Maria Hilda Baqueiro Paraíso
O Espaço do Autor do mês de abril conta com um bate-papo com Maria Hilda Baqueiro Paraíso, autora de "O Tempo da Dor e do Trabalho". O livro, resultado de seu doutoramento em História Social pela Universidade de São Paulo em 1998, aborda diferentes aspectos da política indigenista do período colonial e imperial e sua relação com a ocupação dos sertões do Leste e Nordeste do Brasil. Maria Hilda Baqueiro é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e possui mestrado também pela UFBA em Ciências Sociais, além de ser doutora em História Social pela USP. Atualmente é professora e diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA.
Tarsila Carvalho
1) Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional. Como surgiu o interesse pela temática indígena? O encantamento que vivi na graduação ao atuar numa aldeia indígena do sul da Bahia, a Barra Velha dos índios Pataxó. Além do encantamento, senti-me motivada a contribuir para a melhoria das condições de vida daquela e de outras populações indígenas marginalizadas de todas as formas. Assim, foi transformando a questão indígena não apenas num objeto de estudo, mas num projeto de vida acadêmico e político pessoal: trazer a trajetória histórica e suas vozes para o conhecimento do grande público. 2) Qual a importância da abordagem histórica na produção científica e literária acerca das populações indígenas? É fundamental em vários aspectos. A historiografia tradicional ou os ignora ou os enquadra de forma distorcida. Rebeldes, antropófagos, infantilizados, irracionais, obstáculos ao progresso e desenvolvimento. Também é alarmante que a eles só se refiram nos momentos de conflito até sua suposta dominação pelos colonizadores. Depois é como digo, em tom de brincadeira, parecem ter sido abduzidos. Esta forma de apresentar os povos indígenas é não só justificar sua diáspora, seus sofrimentos, negar sua participação na construção do país, seu caráter de personagem histórico e de atores importantes na construção de suas trajetórias e da própria formação de nosso país. Porém, o que me parece mais grave é remetê-los ao passado, não permitindo que sejam identificadas na contemporaneidade como indígenas e que não lhes sejam assegurados os seus direitos. 3) Considerando a conjuntura política atual, quais os avanços e retrocessos em relação a causa indígena, mais especificamente no Nordeste? Há avanços importantes. A luta indígena pelo reconhecimento de sua identidade e direitos, apoiada pela academia e por várias ONGs, tem permitido que esses grupos saiam da invisibilidade que se auto impuseram como estratégia de sobrevivência em situações de hostilidade. O reconhecimento de sua identidade repercute no reconhecimento dos seus direitos a terra, proteção e assistência. No entanto, essa é uma luta que ainda não se findou. Nem todos os grupos têm suas terras demarcadas e a assistência que lhes é prestada ainda é precária e insatisfatória. Outra conquista que considero importante é o acesso às universidades públicas pelo sistema de cotas que vem revolucionando a realidade vivida nas aldeias quando esses estudantes retornam aos seus lares e se tornam agentes de transformação social e de melhoria das condições de vida e de enfrentamento a uma sociedade hostil. 4) Como têm se dado a reafirmação da identidade indígena na situação político-econômica do Brasil atual? Creio que o primeiro passo advém da sensação de apoio, acolhimento e parceria com as várias instituições engajadas nesse projeto político e com outros grupos indígenas que já haviam iniciado essa luta anteriormente. Um dos fatores fundamentais é o resgate de sua autoestima através da valorização de suas pessoas, de suas tradições e do sentimento de se sentirem respeitados. As articulações políticas internas e externas são o cadinho que incendeiam a vontade de se afirmar como o que são. Não tem sido uma batalha fácil e nem de curta duração. As reações e acusações de não serem índios, mas simples oportunistas em busca de terra e assistência, e até mesmo as ameaças e criminalização de suas lideranças não são fáceis de com elas conviver. 5) De que forma a obra contribui para a promoção e proteção dos direitos indígenas? Contribui como um instrumento para essa luta ao resgatar suas trajetórias históricas e denunciar as várias formas de violação de seus territórios, vidas e sonhos. 6) Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba. Conhecer e reconhecer a importância do papel histórico, da sua humanidade, das várias formas de exploração vivenciadas pelos indígenas e de seus direitos na atualidade é um caminho para construirmos um Brasil mais justo.