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Leonardo Nascimento

Edufba:  É um prazer tê-lo conosco no Espaço do Autor. Conte um pouco sobre o seu percurso acadêmico e profissional e sua atual área de atuação.

Leonardo Nascimento: Bem, meu percurso é um pouco, podemos dizer, tortuoso. Eu sou formado em Química pela Escola Técnica Federal da Bahia. Em seguida, fiz Psicologia aqui na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao final da graduação, percebi que eu tinha uma afinidade muito grande com as Ciências Sociais, então eu decidi fazer mestrado em Sociologia na Universidade de São Paulo. Ao final do mestrado, retornei à Bahia e trabalhei em um Centro de Referência da Assistência Social (Cras) com psicologia social e comunitária. Alguns anos depois, eu fui ao Rio de Janeiro para cursar o doutorado em Sociologia no Instituto Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Quando retornei para Salvador, eu fiz pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e, já naquele momento, comecei a dar aulas de sociologia e métodos digitais de pesquisa. Atualmente, sou professor do Instituto de Ciência, Tecnologias e Inovação e coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais, ambos da UFBA. Nos últimos anos, venho me dedicando a trabalhar com sociologia digital, métodos digitais de pesquisa e humanidades digitais. Nas minhas pesquisas, utilizo grandes bases de dados, processamento de linguagem natural e ciência de dados, tudo isso interrelacionado com o referencial teórico que estou acostumado a lidar, que é o das Ciências Sociais

 

Edufba: Na introdução do livro, você apresenta duas possíveis definições para sociologia digital. Poderia apresentá-las brevemente para as(os) leitoras(es)? 

LN: Na verdade, são não seriam duas definições. Eu primeiro sinalizo que existe, entre alguns pesquisadores brasileiros das ciências sociais, uma certa incompreensão sobre a sociologia digital. Eu acredito que a sociologia digital não se resume ao mero estudo da “cultura on-line”. Achar que estamos fazendo sociologia digital por estudar redes sociais digitais por meio de ferramentas digitais me parece totalmente equivocado. Neste momento é que eu proponho uma definição de sociologia digital que está baseada, obviamente, nos autores que eu apresento. A sociologia digital seria a tentativa de compreender sociologicamente um conjunto amplo e multifacetado de fenômenos que – acertadamente ou não – foram reunidos sobre o termo “digital”. Praticar sociologia digital implicaria: recuperar as teorias sociais clássica e contemporânea sobre as tecnologias, percebendo as continuidades entre elas e as especificidades das tecnologias digitais; desenvolver habilidades em ferramentas digitais de pesquisa; e, por fim, aprender a lidar criticamente com um conjunto de plataformas que estão disponíveis para ampliar a presença pública da sociologia na  sociedade.

Edufba: Quando surge a sociologia digital e quais são as principais demandas que ela busca investigar?  

LN: A expressão “sociologia digital” surgiu pela primeira vez em um artigo publicado em 2009. Depois disso, nós temos um conjunto de publicações que tentam definir de maneira mais elaborada o que seria a sociologia digital. Em 2013, nós temos o primeiro livro sobre o assunto intitulado “Sociologia Digital: perspectivas críticas”, dos pesquisadores Kate Orton-Johnson e Nick Prior, ambos da Universidade de Edimburgo. Dois anos depois, em 2015, foi publicado o livro “Sociologia Digital”, da professora Deborah Lupton, da Universidade de Canberra. Em 2017, foi a vez do livro da socióloga Noortje Marres, da Universidade de Warwick, intitulado “Sociologia Digital: a reinvenção da pesquisa social”. Por último, nós temos o livro “O que é sociologia digital?”, publicado em 2019. O autor, Neil Selwyn, é pesquisador em educação e professor na Universidade de Monash, na Austrália. No livro eu sugiro alguns pontos em comum a eles e, obviamente, também descrevo as diferenças. Em relação às demandas da sociologia digital, eu mencionei algo na resposta anterior. A sociologia digital teria três aspectos. O primeiro deles seria estudar os fenômenos relacionados a isso que vem sendo chamado de digitalização e dataficação. O segundo seriam os efeitos da digitalização e dataficação na própria prática da Ciência Sociais. E, por fim, essas obras tratam do engajamento da própria sociologia – ou dos artífices da sociologia – com grandes públicos a partir das plataformas digitais.

 

Edufba: Quando você começou a lecionar a disciplina Sociologia Digital, em 2015, percebeu um déficit nos componentes curriculares de graduação e pós-graduação acerca desse tema no Brasil. Qual a situação do campo hoje? 

LN: Olha, sinceramente, eu acho que a situação no campo não está tão diferente do que estava há cinco, seis anos. Eu me lembro quando comecei a ministrar a disciplina sociologia digital. Eu sempre digo que a primeira edição dela foi um grande fracasso porque os estudantes realmente não apenas não estavam dispostos a aprender as ferramentas que eu apresentava, como muitos não tinham as habilidades computacionais mínimas para poder entender ou para poder começar a mexer nelas. E não eram ferramentas tão difíceis, ao meu ver, porque são ferramentas que já são amplamente utilizadas na pesquisa em outros países. A situação do campo hoje está ligeiramente diferente porque os estudantes e pesquisadores estão buscando – obviamente que fora das grades de graduação e pós-graduação – algum tipo de formação em métodos digitais de pesquisa. Eu tenho percebido que alguns estudantes de ciências sociais estão desenvolvendo habilidades computacionais, como aprender a programar, lidar com ferramentas de análise qualitativa de dados etc. Outra ferramenta que os estudantes de ciências sociais estão começando a utilizar são as ferramentas que gerenciam referências bibliográficas, como Zotero e Mendeley. Tudo isto ainda é, do meu ponto de vista, muito incipiente, muito lento. Ainda paira sobre meus colegas uma certa tecnofobia. Uma ideia de que “vamos chamar o menino do computador” (e aí tem um claro sexismo implícito!) para resolver esse problema da pesquisa em vez de “meter a mão na massa” e, vamos dizer assim,  aprender a fazer a pesquisa de maneira digital.

 

Edufba: Ao se propor a estudar a sociologia digital, você menciona que renunciou “tentar interpretar digitalmente as tecnologias digitais”. O que seria “interpretar digitalmente as tecnologias digitais” e qual a importância dessa renúncia para a pesquisa?

LN: Eu acho interessante você me perguntar exatamente sobre essa citação. Na verdade, ela vem de um sociólogo francês chamado Pierre Bourdieu quando ele fala das “tautologias fundantes”, que seria algo como: ao interpretarmos os fenômenos em seus próprios termos, nós estamos, de tabela, renunciando à crítica sociológica dos mesmos. Eu gosto muito dessa citação. Eu gosto tanto que ela aparece na minha dissertação de mestrado e na minha tese de doutorado. Vou confessar uma coisa. Eu tenho a mania de colocar alguns “easter eggs” (mensagens escondidas) em tudo que eu escrevo. A repetição de citações, como esta que você mencionou, são as coordenadas para encontrar outras mensagens que eu gostaria de dizer para algumas pessoas ou até para meus ex-orientadores (risos).

Voltando à pergunta, trata-se de uma ideia que eu acho que sintetiza a maneira como eu penso e pratico as ciências sociais. Eu acredito que praticar ciências sociais significa desconstruir mitos, ir contra a corrente, perceber coisas e aspectos da realidade que a grande maioria não apenas não consegue perceber mas efetivamente rejeita ou evita enxergar. No mestrado, eu utilizei essa frase para tentar não pensar psicanaliticamente a própria psicanálise, então fiz uma sociologia da psicanálise. Na tese de doutorado, eu tentei não pensar psiquiatricamente a própria psiquiatria, então eu fiz uma sociologia dos diagnósticos da psiquiatria. Agora nessa fase eu tento romper com a ideia de que as tecnologias podem explicar a si mesmas. Por isso que eu digo que não dá para a gente interpretar digitalmente as tecnologias digitais, nós temos que interpretá-las sócio-tecnologicamente. Talvez essa seja a essência de praticar a sociologia digital.

 

Edufba:  Que mensagem gostaria de deixar para os seus leitores e leitoras?

LN: A mesma coisa que digo para todos os meus estudantes nas minhas aulas: leiam o texto! Nesse caso, leiam esse livro e debatam. Eu digo isso sobretudo ao jovem estudante de ciências sociais que está lutando para ter um diploma e vai encontrar uma quantidade de dados sobre a sociedade que ele ou ela não vai saber tratar, lidar, analisar e interpretar com as teorias e os métodos que estão sendo ensinados hoje. Não perca seu tempo aprendendo teorias e metodologias obsoletas, pois, lá na frente, quando você precisar de um emprego – ou como diz Marx “comer, beber, vestir” -, as habilidades computacionais aplicadas às ciências sociais farão toda a diferença. Por fim, desejo que os pesquisadores no contexto brasileiro que tratam da sociologia digital vejam esse livro como um convite ao debate de um tema tão interessante e complexo.

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