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Flora Sousa Pidner

Edufba: Conte um pouco sobre sua vida e trajetórias acadêmica e profissional.

Flora Sousa Pidner: Eu sou professora de Geografia do IFAL, me formei e fiz mestrado na UFMG – sou mineira. Acredito no poder de transformação da educação, adoro o meu trabalho no ensino básico e o vejo totalmente relacionado com a pesquisa, são inseparáveis. Assim, como tive oportunidade de continuar meus estudos acadêmicos, eu caminhei nessa direção. Quando decidi que queria construir um diálogo entre Geografia e Arte no doutorado, a referência da professora Maria Auxiliadora da Silva foi contundente para minha escolha por mudar para Salvador e fazer a pesquisa na UFBA. Uma professora e orientadora miltoniana e que já tinha uma bagagem grande no diálogo entre Geografia e arte era tudo o que eu precisava. Ela me aceitou como orientanda e eu passei no processo seletivo. Construímos uma relação que vai muito além da academia. Eu me apaixonei pela Bahia e acabei fixando moradia no nordeste, moro em Maceió. Como desdobramento da pesquisa sobre as fotografias do Salgado, a partir de um olhar geográfico que se abre à arte, veio o livro, que foi aprovado em um edital lançado pela Edufba.

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Edufba: De onde surgiu o desejo de repensar o universo fotográfico de Sebastião Salgado sob esta ótica de narrativas espaciais?

FP: Como eu conto no livro, esse desejo nasce quando me deparo a primeira vez com a exposição Êxodos no Sesc Pompeia, em São Paulo. Eu tinha 15 anos e tinha ido visitar minha madrinha que mora em São Paulo e ela sempre me levou para eventos culturais que a maior cidade do país proporciona. Fiquei muito impactada e nessa emoção está a semente da pesquisa-livro. Foi necessária uma trajetória na Geografia para construir o diálogo, que começou dentro da sala de aula, com meus alunos, pois eu já fazia atividades pedagógicas com as imagens de Salgado e percebia o potencial desse diálogo por meio delas. Era incrível esse processo, que acabou me impulsionando a querem explorar mais esse universo artístico-documental da fotografia. O período de realização de um doutorado é longo, então, acredito que é muito importante que a pesquisa seja realizada sobre algo que nos movimente, nos inquiete, nos apaixone. As fotografias de Salgado permitiram esse caminho de reflexões e envolvimento que uma pesquisa demanda e produz.

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Edufba: Apesar de a fotografia ser, também, o registro de uma imagem ou momento, não perde seu caráter de arte subjetiva. Como você construiu uma leitura de mundo lidando com essas múltiplas leituras?

FP: No livro, eu abordo essa relação de maneira dialética, partindo da ideia da fotografia como uma forma de representação do espaço. A arte é pensada inerentemente articulada ao espaço e ao tempo e como toda representação tem potencial e tem limites. Não há porque negar a emoção na ciência como o positivismo tanto fez e a arte nos ensina isso. A fotografia é arte e documento, ao mesmo tempo, um recorte espaço-temporal da luz. A fotografia reúne, como todas as formas de arte (e como todas as ciências), a técnica e a subjetividade. Quanto mais se conhece a técnica fotográfica, mais se percebe como a fotografia a tem como base, mas que ela é produto da intencionalidade do fotógrafo antes, durante e depois do clique, de como ele conhece a luz. Assim como ela também é resultado das relações intersubjetivas construídas pelos sujeitos envolvidos no processo geofotográfico: quem fotografa, quem é fotografado e quem lê e interpreta a fotografia. A intencionalidade, a subjetividade e a intersubjetividade são partes do processo e isso não elimina o potencial documental da fotografia. São crônicas visuais, exprimem beleza e conteúdo.

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Edufba: As escolhas da vasta pesquisa sobre a obra de Salgado tiveram como resultado o seu livro. Qual efeito você espera que a obra cause nos(as) leitores(as)?

FP: Fiquei muito feliz quando o livro foi aprovado no edital da Edufba, foi um reconhecimento incrível de todo o processo de pesquisa e escrita. Durante a pesquisa, eu sempre era perguntada sobre o que eu estava escrevendo e muitas pessoas ficavam curiosas e admiradas com a temática. A curiosidade é um dos motores da ciência e da arte, então o que espero é que o livro auxilie em processos didáticos, em projetos de pesquisas e na prática fotográfica dos leitores.

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Edufba: Por também carregar um caráter didático, cultural e histórico, qual a importância dessa obra para a disseminação de um trabalho que é um patrimônio artístico nacional?

FP: Já tive ótimos retornos a respeito do livro que mostraram esse potencial, inclusive de fotógrafos que admiro como Márcio Pimenta, que encontrou meu livro na internet, comprou, fez contato e estamos sempre debatendo e trocando ideias geofotográficas. Roger Silva é outro fotógrafo de quem gosto muito e que também cita meu livro em alguns ambientes em que ele participa e expõe a sua arte. Geógrafos que também se interessam pela temática ou pelo método que utilizei e construí já me deram ótimos feedbacks e me convidaram para palestras, mesas redondas, congressos. Outros professores já comentaram que também gostam de usar a fotografia como instrumento didático para além da ideia ilustrativa da imagem e que o livro contribui nesse caminho. Os amigos do MST que participaram ativamente do processo também receberam seus exemplares e me trouxeram suas impressões e divulgaram o livro. Então, o livro trouxe e traz parcerias muito vigorosas. Essa troca com os leitores é muito pulsante. Acredito que o livro traz contribuições para a Geografia e para a arte e as possibilidades de diálogos, percebendo o próprio olhar geográfico como uma experiência estética. O próprio Salgado afirma que o que ele quer com as imagens dele é que elas geram debate e acredito que o livro cumpre esse papel e para a realização desse desejo do fotógrafo, que produziu e produz um trabalho que é patrimônio artístico, de influência nacional e internacional. Então, fico feliz de participar dessa ciranda de debates.

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Edufba: Deixe uma mensagem para os seus leitores e leitoras.

FP: Espero que a arte sempre nos encante, nos salve, nos inquiete e nos traga possibilidade de pensar outros mundos, para acessar a diversidade e as emoções. Como prática cultural crítica, a arte pode nos proporcionar um horizonte de utopia, porque não está fácil enfrentar tudo o que estamos vivendo. Utopia como algo que se busca, que pode ser construído a partir do presente, já que o futuro não está dado, não está pronto. Espero que o livro possa contribuir um pouco nesse processo de busca por encantamento nesse mundo de esvaziamento de sensações, que é produzido para que sejamos cidadãos imperfeitos, como afirma Milton Santos. Acredito que a arte é um instrumento de luta e de transformação, assim como a educação. Avante!

 

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