Ana Cláudia Lemos Pacheco
O Espaço do autor orgulhosamente apresenta uma entrevista exclusiva com Ana Cláudia Lemos Pacheco, autora do livro Mulher Negra: Afetividade e solidão. Recentemente lançado pela Edufba, a autora apresenta uma análise e relata em sua obra histórias e escolhas afetivo-sexuais de mulheres negras que lutam pela sobrevivência social e que gozam de grande prestígio simbólico e político.
Por Camila Fiuza
1- Conte-nos sobre a sua trajetória acadêmica. Ingressei na Universidade Federal da Bahia, em 1987, como estudante de Ciências Sociais. Formei-me em Bacharelado e em Licenciatura em Ciências Sociais em 1992 e 1993, respectivamente. Em 1995, ingressei no Mestrado de Sociologia na UFBa, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas , com o tema de pesquisa sobre Trabalho Feminino na Indústria Petroquímica da Bahia, sob orientação da Socióloga Profa Dra Iracema B.Guimarães. Em 1998, concluí a dissertação do Mestrado. Em 1999, ingressei no Doutorado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP/SP, com o tema de pesquisa sobre MULHER NEGRA, ESCOLHAS AFETIVAS E SIGNIFICADOS DE SOLIDÃO, tema da minha tese defendida em 2008, no IFCH/ UNICAMP, hoje, tema desse livro lançado pela EDUFBA. Atualmente, sou Professora Adjunta de Sociologia da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus-I, em Salvador. Sou líder do Grupo de Pesquisa “Gênero, raça, cultura & sociedade”, certificado pelo CNPQ . Tenho publicações em revistas e coletâneas sobre o tema gênero, raça, afetividade, mulheres negras, feminismo negro, trajetórias, trabalho feminino, populações afro-brasileiras, estudos pós-coloniais. 2- A senhora participou ativamente do Movimento Negro Unificado. Como foi a experiência de estar a frente da direção de um movimento tão importante? Como você analisa o MNU no cenário atual? Foi uma experiência inigualável, o MNU foi à melhor e a maior experiência política da minha vida. Se hoje, escrevo e estudo Mulheres Negras, isso só foi possível devido a minha experiência e vivência como ativista e feminista negra a partir da organização das mulheres no interior dessa entidade. As minhas identidades enquanto mulher e negra foram construída no MNU e no movimento social negro mais amplo. Mas foi em 1991, que eu ingressei no MNU e, alguns anos depois, participei também das suas principais instâncias de direção, como a coordenação nacional de mulheres do MNU e outras representações locais. Acredito que no cenário atual, o MNU é tão necessário quanto nas últimas décadas do século XX, no combate ao racismo e ao sexismo na sociedade brasileira. Acho que diferente das décadas de 1970 a 1990, o MNU tem que enfrentar os novos desafios que se colocam na luta anti-racista em uma sociedade que o tempo todo recria o mito da democracia racial, entretanto exagera e exacerba formas ditas sutis de preconceito e de discriminação contra nós negros e negras. Tais formas se entrelaçam a outras práticas discriminatórias que violam a condição humana dos brasileiros/as, em especial, das populações negras e das mulheres, como resultantes da eficácia do racismo, do sexismo, das desigualdades de classe e de outras violências correlatas. 3- Em Mulher Negra: Afetividade e solidão, a senhora conta diferentes histórias de mulheres negras e suas escolhas afetivo-sexuais. Como foi a realização do processo de investigação? Como e quando conheceu as mulheres que se tornaram personagens reais da sua obra? A parte metodológica da pesquisa de campo foi descrita detalhadamente na tese de doutorado. No livro, esta etapa foi suprimida. Em todo caso, o processo de realização da investigação empírica iniciou-se em 2000 e foi até 2005. Entrevistei 25 mulheres negras: 12 ativistas e 13 não-ativistas. O critério geral utilizado para a seleção das entrevistadas/informantes foi o seguinte- mulheres sem parceiros afetivos fixos; sem relacionamento afetivo estável, até o momento da pesquisa. As 12 mulheres ativistas seleciondas, eu as conheci no movimento social negro e de mulheres negras baiano no período em que atuei nos referidos movimentos, na década de 1990. As outras mulheres negras não ativistas, as conheci através de indicações de amigas, colegas, vizinhos e algumas através das minhas próprias redes de informação. 4- O que te motivou a escrever sobre o tema? Quais os principais desafios que você teve que enfrentar? A motivação/ inspiração do tema da pesquisa douctoral foi a minha participação política no MNU e no Movimento social negro e de mulheres negras da Bahia e do cenário nacional. Os meus desafios foram muitos. Primeiro, foi tornar esta discussão de cunho afetivo e político numa abordagem científica sócio-antropológica. Segundo, foi investigar sobre um tema considerado polêmico em sua essência e questionável devido a sua problematização em torno de categorias contestatórias de gênero-raça, identidade nacional, cultura brasileira, mitos, relações de poder e sociedade. 5- Como foi o processo de escrita e concepção do livro? O processo de escrita foi longo, assim como foi longa a pesquisa de campo, e só depois a formulação e análise dos dados da pesquisa. A investigação de uma pesquisa desse porte ( observação; entrevista em profundidade, análise de trajetórias e narrativas, etnografia propriamente dita) só foi possível em fazê-la no espaço de longa duração entre a investigação bibliográfica e teórica do tema e conseguinte sua investigação empírica, análise e resultados. 6- Você tem outro projeto em andamento? Pretende escrever outro livro? Diante do sucesso do livro, acredito que devo continuar esta pesquisa no Pós-Doutoramento e com certeza uma nova publicação será necessária. 7- Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba. A EDUFBA está de parabéns por incentivar e abrir espaços para a publicação de trabalhos voltados para a temática etnicorracial e de gênero. Obrigada, a coleção Afro está linda.