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Grimaldo Carneiro Zachariadhes

Há 50 anos aconteceu o Golpe Militar e para que possamos aprofundar mais a democracia em nosso país, devemos conhecer melhor a sua história. Hoje, o Espaço do autor traz uma entrevista com Grimaldo Zachariadhes, organizador do livro Ditadura Militar na Bahia e autor do livro Os Jesuítas e o Apostolado Social durante a Ditadura Militar. Lançados respectivamente em 2009 e 2010 pela Edufba. Os livros abrem caminhos para novos estudos e a continuidade da luta democrática em nosso país. Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia, Grimaldo analisa com profundidade vários aspectos do período ditatorial. No primeiro, reúne 13 trabalhos de professores, estudiosos e pesquisadores onde relatam os acontecimentos da época e a reação de atores sociais e políticos baianos. Já no segundo livro, o autor analisa a ação política do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e mostra o seu papel durante a Ditadura.

Camila Fiuza

1- Além de fundador e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Regime Militar (Nerm), o senhor é licenciado, bacharel e mestre em História pela Universidade Federal da Bahia. Conte-nos como surgiu o interesse em se graduar em História e estudar sobre o tema abordado em seus livros que é a Ditadura Militar. Não tenho ninguém na família que tenha vivido o período da Ditadura Militar de forma mais traumática. O meu interesse pelo período ditatorial eu credito a uma indignação que eu trazia dentro de mim durante a juventude devido a uma prática policial corrente. Eu fui criado no bairro da Ribeira e minha casa era próxima a um módulo policial, eu perdi as contas de quantas vezes vi pessoas presas, por roubo ou algum outro delito, serem barbaramente torturadas. Naquela época a polícia não se importava de seviciar seres humanos na frente do público. São imagens chocantes que trago guardado na memória daquele tempo. Quando estava no ensino médio e comecei a ter contato com livros sobre o período ditatorial eles sempre tocavam na questão da tortura e da violação dos direitos humanos, me interessei de imediato e comecei a me aprofundar no tema. Acho que inconscientemente canalizei no estudo daquele momento histórico a minha indignação às brutalidades policiais que presenciei na adolescência. Eu já entrei na graduação interessado em estudar este período. O interesse pela graduação em história deve-se muito a bons professores que tive no ensino básico do colégio São José e 2 de Julho.   2- No livro Apostolado Social durante a Ditadura Militar, você analisa o papel do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) durante o Regime Ditatorial. Como foi o desenvolvimento da pesquisa e o processo de escrita e concepção da obra? Quando eu estava para me graduar eu precisava escolher um objeto de pesquisa dentro do período da Ditadura. Eu nunca pensei em estudar a Igreja Católica. Queria estudar Movimento Estudantil ou a imprensa. Mas, um professor me sugeriu que eu procurasse conhecer mais sobre instituições da Igreja naquele período.  Quando me deparei com a história singular do CEAS pensei: “é isso que eu quero”. Acabou que o tema me envolveu de tal forma que nunca mais conseguir sair dos estudos sobre religião. Fiz a minha monografia sobre a história do CEAS como requisito para receber o título de bacharel em história. Depois apresentei um projeto pra um estudo mais elaborado da instituição no Programa de Pós-graduação em História da UFBA. Fui aprovado e pude desenvolver uma pesquisa mais ampla sobre esta instituição que se destacou na resistência à Ditadura na Bahia. Transformei em formato de livro uma versão ampliada da dissertação e a EDUFBA publicou a obra que já está na sua segunda edição. Ah, no desenvolvimento da pesquisa é necessário destacar que eu tive todo apoio dos membros do CEAS para pesquisar, foram muitos gentis, me deram acesso irrestrito ao seu arquivo que, aliás, é riquíssimo; nele estão relatadas as histórias das lutas sociais e políticas durante o período da Ditadura e Nova República.   3- O livro Ditadura Militar na Bahia reúne trabalhos que contam desde como a ditadura se implantou até a resistência e a luta pela redemocratização. Como foi o processo de reunião das informações que estão contidas nesta obra? Em 2009, já estava claro pra mim que existia um grande interesse pelo público no período da Ditadura Militar, mas existia pouca coisa publicada em nosso estado. Era necessário preencher esta lacuna. Então, convidei vários pesquisadores que se dedicavam ao estudo do período na Bahia para que cada um escrevesse um artigo para organizarmos este livro. Muitos daqueles artigos são frutos de trabalhos de dissertações, ou seja, trabalhos com muita pesquisa acadêmica. O sucesso do livro foi rápido, o que demonstra a qualidade dos artigos.   4- Quais questões acredita que ainda precisam ser investigadas no que tange aos estudos do período ditatorial para aprofundar a democracia no país? Se a pergunta se refere em âmbito nacional poderia destacar o estudo de instituições ou pessoas que tiveram uma relação próxima com os militares ou que apoiavam integralmente o Regime. Hoje em dia parece que todo mundo resistiu à Ditadura, mas sabemos que não foi bem assim. Um estudo muito interessante seria a abordagem da relação do empresariado com os militares. Acho que este é um tema que precisa ser mais bem aprofundado. Os militares fizeram a festa de muitas empresas e empresários. No âmbito estadual, ainda falta muita coisa a ser estudada, apesar do crescimento de pesquisas sobre o período nas universidades baianas. Precisamos saber mais como foi a Ditadura Militar nas cidades do interior. Sabemos muita coisa do que ocorreu na capital, Feira de Santana e Vitória da Conquista. Mas e as pequenas e médias cidades? Desconhecemos quase que por completo.   5- Você tem algum novo projeto de pesquisa em andamento? Pretende escrever outro livro? Eu acabo de organizar o 2º volume do livro “Ditadura Militar na Bahia” e espero que seja lançado ainda este ano. Este livro complementa o 1º volume, abordando temas não explorados anteriormente e uma maior preocupação em estudar o período ditatorial nas cidades do interior.   6- Deixe uma mensagem para os leitores da Edufba. Acredito que o maior aprendizado para quem se debruça no estudo do período da Ditadura Militar é a valorização cada vez maior do regime democrático. Brota naturalmente a consciência de que devemos aprofundar e aperfeiçoar a democracia em nosso país. Existem vários problemas estruturais no Brasil para serem resolvidos, mas nenhuma solução é aceitável se ameace as garantias democráticas tão arduamente conquistadas. Apesar de todos os problemas que podem destacar no regime democrático acredito que a frase atribuída ao primeiro-ministro Winston Churchill é corretíssima: “A democracia é a pior forma de governo, salvo as demais”

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