar essas lacunas medidas precárias e pontuais são tomadas, mas que não resolvem a situação.

Logo, a política educacional, por si só, não promove o atendimento adequado da população da educação especial, conforme mencionado, outros fatores interferem e dificultam ou favorecem o sucesso dessa política.

O Estado e a sociedade às vezes transferem a responsabilidade de educar exclusivamente para o professor, quando a pauta é educação especial, muitas vezes não se têm uma atenção necessária para que o processo ocorra de maneira eficiente. Na sua condição de educadora e pesquisadora da área, qual seria o cenário ideal para que o processo aconteça de maneira eficaz?

A realidade se apresenta, de uma maneira geral, com uma situação do isolamento do professor da educação especial no contexto escolar, isso reflete o seu processo histórico em que era segregada na escola e não fazia parte do ensino regular ou comum, mas atuava de forma paralela, como se fosse um outro tipo de educação. Mas, hoje numa perspectiva inclusiva, a educação é vista de forma unitária e a educação especial deve complementar ou suplementar o atendimento educacional do seu público-alvo.

Portanto, a atuação docente exige a sua articulação com os demais profissionais da escola, com a família e com a comunidade, para a realização de um trabalho colaborativo que deve estar previsto no PPP – Projeto Político Pedagógico. As atribuições do Professor são ressaltadas pela Resolução nº 4 (BRASIL, 2009) no Art. 9º.  Com base em sua definição e atribuições, esse profissional de fato pode ser conceituado como professor multifuncional, uma vez que assume inúmeras tarefas específicas relacionadas a um público com características também muito específicas marcadas pelos diversos tipos de deficiências, altas habilidades e transtorno global do desenvolvimento. Esse professor, conforme o proposto deve atuar de forma técnica nas salas de recursos e gerir o processo de inclusão escolar na escola por sua função de articular essa política com os demais profissionais, ou seja, é ele o responsável pela implementação da política de educação especial.

É um paradoxo a relação entre os desígnios legais e a realidade das escolas, pois como bem demonstram as pesquisas, as condições de funcionamento da escola e a sensação de despreparo da maioria docente, ainda é motivo de insegurança e resistência em relação ao atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais inseridos nas classes regulares. Não se pode isolar, portanto, o professor da cultura em que se insere, do seu contexto de trabalho e do social de maneira geral e privá-lo de seus direitos profissionais.

O cenário ideal é aquele em que os principais indicadores de sucesso da inclusão escolar têm a ver com as mudanças atitudinais de professores, diretores e da comunidade escolar, assim como dos pais e alunos das escolas, diante da aceitação da inclusão. Não se trata aqui só de alunos com deficiência, mas de todos os alunos que estão na escola, mas marginalizados, e dos que estão fora dela, porque foram excluídos ou ainda não conseguiram nelas penetrar, por preconceitos de toda ordem: sociais, culturais, raciais, religiosos.

No âmbito das escolas, os indicadores de sucesso aparecem também atrelados a existência de um Projeto Político Pedagógico da Escola, ao cumprimento dos planos de ação dos sistemas de ensino e de cada escola. Uma modalidade de ensino inclusivo reduz as chances de se encaminhar os problemas e as dificuldades para ensinar algumas crianças, com ou sem deficiências, em ambientes à parte e remete os problemas de ensino às escolas, aos professores, à estrutura e ao funcionamento geral dos sistemas. Essa situação desafiadora, faz com que se ultrapassem os limites pedagógicos e administrativos das escolas, na direção da inclusão.

O desafio da inclusão está desestabilizando a proposta dos que defendem a seleção, a fragmentação do ensino em modalidades, o poder das avaliações, da visão clínica do ensino e da aprendizagem. O essencial é que todos os investimentos atuais e futuros da educação brasileira não devem repetir o passado mas considerar, verdadeiramente, o papel da escola e de seus educadores ao ensinar a importância da diversidade em todas as suas manifestações.

Segundo o IBGE, 6,2% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. As universidades estão preparadas para formar educadores que possam contribuir na formação dessas pessoas? Elas também estão prontas para receber essas pessoas como alunos?

Na atualidade a formação de professores para a educação inclusiva é uma temática que vem sendo amplamente debatida, revelando os desafios e possibilidades que o trabalho docente enfrenta na sua prática cotidiana, tensionado pelo diálogo entre a técnica e a prática. Há muitas indagações sobre essa formação: que tipo de formação atenderia a necessidade dos professores que se sentem despreparados e desamparados no atendimento dos alunos com necessidades especiais? Quais os saberes necessários para educar a todos os alunos? Quais as diretrizes para a formação inicial e a formação continuada na perspectiva da educação inclusiva?

 Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, no Artigo 59, inciso III, ao definir o que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos com necessidades especiais, define uma diretriz para a formação dos professores: “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular, capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1996). Acompanhando o que está posto na LDB, o documento “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica”, de 2001 (BRASIL, 2001), traz uma definição mais detalhada dos termos professores capacitados e professores especializados e as competências de cada um.

Os professores capacitados, para serem assim denominados, devem ter uma disciplina na sua formação inicial a respeito da educação especial e educação inclusiva, e adquirir competências para perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e flexibilizar a ação pedagógica para atender as suas necessidades. Mas estas não são tarefas simples.

A formação dos professores especializados, os que vão trabalhar nos atendimentos educacionais especializados e atender diretamente as especificidades dos alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação deve acontecer em cursos específicos. Estes profissionais também devem apoiar aos professores das escolas regulares que tiverem alunos com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula.

No entanto, a formação dos professores para a educação inclusiva das pessoas com necessidades especiais, ocorre predominantemente num processo de formação continuada em que predominam ações pontuais, muitas vezes, desvinculadas da prática e da formação dos profissionais da educação, também há uma indefinição de Diretrizes para essa formação.

 Além da formação profissional, a atuação docente requer outros aspectos, como: as condições de trabalho do professor, a articulação entre os profissionais da escola, domínio de saberes e práticas docentes, bem como a valorização profissional.

 A formação do professor de educação especial não pode ser analisada isoladamente. Ao contrário, é preciso considerá-la como parte integrante da formação dos profissionais da educação em geral e submetê-la, portanto, às mesmas discussões que se vêm fazendo nesse aspecto, seja no âmbito nacional, estadual ou regional.

No seu último livro, “Práticas de Inclusão Escolar: um diálogo multidisciplinar, que será lançado em breve pela Edufba, você faz uma análise sobre a Educação Especial na Suécia. Como surgiu a ideia de estudar este assunto nesse contexto específico?

O intercâmbio de experiências contribui, indubitavelmente para ampliar o conhecimento e para subsidiar e apoiar a tomada de decisões para o desenvolvimento de práticas inclusivas, que possibilitem a melhoria educacional, visando o acesso escolar das pessoas público-alvo da educação especial, a sua progressão e o exercício de sua cidadania. A Suécia possui hoje um dos mais elevado padrão de vida, mesmo entre as nações desenvolvidas. Nos últimos 30 anos, ela vem se destacando positivamente no cenário europeu e a educação tem papel fundamental na obtenção desse status quo. Hoje, constitui modelo de excelência na educação e desperta grande interesse de governos, educadores do mundo todo que querem conhecer detalhes do modelo educacional da Suécia e identificar as principais razões para o sucesso educacional.

Associada às características da educação no país, a educação especial e inclusiva na Suécia tem sido pouco divulgada entre nós, diferente de outros países europeus, que são alvo de vários estudos e de interesse de pesquisadores brasileiros, apesar da importância do país para a história da educação especial no mundo. Uma influência marcante da Suécia ocorreu na mudança de paradigma nessa área. Na década de 60, Bengt Nirje na Suécia e Bank-Mikkelsen, na Dinamarca propuseram os princípios de “normalização” e de “integração” cuja ideia-chave era promover o acesso das pessoas com deficiência às condições normais de desenvolvimento do ciclo de vida, isto é, a convivência conjunta de pessoas normais e com deficiência, o que não significa torna-lo “normal”, mas superar a segregação em que viviam essas últimas. Essa ideia revolucionou a educação especial e abriu espaço para a atual inclusão, que valoriza as condições do contexto para a convivência conjunta de todas as pessoas.

Com essa experiência pretendeu-se analisar a realidade do Brasil e da Suécia, não para compará-las ou propor modelos, mas para trazer uma reflexão sobre a realidade da escola brasileira/baiana e sua relação com fatores sociais e educacionais. Com isso, destacar aspectos que favorecem caminhos possíveis para uma prática escolar que atenda a inclusão de estudantes com deficiência numa perspectiva inclusiva.

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Nos últimos anos, mudanças tanto na natureza e no funcionamento das instituições sociais, quanto na subjetividade dos sujeitos têm ocorrido. Consequentemente, a escola passou a ter novos atores, marcados por diversas identidades, oriundos de diferentes espaços e de variadas classes socioeconômicas. Apesar das conquistas recentes, a desigualdade, a exclusão, o preconceito e a falta de acesso a serviços ainda continuam enormes. E, para evitar a exclusão, nada melhor que a informação. Para tanto, alguns princípios devem nortear a prática do educador:

  1. Toda pessoa aprende: sejam quais forem as particularidades intelectuais, sensoriais e físicas do estudante. É papel da comunidade escolar desenvolver estratégias pedagógicas que favoreçam a criação de vínculos afetivos, relações de troca e a aquisição de conhecimento;
  2. O processo de aprendizagem de cada pessoa é singular: as necessidades educacionais e o desenvolvimento de cada estudante são únicos. Modelos de ensino que pressupõem homogeneidade no processo de aprendizagem e sustentam padrões inflexíveis de avaliação geram, inevitavelmente, exclusão;
  3. O convívio no ambiente escolar comum beneficia todos: a experiência de interação entre pessoas diferentes é fundamental para o pleno desenvolvimento de qualquer pessoa. O ambiente heterogêneo amplia a percepção dos estudantes sobre pluralidade, estimula sua empatia e favorece suas competências intelectuais;
  4. A educação inclusiva diz respeito a todos: a diversidade é uma característica inerente a qualquer ser humano. É abrangente, complexa e irredutível. Portanto, a educação inclusiva é orientada pelo direito à igualdade e o respeito às diferenças e deve considerar não somente as pessoas tradicionalmente excluídas, mas todos os estudantes, educadores, famílias, gestores escolares, gestores públicos, parceiros, etc.

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