André Lemos
André Lemos é Professor Titular do Departamento de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA. É engenheiro mecânico formado pela UFBA (1984), Mestre em Política de Ciência e Tecnologia pela COPPE/UFRJ (1991) e Doutor em Sociologia pela Université René Descartes, Paris V, Sorbonne (1995). Foi Visiting Scholar nas Universidades McGill e Aberta, ambas no Canadá (2007-2008) com bolsa de pós-doutorado pelo CNPq e no Programmable City Lab na National University of Irlanda, Maynooth (Bolsa estágio Sênior, CAPES, 2015-2016). Membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCIBER). Diretor do Lab404 – Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço. É atualmente pesquisador “1 A” do CNPq.
1) Fale sobre a sua trajetória acadêmica e profissional.
Minha formação é multidisciplinar. Sou formado em engenharia mecânica pela UFBA, fiz um mestrado em política de ciência e tecnologia, com forte ênfase na história das ciências e na filosofia da técnica na COPPE/UFRJ e um doutorado em sociologia na Université René Descartes, Sorbonne. Sempre trabalhei na universidade. Embora essa formação seja em múltiplas disciplinas e áreas do conhecimento, meu interesse sempre foi centrado na compreensão dos “impactos” socioculturais das tecnologias. Desde a graduação até hoje, meu objeto de estudo é um só, a técnica, a tecnologia em todos os seus estados e períodos históricos. Desde 1990 me dedico a pesquisar as diversas facetas das tecnologias de comunicação e informação.
2) Como surgiu o interesse pela série Black Mirror? Do que se trata?
Black Mirror é um sucesso de audiência mundial e trata justamente de uma sociedade na qual as tecnologias de informação e comunicação têm um papel determinante no destino das personagens. Em discussões em sala de aula, ou na rua, todos falam da série e da sua visão distopica de futuro. Em um curso de comunicação, nada mais natural do que investigar um produto cultural. No meu caso, o interesse é evidente pois BM permite discutir, através da crítica cultural, o tema central da minha disciplina: sou professor titular de comunicação e tecnologia. Assim, ofereci uma primeira disciplina optativa sobre a série em 2017.1 e estou repetindo a oferta agora em 2018.1
3) Quais aspectos da série são analisados no livro?
A série permite múltiplas entradas. Há seminários já realizados no Brasil sobre aspectos jurídicos, psicológicos…No meu caso, trato das questões relativas ao imaginário das tecnologias de comunicação e informação e da dimensão temporal dessa experiências, sobre as ideias de passado, presente e futuro. É um livro de ensaios no qual faço um debate sobre como a série trata o “futuro” da nossa relação com esses dispositivos a partir de uma análise comparativa com o nosso presente.
4) No livro, você defende que ao contrário do que se tem como consenso, Black Mirror não fala sobre o futuro, mas sobre passado. Poderia explicar?
Justamente por comparar essas duas dimensões – o futuro apresentado na serie e o nosso presente, percebi que embora a série aponte para tecnologias ainda inexistentes, a forma de abordagem da cultura tecnológica ainda está presa ao imaginário e ao arcabouço crítico-teórico do século XX. Muito da série é problematizado a partir de uma critica da sociedade de massa e da cultura do espetáculo, ou de uma sociedade de vigilância movida pelo audiovisual. Embora pareça falar do futuro, Black Mirror fala da cultura do século XX com tecnologias futurísticas, seduzindo a audiência. É uma ótima série. Isso não é uma crítica ao produto. Gosto e recomendo. Mas os nossos problemas, colocados pelas tecnologias de comunicação e informação hoje, são muito mais agudos dos que os apontados pela série nas suas quatro temporadas.
5) O que lhe preocupa em relação à tecnologia na atualidade?
A série trata de problemas atuais, mas com roupagem velha. As questões são as mesmas (memória, vigilância, relações sociais, corpo, mente, poder, morte…). Mas essas questões hoje estão revestidas de uma performatividade algorítmica e de agencias extremas de objetos digitais que a série não consegue alcançar (com exceção de alguns episódios). Assim sendo, argumento no livro que o jargão utilizado nas ruas para dizer que estamos quase em um futuro, como o apontado por Black Mirror (“isso é muito Black Mirror”) é uma ilusão de ótica. Nossa sociedade do presente “não é muito Black Mirror”, não porque essa realidade ainda vai chegar, mas justamente por ela já ter ido além. Os desafios e problemas que as TIC nos apresentam hoje são bem maiores dos que os que a série consegue vislumbrar.
6) Deixe uma mensagem para os seus leitores.
Assistam aos episódios das quatro temporadas e leiam o livro. Discutam e desconfiem sempre de ideias hegemônicas. Os problemas são sempre multifacetados.