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Maria Thereza Ávila Dantas Coelho

  O Espaço do Autor do mês de maio traz uma conversa com Maria Thereza Ávila Dantas Coelho, co-organizadora de "Transexualidades: um olhar multidisciplinar". No livro, resultado de uma pesquisa iniciada em 2008 com Liliana Lopes Pedral Sampaio, conceitos como corpo, sexualidade, identidade e gênero são problematizados no mesmo contexto do tema principal. Maria Thereza Ávila Dantas Coelho é graduada em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Também na UFBA, concluiu seu mestrado em Saúde Coletiva com ênfase em Ciências Sociais em Saúde, mesma área de seu trabalho de doutorado. Atualmente é professora adjunta do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC).

 João Bertonie

1.      Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica. Como surgiu o interesse pelo tema das transexualidades? Possuo graduação em Psicologia, e mestrado e doutorado em Saúde Coletiva. Atuei profissionalmente nas áreas clínica, organizacional, jurídica e acadêmica, e atualmente sou docente da UFBA. O meu interesse pelas transexualidades surgiu quando eu era docente do curso de Psicologia da UNIFACS e realizei a orientação do Trabalho de Conclusão de Curso de Liliana Sampaio. A mesma já tinha contato com o tema quando na sua especialização em Arteterapia havia iniciado um trabalho de revisão bibliográfica. O convite de Liliana me despertou interesse pela importância do assunto. No trabalho de conclusão de curso, ampliamos a revisão bibliográfica, estabelecemos contato com diversos pesquisadores brasileiros e realizamos uma pesquisa de campo, de cunho etnográfico. Liliana estabeleceu contato com pessoas trans de diversas regiões do país, o que possibilitou a coleta de muitos depoimentos, e também acompanhou o dia a dia de muitas pessoas trans, inclusive de alguns resultados pós-cirúrgicos. Essas investigações em campo fortaleceram ainda mais a nossa certeza da importância social deste trabalho. Após a conclusão dessa pesquisa, decidimos dar continuidade a investigações sobre as transexualidades. Elaborei um novo projeto de pesquisa, financiado pelo Edital PRODOC 2011 da UFBA, com a participação de profissionais de diversas instituições nacionais e internacionais, e de pesquisadores de diversas áreas, desta Universidade e de outras, de Salvador e outros Estados. O livro organizado com Liliana foi um dos produtos desse projeto e contou com a participação dessas pessoas.   2.      Seu livro traz uma abordagem multidisciplinar. Como se deu a seleção e organização de tantas perspectivas diferentes acerca das transexualidades? Os discursos da medicina, enfermagem, ciências sociais, psicologia, psicanálise, serviço social, direito e comunicação, apresentados neste livro, possuem, cada um, a sua fundamentação teórica própria, conectada ao contexto sócio-cultural ocidental. Buscamos construir um livro que discutisse sobre o tema principalmente a partir desses múltiplos olhares e das atuais controvérsias sociais: os diferentes entendimentos acerca das transexualidades, os diversos conceitos concernentes, as distintas perspectivas e formas de relação profissional com as pessoas trans, as diferentes violências, os modos particulares de luta dessas pessoas pelos seus direitos, etc. Isso foi um desafio para nós, já que não tínhamos até então, no Brasil, um livro com essa perspectiva e abrangência.   3.      Considerando a conjuntura política atual, quais os avanços e os retrocessos em relação à causa das pessoas transexuais no Brasil? Considerando a conjuntura política atual, e seus atores, há ainda um forte conservadorismo em torno da discussão desse tema, que tem impedido conquistas efetivas por e para essa parcela da população. Poucos foram os avanços alcançados (e limitados), sendo os desafios enormes. Um desses avanços foi a criação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; a redefinição e ampliação do cuidado à saúde das pessoas trans, pelo SUS, através da Portaria no 2.803, de 19 de novembro de 2013; a instituição do uso do nome social através de portarias e resoluções em algumas esferas da vida (escolas, Universidades, serviços de saúde, repartições públicas, etc) e a jurisprudência que tem sido construída em torno da concessão jurídica da mudança de nome e de sexo na documentação civil. Entretanto, não temos, a exemplo de alguns outros países, uma lei que regulamente a mudança de nome e de sexo (há o Projeto de Lei 5002/2013 João W. Nery - Lei de Identidade de Gênero, dos deputados Jean Wyllys e Érika Kokay, ainda não aprovado). João Nery é um homem transexual que luta pelos direitos das pessoas trans e por mais avanços nas políticas voltadas principalmente aos trans homens, como hoje muitos se nomeiam. Ainda há poucos serviços de saúde voltados às cirurgias dos trans homens, que necessitam de mamoplastia masculinizadora e histerectomia, por exemplo. Há poucos serviços de saúde especializados e contamos com um despreparo da atenção básica para a atenção à saúde dessa população, sendo que há poucos profissionais capacitados inclusive na assistência psicológica quando necessária, lembrando que nem todas as pessoas trans desejam atendimento psicológico, mas o protocolo do SUS coloca esse acompanhamento como uma condição para o acesso à fila das cirurgias. As filas para as cirurgias do processo transexualizador são imensas e faltam hormônios no mercado. 4.      De que forma o livro contribui para a promoção e afirmação dos direitos destas pessoas? O livro destaca algumas experiências internacionais que produziram avanços na conquista de direitos (a exemplo das experiências espanhola e argentina); reflete acerca dos movimentos sociais em prol dessa causa, no Brasil, e acerca do movimento internacional pela despatologização das transexualidades; discute sobre a assistência jurídica e à saúde prestada em nosso país; as muitas dificuldades de inserção das pessoas trans em atividades educativas e laborais; a violência no cotidiano e na mídia que cerca essas pessoas. Faltam políticas públicas mais abrangentes e garantia efetiva de direitos no âmbito jurídico e nos serviços. O livro também amplia o entendimento a respeito das transexualidades e traz algumas experiências clínicas de atendimento psicológico e social a essas pessoas, a exemplo dos capítulos que tratam do serviço especializado prestado pelo Hospital Pedro Ernesto no Rio de Janeiro, do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e do acompanhamento psicoterapêutico e arteterapêutico realizado por Liliana em seu consultório em São Paulo. A discussão sobre esses temas visa colaborar para a reflexão e a tomada de posição em relação a todos esses aspectos, bem como contribuir para a promoção e afirmação dos direitos dessas pessoas. 5.      Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba Caros leitores, que este livro enriqueça as suas reflexões e ações ligadas ao tema e contribua para os avanços dessa temática em nosso país. Colaborem para que esses assuntos não fiquem restritos aos segmentos diretamente envolvidos a eles e possam perpassar toda a sociedade, na direção da ampliação e efetivação de todos os direitos humanos, particulares e universais. O nome deste livro – Transexualidades - é uma afirmação de que as pessoas trans são diferentes umas das outras e de que não podemos pensar a transexualidade de forma homogênea. Assim como outros seguimentos da nossa sociedade, são as pessoas transexuais quem mais podem falar sobre suas necessidades, visando ser atendidas de maneira mais abrangente e eficiente em suas demandas. Nessa direção, reunimos, neste livro, autores que possuem contato direto com essa parcela da população.  

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